04 Setembro 2024
"A Igreja, e em particular os ‘equipes eclesiais de governo’ (com algumas exceções do que eu alcancei a conhecer e que é muito limitado), não têm uma mentalidade capaz de captar e acolher os ‘sinais dos tempos’. O que quer dizer, entre outras coisas, que continuamos atados, com especial referência ao pensamento eclesial, ao século XX que já não existe, à separação entre branco e preto, amigo e inimigo, o meu e o seu, o nosso e o deles. Tudo isso enquanto a realidade, a real, vai em direção obstinada e contrária. Mudar nossos paradigmas de referência, portanto, não é apenas uma opção possível, mas sim um chamado da realidade-em-nós. Já não podemos nos dar ao luxo de ignorá-lo", constata Joseba Kamiruaga Mieza CMF, missionário claretiano e padre, em artigo publicado por Religión Digital, 03-09-2024.
Segundo ele, "desde a escola, somos ensinados a ‘analisar’ o complexo, ou seja, a decompor em suas partes distintas, porque o todo é muito ‘difícil’. Ao fazer isso, podemos acabar perdendo não apenas a visão geral, mas também o sentido, o significado e o alcance desse mesmo elemento em seu contexto: observamos como se fosse uma entidade separada. Mas, infelizmente, não é assim: seria como tentar curar um coração doente sem verificar se o organismo que ainda terá que abrigá-lo está saudável".
"Existem dois tipos diferentes de mudança: uma que ocorre dentro de um determinado sistema, que em si permanece inalterado, e outra, cuja ocorrência altera o próprio sistema” (Paul Watzlawick).
Depois desses anos de experiência em governo, provincial e congregacional, na minha congregação claretiana, e também em algumas outras instituições eclesiais, entendo que as ‘classes dirigentes’ (vou chamá-las assim referindo-me aos Bispos, Superiores Maiores, Conselhos...) parecem não poder deixar de se alimentar do pensamento sistêmico e estratégico nesta fase histórica do nosso mundo (não no imaginário hipotético suposto).
Nada do que ocorre dentro dos sistemas eclesiais regionalizados (diocesanos, congregacionais…) e em escala mundial pode ser abordado, analisado e governado separadamente do resto. Isso nos obriga a pensar de forma sistêmica, a trabalhar cada vez mais nas inter-relações que conduzem, ao mesmo tempo, à integração e à desintegração. Precisamos desenvolver uma cultura sistêmica e de síntese, capaz de compreender os processos históricos, as condicionantes recíprocas (não inevitáveis) e os limites e potencialidades que delas decorrem.
Também precisamos de um pensamento estratégico, aberto, complexo, crítico e livre. Junto ao dado da inter-relação sistêmica, deve-se adicionar o de imprevisibilidade que vemos crescer em um mundo desigual, apolar e cada vez mais marcado por complexidades (também ameaças e fraquezas) assimétricas.
Em uma expressão, o pensamento sistêmico e o pensamento estratégico podem ser resumidos como pensamento de projeto. A Igreja, e em particular os ‘equipes eclesiais de governo’ (com algumas exceções do que eu alcancei a conhecer e que é muito limitado), não têm uma mentalidade capaz de captar e acolher os ‘sinais dos tempos’. O que quer dizer, entre outras coisas, que continuamos atados, com especial referência ao pensamento eclesial, ao século XX que já não existe, à separação entre branco e preto, amigo e inimigo, o meu e o seu, o nosso e o deles. Tudo isso enquanto a realidade, a real, vai em direção obstinada e contrária. Mudar nossos paradigmas de referência, portanto, não é apenas uma opção possível, mas sim um chamado da realidade-em-nós. Já não podemos nos dar ao luxo de ignorá-lo.
Eu entendo que, com um pensamento sistêmico, as coisas são chamadas pelo seu nome. Se uma situação é complicada, ela deve ser tratada como tal, evitando simplificá-la artificialmente com o único objetivo de tomar uma decisão rápida. A complexidade deve ser respeitada e tratada como um elemento inevitável da vida cristã e eclesial. Em outras palavras, a facilidade de uma solução não deve ser confundida com sua bondade, nem sua eficácia com a eficiência.
O pensamento sistêmico nos ajuda a identificar as forças do sistema — que, no final das contas, foi criado por todos nós — e as formas de intervir nele; nos lembra que a vontade dos indivíduos é inserida no sistema com efeitos frequentemente contrários aos desejados e, para evitar esses perigos, revela suas leis profundas e suas dinâmicas ocultas. Não importa quem somos ou a que nos dedicamos, quais sejam nossas competências ou nossa missão (profissão, trabalho…). Tudo o que fazemos e observamos, em nossa vida individual, eclesial, congregacional…, em nosso tempo livre ou no trabalho, está interligado, marcado e dirigido pelas leis dos sistemas: o pensamento sistêmico é um metaconhecimento necessário, uma plataforma interdisciplinar indispensável na qual nenhuma dimensão é excluída.
Certamente já ouvimos falar do ‘efeito borboleta’, o princípio segundo o qual o bater das asas de uma borboleta no Brasil pode desencadear um tornado no Texas. Talvez valha a pena mencioná-lo neste momento. Goste-se ou não, cada um de nós vive dentro de algum sistema (e certamente todos compartilhamos pelo menos um, não é mesmo?).
Além disso, é igualmente verdade que nosso sistema, nosso ambiente, nosso espaço e tempo vitais são cada vez mais complexos, interconectados e difíceis de desvendar; adicionemos a isso a sobrespecialização do conhecimento e o enfoque sintomático dos problemas, uma combinação que certamente não melhora as coisas... Estamos realmente conscientes das decisões micro e macro tomadas e de sua transcendência, nos últimos anos em nossas instituições eclesiais — diocesanas, congregacionais, etc.? Há até quem no âmbito do governo diga: ‘não importa esta decisão, este endividamento... apenas empurre com a barriga’.
Os governos eclesiais, diocesanos, congregacionais, etc., dispõem hoje de uma quantidade cada vez maior de informações, mas distinguir qual delas é realmente útil é um desafio difícil; ser pragmático e previdente é uma ambição louvável, mas como consegui-lo é outra questão totalmente diferente.
O pensamento sistêmico nos fornece regras e modelos que nos permitem compreender do que um sistema é composto e como funcionam os vínculos entre os eventos que o animam: isso é especialmente importante porque quanto mais complexo é um sistema, mais provável é que se desencadeie um ‘efeito borboleta’ e que esse efeito seja particularmente significativo.
Estou quase terminando. Um pensamento sistêmico eclesial — diocesano, congregacional… — significa mudar alguns (ou muitos?) hábitos de pensamento e adotar vários comportamentos novos. Não quero citar exemplos. Peço desculpas. Mas tenho muitos e variados exemplos em mente depois de quase 18 anos de governo na minha congregação. Certamente, um pensamento sistêmico:
1. deve determinar quais são os limites do nosso sistema atual,
2. deve descobrir quais conexões existem com outros pontos do sistema e como esses pontos atuam,
3. deve identificar o ponto de alavancagem e impulso.
A extraordinária vantagem do pensamento sistêmico em relação ao pensamento analítico é que, enquanto este último foca sua atenção e esforços no problema e no pensamento ‘aqui e agora’, o pensamento sistêmico identifica um ponto, mesmo que seja um ponto remoto do sistema, a partir do qual realizar uma intervenção para que o próprio sistema a amplifique na medida necessária.
Porque, quando analisamos um problema, geralmente buscamos como resolvê-lo, enquanto que, ao analisarmos um sistema, devemos buscar o que está impedindo que ele funcione corretamente, o melhor equilíbrio alternativo; uma vez eliminado o entrave, o mecanismo funciona.
As decisões e atividades eclesiais são sistemas, mas muitas vezes nos concentramos em instantâneos de partes do sistema: depois nos perguntamos por que nunca resolvemos nossos desafios, problemas, etc.
Desde a escola, somos ensinados a ‘analisar’ o complexo, ou seja, a decompor em suas partes distintas, porque o todo é muito ‘difícil’. Ao fazer isso, podemos acabar perdendo não apenas a visão geral, mas também o sentido, o significado e o alcance desse mesmo elemento em seu contexto: observamos como se fosse uma entidade separada. Mas, infelizmente, não é assim: seria como tentar curar um coração doente sem verificar se o organismo que ainda terá que abrigá-lo está saudável.
Abordar a complexidade apenas com o recurso da análise do ver, julgar e agir… corre o risco de aumentar o grau de confusão e frustração. De fato, os sistemas eclesiais são dinâmicos, precisamente porque são compostos por pessoas (indivíduos, grupos…), e não respondem às ‘regras da lógica’ nem seguem equações ou funções matemáticas: a lógica tradicional é inadequada para tratá-los porque utiliza sequências causa-efeito em vez de considerar as múltiplas combinações de fatores que, influenciando-se mutuamente, dão vida e mantêm o sistema eclesial.
‘Como se geram os problemas em nossas vidas e como podemos resolvê-los? A solução certa é fazer mais do mesmo?’” (Paul Watzlawick)
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Sobre o governo e a gestão em nossa Igreja. A extraordinária vantagem de um pensamento sistêmico para abordar a mudança. Artigo de Joseba Kamiruaga Mieza - Instituto Humanitas Unisinos - IHU