02 Novembro 2013
"Este mês de novembro será um tempo de celebrar a memória dos nossos mártires e lutadores. Nada melhor que começar lembrar os que derramaram seu sangue e deram suas vidas para que nós hoje estivéssemos continuando suas lutas. Nossos antepassados, testemunhos na fé e na vida. Aqui no Centro de Formação Vicente Cañas estaremos iniciando um momento forte de nossa caminhada com um retiro enfocando nossa espiritualidade missionária em tempos de conflito. Para nos animar e refletir conosco teremos o mestre Carlos Mesters. Em seguida realizaremos a 20 Assembleia Geral do Cimi", informa Egon Heck, Cimi-MS, ao enviar o artigo que publicamos a seguir.
Eis o artigo.
Marçal, Marçal,
és profeta de um novo canto,
de uma Terra livre e sem quebrantos
que é compromisso dos que estão aqui
Marçal, Marçal,
tua morte só apressa o dia,
em que o alto preço dessa covardia,
será cobrada pelos Guaranis
(Luis A. Passos)
Vida ceifada a três décadas não foi silenciada. Há trinta anos os Kaiowá Guarani da região de fronteira com o Paraguai lutam para ter suas terras de volta e se faça justiça com os matadores de índios e não prevaleça o império da impunidade. Marçal Tupã-y foi assassinado no dia 25 de novembro de 1983, na aldeia de Campestre, Terra Indígena Nhanderu Marangatu, município de Antonio João. A morte brutal teve repercussão no país e exterior. Marçal era uma liderança destemida na luta pelos direitos de seu povo Guarani e Kaiowá, bem como pelos direitos dos povos indígenas do país. Em 1980 fez um veemente apelo ao Papa João Paulo II, em Manaus-AM.
O fazendeiro Líbero Monteiro de Souza, apontado como mandante do crime, executado por Romulo Gamarra, faleceu no início do século, tendo sido inocentado, no julgamento realizado em Ponta Porã, dez anos após o assassinato. Em 2003 a ação prescreveu, sem que assassinos ou mandante fossem punidos.
Celebração do martírio
Assim como Sepé Tiaraju é um herói e mártir da resistência Guarani, do século XVII, Marçal é um herói, mártir da luta com seu povo, no século XX. Por ocasião dos 30 anos de seu assassinato, o povo Guarani e seus aliados estão organizando uma serie de atividades como seminários, debates, para dar visibilidade a esse assassinato e as centenas de mortes em função da terra.
Para este mês estão previstas atividades na região para celebrar a memória de Marçal, honrando sua memória, dando continuidade às suas lutas principalmente pela terra.
Uma liderança convertida pelo exemplo de Marçal foi Hamilton Lopes que dizia "ao ver a luta de Marçal eu senti que devia assumir essa luta e me comprometia dar continuidade.E assim o fez. Andou pelas aldeias, em vários lugares do Brasil e do mundo, denunciando a violência e injustiça a que estavam submetidos os Kaiowá Guarani, principalmente a negação de suas terras. Morreu sem ver sua terra Nhanderu Marangatu, já homologada, ter sido devolvida a seu povo. Seu espírito e exemplo continuam animando a luta.
Há dois anos era assassinado o cacique Nisio Guarani, que com seu povo havia retornado à sua terra tradicional, Guaiviry. Seu corpo até hoje não foi localizado. Os assassinos continuam solto. Seu filho Genito denunciou nesta semana, na OEA (Organização dos Estados Americanos) as violências e ameaças a que continuam submetidos. “A história demonstra que a efetiva demarcação de nossos territórios é o único meio eficaz de se solucionar o estado de violência. Nenhum programa de proteção do governo irá efetivamente proteger a minha vida e de meus parentes enquanto não se repara esta dívida histórica"
Façamos deste mês de novembro uma grande celebração dos centenas de mártires e heróis Guarani Kaiowá e demais povos indígenas do país.
Yvy Katu urgente
Está vendo esta foto? Pouca gente, talvez, que acompanhou a questão guarani-kaiowa nos últimos meses saiba, mas ela foi tomada durante um conflito em Yvy Katu, por volta de 2003, 2004. É o mesmo lugar onde hoje os fazendeiros da região de Iguatemi e Japorã estão acampados e prometendo uma mobilização que, segundo eles, está trazendo, inclusive, ruralistas de outros estados. Não é fácil ver esse tipo de cena, especialmente registrada em foto. Se há um lugar de conflito entre os Guarani de MS e os fazendeiros onde a situação pode degringolar e acabar em confronto aberto é em Yvy Katu. Por isso, a quem tem acompanhado a questão em MS desde o ano passado, recomendo muita atenção.
Nos últimos dias, as mensagens no perfil da @[100003234309390:2048:Aty Guasu] - a grande assembleia dos Kaiowa e Guarani - mostram que a situação lá está realmente muito grave, já houve movimentação dos paramilitares da segurança privada da região. Uma liderança morreu em circunstâncias não esclarecidas semana passada. Não foi de tiro nem nada, que se saiba, mas, em suma, o clima é muito muito tenso, como não se via desde a desocupação em Buriti, em maio.
A causa de toda essa tensão, da retomada das ocupações de terra, é a velha tática dos fazendeiros de empurrar com a barriga a discussão sobre terras, aliada à incapacidade do governo brasileiro de determinar uma linha de ação consistente sobre a situação lá em MS. A mesa de negociações criada em julho perdeu vigor, está empacada. Oxalá não seja necessário que ocorram mais mortes para que as autoridades voltem a prestar atenção ao que está se passando...
"Pode haver um banho de sangue a qualquer hora", afirmam os fazendeiros e agricultores acampados próximo à ponte do rio Iguatemi, nos limites da terra indígena. O cacique Rosalino, que há trinta anos vem lutando pela terra de seu povo e que participou na retomada do Pirakuá, apoiada por Marçal, e razão mais imediata de seu assassinato, lança seu clamor e pedido de solidariedade e ajuda pois estão passando por graves necessidades, principalmente de alimentos.
A solidariedade passa pela exigência da conclusão da regularização das terras e a devolução das mesmas às comunidades de Porto Lindo-YvyKatu.
Se o Ministro da Justiça diz estar com 75% de sua agenda ocupada com a questão indígena, a única forma de fazer justiça é demarcando as terras.
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Marçal Guarani - trinta anos de impunidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU