Por: Jonas | 17 Março 2014
O jesuíta Jorge Sarsaneda (Cid) levanta uma série de questões referentes à situação política que envolve a suposta crise vivenciada na Venezuela, concluindo que “enquanto entre latino-americanos nos insultamos, acusamos e nos desqualificamos, os “grandes do mundo” fazem seus cálculos para nos tirar o petróleo, o cobre, o lítio, a água, e tantas outras riquezas que temos. É aí que precisamos colocar a nossa atenção...”. O artigo é publicado pela Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC), 07-03-2014. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
1. Por que se diz que na Venezuela se sofre uma tão grave falta de alimentos que justifica os destroços e incêndios, se foi um dos quatro países da América Latina com menos fome, em 2012 (de acordo com a FAO e OMS), sendo inferior a 5%, e um dos países com maior índice de crianças e jovens obesas? Por que não há piores desmandos em um país irmão como a Colômbia, no qual a fome atingiu 12,6% da população, ou seja, quase o triplo que na Venezuela?
2. Por que se as causas dos destroços, incêndios e manifestações é a escassez de produtos básicos, são observadas ações de caráter político e não saques a lojas e armazéns, que é o normal e esperável quando se trata de carência generalizada? Por que um dos dirigentes opositores, Henrique Capriles, afirma que é em razão da “falta de remédios”, se os avanços em saúde na Venezuela estão entre os mais destacados da região?
3. Por que tanta violência por suposta “ausência” ou falta de acesso à comida, se The Economist publicava, nessa semana, que a escassez atingiu apenas 28% dos produtos? Por que os próprios analistas não preveem algo igual na República Dominicana, país no qual a Latinobarómetro detectou que cerca de 70% da população não tem dinheiro suficiente para comprar a comida do mês?
4. Por que o epicentro dos protestos pela “escassez” é a Praça Altamira, em meio às urbanizações de classes acomodadas e habitantes de pele branca, e não como seria mais lógico em bairros pobres e de população mestiça, sendo a Venezuela o país com maior proporção de afrodescendentes da América do Sul, com exceção do Brasil?
5. Por que a UNESCO reconhece a Venezuela como o quinto país com maior número de matrículas universitárias do mundo, que cresceu em mais de 800%, sendo ao redor de 75% educação superior pública, e que não se conhece uma só luta do “movimento estudantil” atual para lutar por isso, ao passo que há “estudantes” marchando contra “torturas” e por “comida”?
6. Por que se os estudantes da educação superior na Venezuela já superam os 2,6 milhões (ou seja, ao redor de vinte vezes o que existe no Panamá), as manifestações que ocorrem se dão muito mais em forma de focos ou grupos de dezenas ou, no máximo, centenas de pessoas?
7. Por que se o habitual e normal é que os estudantes ou sindicatos marchem por mais bens e serviços públicos, e leis mais democráticas e equitativas, os “estudantes” que marcham na Venezuela fazem isso por papel higiênico, defendendo a propriedade privada sobre os meios de imprensa ou negócios de consumo?
8. Por que não se conhece ainda o nome de uma federação ou organização estudantil, uma lista de demandas ou o nome de algum de seus mais importantes dirigentes ou membros diretivos, mas, sim, são conhecidos os nomes de manifestos e antigos líderes da oposição partidarista e eleitoral, envolvidos nas ações golpistas de 2002 e 2013?
9. Por que e quem são os que produzem as falsas imagens de torturas, assassinatos e vexações posteriores aos confusos fatos do dia 12 de fevereiro de 2014, manipulando fotos do Chile, Europa ou Síria para que apareçam nas redes sociais e até em meios de comunicação como a CNN, como se tivessem ocorrendo na Venezuela? Que liderança democrática e civil se valeu de algo assim na história universal?
10. Por que se os bolivarianos e seus aliados venceram as eleições de 2012 e 2013, incluindo as municipais de dezembro passado, quando obtiveram 55% dos votos e 76% das prefeituras, fala-se de que o partido no poder hoje é “minoria”? Por que se propõe a sua renúncia como saída à “crise” ou um referendo revogatório, fora de todos os prazos e procedimentos legalmente estabelecidos para isso na Constituição feita com a própria liderança bolivariana?
11. Por que se invoca a falta de diálogo, se há apenas dois meses, na Venezuela, ocorreu um encontro histórico entre o Executivo nacional e todos os prefeitos recém-eleitos, incluindo a situação e os opositores, portanto, com a participação de todos os partidos e posições? Com quem se dialoga, quem dirige ou lidera “a crise”?
12. Por que o principal – e praticamente único – porta-voz das manifestações, supostamente pacíficas e animadas pela “ineficiência” do governo, é Leopoldo López, pessoa que não conta com nenhuma representação, salvo a de seu minúsculo partido, e sua convocação mais importante é, há meses, “tirar aqueles que governam”? O que tem a ver com isso o Tea Party (ultradireita dos Estados Unidos), já que se conhece a relação muito próxima com López?
13. Por que não usam os governos, prefeituras e bancadas nas Assembleias nacional e estaduais para propor um curso de ação pacífica e política, e por que não canalizam através de sua enorme incidência midiática as denúncias de “corrupção”, “fraude”, “totalitarismo”, “fome” e “repressão” com provas contundentes e irrefutáveis – não pelo Twitter, nem YouTube – como eram feitas as oposições a Trujillo, Balaguer, Pinochet ou Videla?
14. Por que se protesta se na Venezuela mais de 42% do orçamento do Estado se destina aos investimentos sociais? Segundo dados internacionais, 5 milhões de pessoas saíram da pobreza, então quem são os que protestam? Por que se protesta se foi erradicado o analfabetismo? De que se queixam os estudantes se foi multiplicado por cinco o número de professores nas escolas públicas (de 65.000 para 350.000) e foram criadas 11 novas universidades?
15. Por que...?
Poderíamos continuar acrescentando perguntas. O certo é que enquanto entre latino-americanos nos insultamos, acusamos e nos desqualificamos, os “grandes do mundo” fazem seus cálculos para nos tirar o petróleo, o cobre, o lítio, a água, e tantas outras riquezas que temos. É aí que precisamos colocar a nossa atenção...
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A “crise” na Venezuela e as perguntas que fazem um jesuíta duvidar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU