20 Mai 2013
Em uma decisão histórica, o ex-chefe de Estado da Guatemala, general Efraín Ríos Montt, o ditador apoiado pelos EUA que presidiu o terror de Estado e o assassinato em massa nos anos 1980, foi considerado culpado no dia 10 de maio pelo genocídio e crimes contra a humanidade, começando imediatamente uma sentença de 80 anos em uma prisão de segurança máxima na capital do país.
A reportagem é de Mary Jo McConahay, publicada no sítio National Catholic Reporter, 18-05-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Lágrimas rolaram entre os sobreviventes e os cerca de 700 observadores que aplaudiram e se abraçaram na audiência lotada, enquanto a juíza Jazmín Barrios, presidente de um tribunal de três juízes, completou a leitura de uma hora da sentença, declarando a responsabilidade de Ríos Montt pelas mortes de 1.771 índios Maia Ixil e pela tortura, deslocamento forçado e violência sexual destinados a destruir "a semente" do grupo indígena. O Exército suspeitava que os Ixil tinham uma profunda simpatia para com as guerrilhas esquerdistas.
"Eu me sinto em paz", disse Juana Sánchez Toma. Sánchez havia testemunhado por ter sido pega quando era adolescente dentro da igreja católica de Nebaj, a maior cidade da área altiplana de Ixil, onde grupos de soldados violaram repetidamente a ela, sua mãe e outras mulheres. Em uma parte da decisão, que ocorreu depois de sete horas de deliberação, Barrios se referiu à prática dos soldados de cortar as mulheres grávidas para remover o feto e nomeou 10 mulheres, incluindo Sánchez, que descreveram a violência sexual, dizendo que o seu testemunho era uma "prova objetiva" da intenção de fazer com que os Ixil "desaparecessem".
"Agora eu posso dizer aos meus filhos que há justiça na Guatemala", disse Sánchez, que viajou de ônibus durante horas para estar presente para ouvir o veredito.
Ríos Montt, 86 anos, insistiu em sua inocência em uma declaração de 50 minutos no dia 9 de maio. "A subversão estava na porta do palácio", disse, sugerindo que ele resgatara um Estado ameaçado por esquerdistas. Ele disse que não foi ele, mas sim os comandantes de campo que foram os responsáveis por operações na área Ixil, uma região montanhosa onde os guerrilheiros eram fortes. O corréu, general Mauricio Rodríguez, 68 anos anos, ex-chefe da inteligência militar de Ríos Montt, não foi considerado culpado.
Desde o seu início, no dia 19 de março, o julgamento foi excruciante em testemunhos gráficos por parte de muitas das cerca de 150 testemunhas e perturbado por atrasos resultantes de manobras de defesa destinadas a freá-lo. O julgamento foi um divisor de águas internacionais, o primeiro em todo o mundo a processar um ex-chefe de Estado por genocídio nos tribunais nacionais do país onde os crimes ocorreram – e não em um tribunal internacional.
Especialistas em jurisprudência dizem que o julgamento da Guatemala irá reverberar em nações que estão fazendo uma transição para a democracia, fortalecendo os argumentos globais em favor dos processos contra os criminosos de guerra. Ele ecoa pela primeira vez na própria América Central.
"A Guatemala nos deu esse exemplo", disse o bispo de El Salvador, Gregorio Rosa Chávez, em uma coletiva de imprensa após a missa do domingo, 12 de maio. Em um país muito menor, cerca de 75 mil pessoas morreram na guerra civil de El Salvador, que durou 12 anos e terminou em 1992. Os autores dos crimes hediondos não foram levados ao tribunal, incluindo os assassinatos do arcebispo Oscar Romero, quatro religiosas norte-americanas, seis padres jesuítas, sua empregada doméstica e sua filha, e centenas de outros.
"A América Central tem uma tendência de negar à vítima os seus direitos, de esquecer, de perder a memória das coisas", disse Rosa Chávez. "Nisso, a Igreja é categórica: não é possível chegar ao perdão e à reconciliação sem passar pelo momento da verdade e da justiça". O julgamento de Ríos Montt, disse, "pode ser favorável e positivo para a dinâmica regional".
Os defensores do julgamento haviam dito que a sua conclusão bem-sucedida, independentemente do veredito, ajudaria a fortalecer os tribunais historicamente corruptos da Guatemala. No entanto, enquanto ele ocorria, uma sensação de risco e de insegurança surgia muitas vezes, sugerindo que qualquer amadurecimento no sistema legal está ocorrendo em um país polarizado e ainda volátil.
Ao longo do julgamento, um grupo de veteranos militares e opositores aos processos publicou ao menos 65 páginas de anúncios pagos que condenavam figuras proeminentes em atividades judiciais e de defesa dos direitos, incluindo a procuradora-geral Claudia Paz y Paz e sua família, adornando as histórias com nomes e fotos, usando uma linguagem "antissubversiva" que ressoava um tempo em que a publicação dessas listas era considerada uma ameaça concreta de violência. Um alvo: os membros da "Igreja Católica marxista".
Dois peritos internacionais disseram que, depois de terem testemunhado, as autoridades governamentais os contataram, desaconselhando-os a deixar os seus hotéis e sugerindo que saíssem do país o mais rápido possível. Agentes armados do Ministério Público os escoltaram até o aeroporto. "Acompanhantes" voluntários desarmados das Brigadas Internacionais de Paz e da rede internacional Acoguate rodearam os advogados de acusação e as testemunhas indígenas fora da sala de audiências, enquanto monitores em coletes azuis das Nações Unidas e do Ministério Público da Guatemala eram visíveis entre os observadores. Em uma assustadora foto de primeira página em um jornal local, Barrios aparecia deixando o seu escritório sem paletó, vestindo um colete à prova de balas.
Ríos Montt, um cristão renascido e membro da Igreja El Verbo, fundada em Mendocino, Califórnia, governou por 18 meses após um golpe de Estado em março de 1982, presidindo uma das eras mais sangrentas de um conflito civil de 36 anos que custou cerca de 200 mil vidas, de acordo com um relatório da Comissão da Verdade promovida pela ONU. A grande maioria dos que morreram eram índios maia não combatentes. O perito Patrick Ball, um especialista que realiza análises quantitativas para tribunais de direitos internacionais, apresentou uma pesquisa que sugere que um em cada oito Maia Ixil morreram violentamente durante o governo de Ríos Montt em comparação com os vizinhos não Ixil. Em um clima de Guerra Fria, os Estados Unidos viram o general fervorosamente anticomunista como um aliado. Em uma visita em 1982 à Cidade da Guatemala, o presidente Ronald Reagan chamou Ríos Montt de um homem de "integridade", que estava recebendo "acusações falsas".
No dia 10 de maio, quando o veredicto do genocídio foi proferido, a ordem dos juízes de levar o prisioneiro não foi imediatamente cumprida. Quase um pandemônio reinou em torno da mesa da defesa (que ficou despedaçada), enquanto a imprensa lutava para gravar o general, que estava de pé condenando o julgamento com ira e os gestos impregnados dos discursos carismáticos da sua vida política.
Por quase uma hora, Barrios pediu que os oficiais assumissem a custódia de Ríos Montt e pediu reforços de segurança para evitar o "risco de fuga", mas o tribunal continuou fora de controle. Em algum lugar na plateia, começou um canto suave e melódico; outros se juntaram, e o ar ficou cheio de uma canção cuja letra é de um poema de Otto René Castillo, um escritor revolucionário que virou guerrilheiro e que foi queimado vivo por captores do Exército em 1967: "Aqui nós só queremos ser humanos", cantavam os membros da plateia: "Comer, rir, apaixonar-se, viver...". A movimentação na enorme sala acalmou. Dentro de poucos minutos, o preso foi removido.
O filho de Ríos Montt, Enrique, o visitou no dia seguinte na prisão de Matamoros, no centro da capital. No entanto, o irmão mais novo do general, Dom Mario Enrique Ríos Mont (que soletra o seu nome de forma diferente), bispo auxiliar aposentado da Cidade da Guatemala, teve sua entrada negada.
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Ríos Montt é considerado culpado por genocídio guatemalteco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU