22 Março 2013
Preocupado com a desova de tartarugas marinhas na Praia do Bessa, em João Pessoa, um casal decidiu ingressar na Justiça para impedir obras de urbanização da prefeitura. Para evitar alterações no local, que dificultariam o ciclo de vida da tartaruga de pente, que no Brasil é ameaçada de extinção, o casal adotou um instrumento jurídico cada vez mais utilizado para questões ambientais: a ação popular. O caso foi julgado em fevereiro. O projeto continua no papel.
A reportagem é de Bárbara Mengardo e publicada pelo jornal Valor, 22-03-2013.
Há ações populares tramitando também no Estado de São Paulo. Em São Bernardo, duas catadoras de material reciclável discutem a construção de um incinerador de lixo às margens da Represa Billings. Em Jandira, uma moradora questionou o uso de animais na Festa do Peão de Boiadeiro.
Na Praia do Bessa, obras de urbanização previam originalmente a construção de uma rua, um calçadão e uma ciclovia. As alterações diminuiriam a faixa de areia, o que, de acordo com a advogada Eveliny Von Dessauer, que atua na ação, poderia prejudicar as tartarugas, que só colocam seus ovos na parte seca da areia. "A parte mais larga dessa praia tem 50 metros. O projeto inicial iria avançar sobre 30 metros de areia", diz a advogada.
Ela e o marido, Andrés Von Dessauer, afirmam na ação que até a iluminação pública prevista no projeto poderia prejudicar a desova das tartarugas. Segundo Eveliny, os filhotes tenderiam a ir em direção à luz quando saíssem dos ovos, podendo se perder e morrer com a exposição ao Sol. Os autores ainda destacaram na ação que, por meio do Decreto nº 3.842, de 2001, o Brasil aderiu à Convenção Interamericana para a Proteção e a Conservação das Tartarugas Marinhas.
A ação popular foi analisada pela 3ª Vara Federal de João Pessoa, que concedeu liminar, confirmada posteriormente em sentença, para impedir alterações na Praia do Bessa. Durante a tramitação do processo, o projeto da prefeitura foi alterado, prevendo apenas a construção de uma ciclovia e faixas para pedestres. Mesmo com a mudança, a juíza Cristiane Mendonça Lage entendeu que as obras poderiam prejudicar o ambiente. "Importante considerar que a via que o município de João Pessoa pretende implantar não se configuraria em alternativa relevante para o deslocamento na cidade" afirma a magistrada na sentença.
A Prefeitura de João Pessoa já recorreu da decisão, segundo o procurador-geral Rodrigo Farias. Para ele, as obras não prejudicariam a desova das tartarugas. "Há discussão sobre um projeto inexistente. Ele foi reformulado e não foi tratado lá [na decisão]", afirma. A União, que também é parte no processo, também vai recorrer. Por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), informou que as obras têm um parecer favorável da Secretaria de Meio Ambiente do município. "No projeto, há preocupação com o habitat onde ocorre o processo de desova das tartarugas marinhas, de forma a lhes assegurar a integridade do ciclo reprodutivo", diz o órgão por meio de nota.
Apesar da decisão favorável, Eveliny aponta dificuldades para o acompanhamento de ações dessa natureza. A prefeitura, segundo ela, conta com cerca de 20 advogados para sua defesa. "O autor de uma ação popular não tem a estrutura do Ministério Público. É um advogado versus o poder público. Por isso, esse tipo de ação é muito rara", afirma.
O instrumento processual é regulamentado pelo artigo 5º da Constituição Federal. A norma prevê que qualquer cidadão pode ajuizar uma ação popular, sem ter que arcar com custas judiciais ou ônus da sucumbência. Para o vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Carlos Alberto Maluf Sanseverino, o interesse da população pela preservação do ambiente se reflete em ações populares e denúncias ao Ministério Público. "Ações como a de João Pessoa mostram que os brasileiros estão preocupados com o ambiente", diz.
Em São Paulo, duas catadoras de lixo não conseguiram, porém, suspender o projeto de construção de um incinerador às margens da Represa Billings. Alegam que o manancial poderia ser poluído. Na ação, afirmam ainda que a obra iria contra a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que incentiva a reciclagem de lixo. "É importante que qualquer ato que contrarie a lei, praticado por agente público ou empresa, seja questionado pelos cidadãos", afirma o advogado Virgilio Alcides de Farias, que representa as catadoras.
O caso foi julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Os desembargadores entenderam que ações populares só podem ser abertas quando há dano ao ambiente. Até então, só havia sido realizada licitação para a obra. "Diante da inexistência do dano 'in concreto', não estão presentes os requisitos específicos da ação popular", diz a desembargadora Zélia Maria Antunes Alves, da 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente.
São partes no processos as prefeituras de São Bernardo do Campo e Diadema. Por meio de sua assessoria de imprensa, São Bernardo informou que o incinerador faz parte do Sistema de Manejo e Gestão de Resíduos Sólidos no Município, que respeita a legislação federal. "Antes da incineração, uma grande quantidade de materiais será triada, reciclada ou passará por processos de compostagem, em respeito à hierarquia imposta pela Política Nacional de Resíduos Sólidos", afirma em nota. Já Diadema alegou que "não tem relação com o incinerador".
Outra ação popular foi aberta em Jandira. Uma moradora pediu em 2012 que o município deixasse de usar animais na Festa do Peão de Boiadeiro. O TJ-SP permitiu o evento, mas determinou que dois veterinários ficassem de plantão e que nenhum animal fosse machucado.
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Proteção ao ambiente é tema de ações populares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU