23 Mai 2013
As palavras de Etty (Esther) Hillesum em seus diários às vezes se tornam incandescentes e revelam uma extraordinária intempérie mística que se alimenta tanto de uma inteligência fremente e altíssima quanto da tragédia da destruição que o nazismo estava operando contra os judeus.
A opinião é do cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 19-05-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"É preciso saber aceitar as próprias pausas": note-se bem, não "medos", mas, para Etty (Esther) Hillesum, as "pausas", as paradas, os espaços de silêncio são a "menor" em comparação com a totalidade "maior" do eventos e dos pensamentos fortes, e ambos constituem o contraponto harmônico da vida.
A frase citada é a última, escrita em letras maiúsculas, dos diários que tornaram célebre essa jovem judia, nascida em 1914, e traz a data da "madrugada" do dia 13 de outubro de 1942. Trata-se de 11 cadernos – mas o sétimo se perdeu – aos quais se acrescenta um epistolário. A primeira anotação é datada de 8 de março de 1941 e é dirigida ao seu mentor e amigo Julius Spier, psicoquirólogo (sic) de profissão.
Devemos ser gratos à editora Adelphi, que pela primeira vez propôs em italiano esses diários, por ter agora oferecido a sua íntegra com base na edição crítica holandesa de 1986. Não é possível dar conta do extraordinário arco-íris temático e espiritual dessas páginas: quem começa a sua leitura não pode deixá-la até o ponto final e não pode sair ileso.
A única nota que queremos assinalar diz respeito justamente ao arco cromático dos diários, espelho de uma evolução existencial. Etty, de fato, parte do gélido violeta dos interesses externos de uma menina de Amsterdam, não observante, desejosa apenas para viver, amante de Rilke, Dostoiévski e Jung, não desprovida de relações sentimentais. Logo, porém, acende-se nela uma centelha que lhe incendeia a alma e torna-se nela uma ascensão ao mistério e ao encontro íntimo e supremo com Deus e ao outro extremo vermelho-fogo daquele espectro espiritual.
As palavras às vezes se tornam incandescentes e revelam uma extraordinário intempérie mística que se alimenta tanto de uma inteligência fremente e altíssima quanto da tragédia da destruição que o nazismo estava operando contra os judeus ("a nossa destruição se aproxima furtivamente de todos os lados e logo o círculo será fechado ao nosso redor").
Ela confessa: "No fundo, as cartas a Deus são as únicas cartas de amor que devem ser escritas". E ainda: "É preciso ser capaz de viver sem livros e sem nada. Sempre haverá um pedacinho de céu que se pode olhar e um espaço suficiente dentro de mim para juntar as mãos em uma oração". Ela estava convencida de que, "abrindo vastas clareiras de paz em nós mesmos", elas poderiam se estender até pacificar a humanidade inteira, porque Deus deve estar "desenterrado dos corações devastados pelos homens", assim como ele deve ser "desenterrado" da nossa alma onde ele jaz "coberto de pedra e areia" (e essa anotação foi citada por Bento XVI na sua penúltima audiência geral de fevereiro passado).
Se pegarmos o caminho da citação desses cadernos, não conseguimos mais nos separar. É por isso que paramos aqui com uma última evocação que poderia ser um selo ideal: "A minha vida tornou-se um diálogo ininterrupto contigo, meu Deus, um único grande diálogo. Às vezes, quando estou em um cantinho do campo, os meus pés plantados na sua terra, os meus olhos voltados para o teu céu, o meu rosto se inunda de lágrimas que brotam de uma emoção profunda e de gratidão. Mesmo à noite, quando, deitada no meu leito, me recolho em ti, meu Deus, lágrimas de gratidão inundam o meu rosto: e essa é a minha oração".
Toda a família Hillesum foi deportada para Auschwitz em setembro de 1943. Os pais foram eliminados imediatamente nas câmaras de gás, enquanto Etty – segundo a Cruz Vermelha – morreu no dia 30 de novembro. Ela tinha 29 anos.
A ela queremos aproximar outra figura feminina mística de grande fascínio: Teresa de Lisieux, que morreu com apenas 24 anos em 1897, canonizada em 1925 por Pio XI e declarada surpreendentemente como "Doutora da Igreja" por João Paulo II em 1997, 100 anos depois da sua morte. A ela, que entrou aos 15 anos no Carmelo, onde elaboraria aquela extraordinária História de uma alma, de redação complicada, mas fulgurante pela sua mensagem, um teólogo que também é um conhecido jornalista, Gianni Gennari, dedicou um poderoso texto, capaz de recolher essa obra-prima espiritual nos seus três manuscritos (A, B, C), mas também um retrato incisivo e preciso da santa. Como, de fato, ele confessa em um "post-scriptum pessoal", ele encontrou os escritos e a personalidade de Teresa ao sair de um longo coma em 1957.
Aí iniciou a pesquisa histórico-crítica e teológica apaixonada em torno dessa "pequena flor" que tinha escolhido o caminho da infância evangélica (que não é infantilismo) para subir até as altas trilhas onde se descobre que "Deus realmente não precisa das nossas obras, mas apenas do nosso amor". Essa "pequena via" conquistaria muitos dos seus leitores, começando por Bernanos, que escrevia a um amigo: "Eu perdi a infância e não poderei reconquistá-la senão através da santidade", para chegar ao judeu Joseph Roth da Lenda do santo bebedor, sem falar dos papas, como Gennari atesta em um capítulo específico.
Até mesmo um personagem bastante forte e rude como Pio XI ficou envolvido por ela ao ponto de considerá-la como a "estrela do seu pontificado", embora negando-lhe, por ser mulher, o título de "Doutora", que – como se disse – lhe seria conferido com convicção por um sucessor seu.
Concluamos essa explosão de luz que emana de duas figuras femininas em que se cruzam intuição e contemplação, fé e graça, com um livro a seu modo surpreendente. O autor é um filósofo jesuíta, professor em Louvain, o belga Joseph Maréchal (1878-1944). À primeira vista, ele parece estar a um milhão de milhas de distância dos impulsos místicos: basta apenas folhear os nada menos do que cinco volumes do seu Point de départ de la métaphysique em que a filosofia tomista é confrontada com as instâncias da modernidade.
Ele, porém, também era dotado de uma bagagem psicológica, tendo estudado psicanálise e psicoterapia na Alemanha, e foi assim que ele abarcou um horizonte diferente pela sua fluidez do rigor lógico-formal da Escolástica. Assim, ele entrou em debate com o conhecimento místico dotado de uma gramática original própria, com o êxtase, com a verdadeira e a falsa espiritualidades, tentou identificar a ontologia e a teologia de uma experiência tão complexa que transborda a mera análise da psicologia empírica. O lumen gloriae conquistado através da "intuição intelectual" é, na alma mística, uma espécie de transeunte e antecipada visão beatífica de Deus e do seu mistério.
À margem, assinalamos a finíssima introdução à obra de Maréchal, proposta pelo organizador dessa que é também a primeira edição italiana, o professor Domenico Bosco.
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No arco-íris de Etty Hillesum. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU