Por: Márcia Junges | 24 Julho 2025
Diagnósticos precoces, medicina personalizada, prevenção de fraudes, análise de risco, automação de investimentos, personalização do ensino. Como se essas aplicações da Inteligência Artificial (IA) já não fossem impressionantes e impactantes o suficiente, há ainda dezenas de outras com as quais nosso tempo é radicalmente alterado e problematizado. Monitoramento de cultivos, previsão climática, carros autônomos, otimização de rotas, chatbots, recomendação de produtos e análise de comportamento de compra são outros exemplos de uma tecnologia que se faz presente desde o campo da saúde, finanças e educação, até a agricultura, transporte e comércio. Da hora em que acordamos, até a hora em que dormimos, a IA nos acompanha de alguma forma, com todas as possibilidades que se descortinam, mas também com os dilemas que lhe são inerentes.
Enquanto campo da computação, a IA desenvolve sistemas e máquinas capazes de realizar tarefas que normalmente exigiriam inteligência humana. Isso inclui desde raciocínio lógico, aprendizado com dados e reconhecimento de padrões até tomada de decisões e interpretação de linguagem natural. O fato é que, para muito além da ficção científica, a IA está alterando de forma profunda o panorama da vida nas sociedades, ainda que sua aplicação não seja uniforme nos diversos contextos mundo a fora e seus usos muitas vezes sejam inadequados, ou até antiéticos.
Tensionando o entusiasmo que a IA evoca, há limites e desafios que precisam ser refletidos em suas aplicações. Em termos técnicos, alguns dos obstáculos que se descortinam são a dependência de grandes volumes de dados, as limitações em interpretar contextos e emoções humanas e a dificuldade em explicar decisões, isto é, falta de transparência a esses modelos computacionais. No âmbito da ética e dos impactos sociais da IA, a privacidade de dados, o desemprego, a desinformação e o viés algorítmico que podem originar decisões injustas com base em dados enviesados ocupam o centro das discussões.
Nesse horizonte, algumas perguntas são decisivas e precisam ser feitas para obter respostas cruciais: como usar a IA de forma consciente e responsável? Como utilizar eticamente as tecnologias de IA? Que tipo de regulamentação é necessária? Quais riscos e oportunidades ainda podem se desdobrar daqueles que já conhecemos? Como trabalhar o fato de que o acesso à IA, como a outras tecnologias, é desigual? Se as respostas são complexas e exigem esforço decisório coletivo, borrando as fronteiras e embaralhando as certezas, algo é claríssimo: é impossível desconsiderarmos que a IA muda o paradigma da vida na Terra.
Ao contrário do que se costuma pensar, a ideia da IA não é exclusividade das últimas décadas. A concepção de máquinas inteligentes existia já na Grécia Antiga, porém foi no século XX, sobretudo a partir dos anos 1950, que a IA se delineia mais próxima de como a conhecemos hoje. Em 1943, Warren McCulloch e Walter Pitts propõem um modelo de neurônios artificiais. Sete anos mais tarde Alan Turing publica o artigo “Computing Machinery and Intelligence” e propõe o famoso Teste de Turing. Em 1956 John McCarthy cunha o termo “Inteligência Artificial” na conferência de Dartmouth, considerada o marco inicial da IA como campo científico. Desse tempo para cá, a evolução atingiu níveis impensáveis, mas que não excluem a necessidade do protagonismo humano na formulação e aplicação dessas tecnologias.
Retomando a entrevista concedida por Paola Cantarini ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, é examinada a tendência de se compreender a IA sob um viés radicalmente técnico, amparado nas lógicas do Norte Global. “Não se trata apenas de regular artefatos técnicos, mas de repensar fundamentalmente como as estruturas de poder se reconfiguram na era algorítmica”, pondera a pesquisadora. Em sua análise, “ao invés de impor modelos algorítmicos baseados exclusivamente na racionalidade tecnocientífica ocidental, deveríamos desenvolver múltiplas ‘inteligências artificiais’ que reflitam diferentes formas de conhecimento e sabedoria, incluindo epistemologias indígenas, africanas, asiáticas e outras tradições não ocidentais. Iríamos do pensamento do cálculo, representacionista e reprodutivo para o poético, produtivo, criativo e múltiplo”.
Outra reflexão desassossegadora é proposta por Mark Coeckelbergh, que também concedeu entrevista ao IHU. Para ele, é preciso democratizar o desenvolvimento da IA, e “para isso, a regulamentação é necessária. Também devemos falar sobre a propriedade dos dados. Tudo deve ser privado e nas mãos de empresas, ou podemos organizar as coisas de forma diferente?”, reflete o pensador.
Anderson Röhe, em entrevista ao IHU, pontua que por enquanto a IA não tem um estado de consciência semelhante aos humanos: “A Inteligência Artificial Generativa (IAG), por exemplo, tem propósito, mas não tem intencionalidade, uma vez que a intencionalidade depende da existência da consciência e autoconsciência, algo que a IA (ainda) está longe de possuir”. Para ele, “as IAs não estão programadas para falar a verdade, e sim comprometidas em não deixar os usuários sem uma resposta, por mais equivocada, inusitada, limitada ou distante da realidade que possa parecer”.
Invenção humana plena de possibilidades, mas também de arestas a serem lapidadas por conduções éticas atentas, a IA ajuda a entendermos o espírito de nosso tempo e auxiliarmos em sua escrita.
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