Seca e crescimento nos EUA provocam conflitos pelo direitos ao uso da água

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21 Março 2014

Por todo o Oeste dos Estados Unidos, o longo período de seca provocou uma série de batalhas políticas e jurídicas ferozes sobre quem controla um tesouro cada vez mais precioso: a água.

A reportagem é de Michael Wines, publicada pelo jornal The New York Times e reproduzido pelo portal Uol, 18-03-2014.

Na periferia da minúscula cidade agrícola de Mumford, Frank DeStefano irrigava seu plantio de 500 hectares de algodão com a água do rio Brazos há 16 meses, quando fiscais do Estado deram ordens a ele e a centenas de outros ao longo do rio que desligassem suas bombas. Um amplo complexo petroquímico na junção do Brazos com o Golfo do México detinha os direitos principais sobre a água do rio e, com o Brazos encolhido, já estava sofrendo a falta.

Os fiscais estaduais mandaram DeStefano e outros com menos direitos que parassem de usar a água para compensar o déficit. Mas deram passe livre às cidades e usinas de energia ao longo do Brazos, depois de concluírem que a saúde pública e a segurança tinham prioridade, acima até mesmo dos direitos dos agricultores à água.

Agora DeStefano e outros produtores rurais estão na justiça, argumentando que o Estado está errado - e, até agora, eles estão ganhando.

"Eu entendo que as cidades precisam de água, as pessoas precisam de água, mas não consigo entender como a agricultura é empurrada para o fim da fila", disse ele. "Estamos muito preocupados, com medo que algo assim se repita. Já é difícil o suficiente ganhar a vida sem essas coisas".

Os moradores do árido Oeste sempre brigaram pela água. Mas anos de seca persistente estão agora intensificando essas batalhas, e o crescimento explosivo das cidades e subúrbios elevou os riscos a um nível inteiramente novo.

No sul do Texas, ao longo da costa do Golfo ao sudoeste de Houston, o Estado cortou o fornecimento de água do rio para os produtores de arroz por três anos para manter os reservatórios que abastecem Austin, uma cidade em franca expansão que fica cerca de 160 km a montante. Em Nevada, uma coalizão que envolve desde ambientalistas até a Liga das Mulheres Eleitoras de Utah ajuizou ações federais no mês passado para bloquear a construção de um duto que levaria a Las Vegas águas subterrâneas de um aquífero que fica na fronteira entre Nevada e Utah.

No Colorado as autoridades da zona rural do oeste das montanhas Rochosas estão impondo restrições rígidas sobre os pedidos de água para Denver ou para o resto da populosa metade oriental do Estado. Temendo por sua existência, as cidades agrícolas do Colorado ao longo do rio Arkansas se mobilizaram para impedir vendas de direitos de água locais para os subúrbios de rápido crescimento de Denver.

No Arizona, ativistas e o governo federal estão lutando contra planos de exploração de águas subterrâneas por um conjunto habitacional enorme que reduziria o nível de água de um rio protegido. O Estado de Kansas acusa o Colorado e o Nebraska de permitirem que seus produtores desviem a água pertencente ao Kansas do rio Republicano, que flui através de todos os três Estados. Uma disputa semelhante entre o Novo México e o Texas chegou à Suprema Corte dos EUA.

A Califórnia, que vive uma seca histórica, passou por poucos conflitos locais. Em janeiro, ambientalistas e pescadores esportivos entraram na justiça para suspender a perfuração de centenas de novos poços de água subterrânea por agricultores do Vale Central, dizendo que um bombeamento mais elevado reduziria os níveis de água do rio.

Isso talvez não dure muito, disse Stuart Somach, um advogado de direitos de água de Sacramento. Os agricultores da Califórnia há muito reclamam dos projetos da cidade grande que visam a sua água; o norte da Califórnia há muito reclama de ser a torneira que abastece a maior parte da água para o sul seco.

"Estamos muito perto da hora que as pessoas vão começar a demarcar seus direitos. Estamos bem na virada", disse Somach. "Se essa seca persistir, dependendo da forma como órgãos estaduais e federais reagirem, teremos alguns conflitos reais".

Na verdade, as leis que governam a maior parte da água no Oeste parecem ter sido feitas sob medida para criar problemas.

Em muitos lugares, as regras para possuir ou utilizar águas subterrâneas ainda estão mudando: no Texas, os proprietários têm direito à água subterrânea abaixo de sua propriedade, mas os vizinhos podem bombear as águas subterrâneas do mesmo aquífero sem serem penalizados. A batalha judicial no Arizona sobre uma proposta de desenvolvimento de habitação depende da questão legal ainda obscura: se o Estado pode permitir que o construtor bombeie a água subterrânea que sustenta um rio que está sob controle federal.

Em contrapartida, a lei vigente em rios e córregos é muito clara: quanto mais cedo alguém alegar deter um curso de água, mais fortes serão seus direitos a ele.

"Se você tem a reivindicação mais antiga sobre aquele rio, você pode a usar a água independentemente do propósito -agricultura, indústria, o que seja", disse Gabriel Eckstein, professor da faculdade de direito da Texas A & M University, e advogado da Sullivan e Worcester. "Ou seja, você terá o direito independentemente do uso que faz, se é eficiente ou com um propósito elevado".

Antigamente no Oeste, quando até em tempos áridos havia água suficiente para todos, esse princípio funcionava bem. No Oeste em expansão de hoje, cada vez mais ele é uma receita para o conflito.

A Secretaria do Rio Colorado de Baixo, no Texas, decidiu no mês passado cortar o fornecimento de água para aos produtores de arroz depois de concluir que dois reservatórios que abastecem Austin e outras cidades a montante estavam em níveis perigosamente baixos - com cerca de 38 % da capacidade. Os agricultores não tiveram como apelar, porque não detinham os direitos sobre a água: eles os tinham vendido à secretaria décadas atrás.

O corte no fornecimento demonstrou, no entanto, a relação explosiva entre o passado rural do Estado e seu futuro urbano. Em uma audiência lotada na justiça, no mês passado, os agricultores e outros moradores a jusante reclamaram que tiveram que abdicar da água enquanto os moradores de Austin continuavam lavando seus carros, regando seus gramados e campos de golfe - ainda que apenas uma vez por semana devido às restrições impostas para a economia de água.

Os moradores da cidade argumentam que os reservatórios de água potável não se destinam à irrigação de fazendas, um ponto que os agricultores contestam, e que as empresas que promovem o lazer ao longo dos reservatórios estão indo à falência. Uma cidade em um dos reservatórios, lago Travis, tem trazido água de caminhão para abastecer as torneiras, dizem.

"Há tensões em cada bacia hidrográfica do Estado", disse Jason Hill, advogado de direitos hídricos que atualmente representa a cidade de San Angelo, no Texas, em outra disputa. "Você realmente não sabe o valor de alguma coisa até perdê-la e querer tê-la de volta. Além disso, historicamente, a água tem sido um recurso subestimado".

Em Austin, e por todo o Texas, os interesses rurais claramente estão contra-atacando. O Conselho de Desenvolvimento Hídrico do Texas, a agência de planejamento do Estado, calcula que a demanda das cidades por água subirá quase 75% em 2060, enquanto o uso da água para irrigação vai diminuir em 17%. Então, as cidades - e não os produtores rurais - serão os principais consumidores de água.

Mas os agricultores não estão desistindo sem lutar.

Em 2011, o Legislativo do Texas acatou a mudança de prioridades, autorizando a Comissão Estadual de Qualidade Ambiental a suspender os direitos à água em situações de emergência, como em secas. De acordo com essa decisão, a comissão ainda seria obrigada a alocar água para os detentores de direitos por ordem de antiguidade, mas poderia considerar como esta água estava sendo usada e mandar desligar a bomba.

Um ano depois, quando a seca deixou a planta petroquímica da Dow Chemical Co. em Freeport sem a água do rio Brazos, a empresa pediu à comissão que honrasse os seus direitos à água detidos há 83 anos e mandasse que os usuários mais recentes compensassem a falta de água.

E a comissão obedeceu - mas só depois de decidir que, por razões de saúde e segurança, 66 cidades do Texas e concessionárias de energia elétrica ficariam isentas de corte, enquanto centenas de agricultores e outras pessoas com mais direitos à água teriam que abrir mão dos seus direitos.

De fato, segundo os documentos do tribunal, as cidades e empresas de energia que foram isentadas detinham os direitos a 96% da água afetada pela reivindicação da Dow. Os 4% restantes, a maioria agricultores como DeStefano, perderam todo o direito de irrigarem suas plantações até o fim da suspensão, algumas semanas depois.

Na ação legal que se seguiu, DeStefano e outros argumentaram que a comissão não poderia escolher vencedores e perdedores quando fizesse valer os direitos à água consagrados por lei. "A lei estadual diz que o mais antigo tem o direito prioritário. Isso tem que ser cumprido", disse Joshua Katz, um advogado de Austin que representa o interesse dos produtores rurais.

As cidades prudentes fazem o que os agricultores prudentes fazem para se preparar para a seca: compram direitos à água mais antigos, disse ele.

Um tribunal no ano passado ficou do lado dos agricultores e o caso está em fase recurso. Mas se a seca da região continuar, inevitavelmente surgirão mais ações judiciais no Texas e em todo o Oeste.

"Realmente é um bom momento para um advogado de direitos hídricos no Texas", disse Hill, o advogado na disputa de San Angelo. "Há trabalho aqui até onde os olhos podem ver".

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