17 Fevereiro 2024
A historiadora Paola Caridi: “Até agora Israel não reconheceu realmente a possibilidade de um Estado da Palestina”.
A entrevista é de Luca Geronico, publicada por Avvenire, 15-02-24. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Quando se vê uma mãe desesperada porque, saindo em busca de pão, encontra seus filhos mortos por um bombardeio; quando você vê uma mãe angustiada porque sua filha está entre os reféns, eu me pergunto o que eu faria se fosse essa mãe”. Depois de meia hora de análise política Paola Caridi – autora de Hamas. Dalla resistenza al regime [Hamas. Da resistência ao regime], que a Feltrinelli publicou em sua segunda edição há poucas semanas – responde talvez à pergunta mais difícil. “Isso significa, também neste conflito, reconhecer o outro”. A trégua entre Israel e o Hamas, que terminou na semana passada, parece agora uma miragem menos distante.
Paola Caridi, é realista pensar numa negociação política, mesmo que mediada, com o Hamas?
Há declarações bombásticas de Israel: “Nunca com o Hamas, devemos destruí-los”. Israel afirmou isso de 2006 a 2007, reconhecendo como possível interlocutor apenas o presidente da ANP, Abu Mazen. Contudo, Israel e o Hamas mantiveram negociações indiretas ao longo dos últimos vinte anos: marcante foi aquela da libertação do soldado israelense Gilad Shalit. Negociação que seria necessária porque a ANP nem sequer consegue governar a Cisjordânia, e isso bem antes 7 de outubro de 2023. O começo de uma negociação agora poderia depender em grande parte do que conseguirá fazer a comunidade internacional. E até agora pouco fez, especialmente em relação a Israel durante os 4 meses de bombardeio em Gaza. Quanto ao Hamas, existem várias componentes: parece que se reagruparam, mas ainda não sabemos como. Depois de um primeiro momento de confusão e silêncio constrangedor após o ataque de 7 de outubro, a liderança no exterior em Doha, mas também no Líbano, porque na Cisjordânia quase todos estão na prisão, ficou incerta.
O Hamas reagrupou-se após três meses e meio de silêncio com o documento “A nossa narrativa” sobre o massacre de 7 de outubro, em que foram reconhecidos "erros". Mas o que conta, acima de tudo, é o timing: foram necessários três meses para chegar a um documento comum. A questão, agora, é qual a real liderança interna.
Então, dois extremismos opostos confrontando-se, sem possibilidade de iniciar um diálogo?
É errado, no Oriente Médio, ver tudo preto ou branco. Existem extremismos opostos, mas isso é uma questão da força no campo e de políticas. Israel é uma potência ocupante, nunca mostrou querer realmente reconhecer o Estado da Palestina. Além disso, Israel continuou a construir colônias provocando uma erosão do território palestino, mas também - refiro-me à Cisjordânia e Jerusalém Oriental – deixando entender sua intenção de expulsar a população palestina. No outro lado, o Hamas afirma, na sua carta de fundação de 1988, que quer a destruição do Estado de Israel. Mas, nos fatos, em 2017, reconheceu as fronteiras de 1967 num documento aprovado, ainda que de forma ambígua e opaca, por todo o movimento. Em 2006, o Hamas participa nas eleições da ANP, entidade territorial resultante do processo de Oslo. Decisão que representa um reconhecimento factual.
Portanto, o Hamas fez alguns movimentos, participando de eleições de uma instituição que, ao contrário, antes não admitia. Opostos extremismos, mas também determinados pelo pessoal político. Olmert abriu para as eleições na ANP, agora se confrontam Netanyahu e Sinwar.
Na Irlanda, por exemplo, passou-se do terrorismo do IRA para a ação política do Sinn Féin.
Um esquema que fracassou na Palestina?
Não fracassou pela OLP que, de movimento terrorista, depois reconheceu Israel e construiu algumas instituições. Um esquema que também pode ser válido na Palestina, portanto. O problema é que no fundo desta história há uma falta de reconhecimento do outro. Os palestinos, não o Hamas, afinal reconheceram Israel: é a potência ocupante. Mas o Estado de Israel reconhece a possibilidade de um Estado da Palestina? No fundo de tudo isso está a desumanização, a incapacidade de reconhecer o outro. Há uma data, 1948: não se pode pensar que se trata apenas da expulsão dos palestinos, para os judeus é a fundação de Israel. E para uma parte dos israelenses aquela fundação não devia absolutamente incluir os palestinos. O que dizem alguns ministros do governo de Benjamin Netanyahu sobre Gaza é que, essencialmente, querem concluir a obra iniciada em 1948.
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“No fundo deste terrível conflito tem a desumanização do outro”. Entrevista com Paola Caridi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU