Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose e da Casa della Madia, sobre o Evangelho deste 33º Domingo do Tempo Comum, 19 de novembro, 7º Dia Mundial dos Pobres (Mt 25,14-30). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A parábola dos talentos proposta pela liturgia deste domingo é uma parábola que, de acordo com a minha pobre opinião, é perigosa hoje: perigosa porque, várias vezes, eu a ouvi sendo comentada de um modo que, em vez de estimular os cristãos à conversão, parece confirmá-los em seu comportamento atual entre os outros homens e mulheres, no mundo e na Igreja. Portanto, talvez seria melhor não ler esse texto, em vez de lê-lo mal...
Na verdade, essa parábola não é uma exaltação, um aplauso à eficiência, não é uma apologia de quem sabe gerar lucrar, não é um hino à meritocracia, mas é uma verdadeira contestação em relação ao cristão que muitas vezes é morno, sem iniciativa, contente com o que faz e realiza, medroso diante da mudança exigida por novos desafios ou pela mudança das condições culturais da sociedade.
A parábola também não confirma o “ativismo pastoral” do qual são presas muitas comunidades cristãs, muitos “agentes de pastoral” que não sabem ler a esterilidade de todo o seu esforço, mas pede da comunidade cristã consciência, responsabilidade, laboriosidade, audácia e, acima de tudo, criatividade. Não é a quantidade do fazer, das obras, nem o fato de ganhar prosélitos que tornam cristã uma comunidade, mas sim sua obediência à palavra do Senhor que a impulsiona rumo a novas fronteiras, rumo a novas lidas, a estradas não percorridas, ao longo das quais a bússola que orienta o caminho é apenas o Evangelho, unido ao grito dos homens e das mulheres de hoje, quando balbuciam: “Queremos ver Jesus!” (Jo 12,21).
Leiamos, então, com inteligência essa parábola, cuja perspectiva – repito – não é econômica nem financeira; não é um convite ao ativismo, mas à vigilância que permanece em expectativa, não contente com o presente, mas totalmente voltada para a vinda do Senhor. Ele não está mais entre nós, na terra, como que partiu para uma viagem e confiou a seus servos, a seus discípulos uma tarefa: multiplicar os dons que ele deu a cada um.
Na parábola, o Senhor deixou muito a dois servos, uma soma conspícua – cinco lingotes de prata para um, dois para outro – para que a façam frutificar; a um terceiro servo deixou apenas um lingote, o que, no entanto, não é pouco. Sobre todos, ele depositou sua confiança sem limites, confiando-lhes seus bens. Portanto, cabe aos servos não trair a grande confiança do patrão e realizar uma sábia gestão dos bens, não de sua propriedade, mas do patrão, que, em seu retorno, lhes dará a recompensa. A cada um o patrão dá em função de sua capacidade, e seu dom é também uma tarefa: conservar e fazer frutificar.
Para além da imagem dos talentos, o que é esse dom, em última instância? De acordo com Irineu de Lyon, é a vida concedida por Deus a cada pessoa. A vida é um dom que absolutamente não deve ser desperdiçado, ignorado ou dissipado. Infelizmente – devemos constatar isto –, para alguns, a vida não tem nenhum valor: não a vivem, ao contrário, desperdiçam-na e a consomem, “até fazer dela uma estranha repugnante” (Konstantinos Kavafis), e assim se deixam viver. Porém, vive-se apenas uma vez, e fazer isso com consciência e responsabilidade é decisivo a fim de salvar uma vida ou de perdê-la!
De acordo com outros Padres orientais, os talentos são as palavras do Senhor confiadas aos discípulos para que as conservem, certamente, mas, sobretudo, para que as tornem frutuosas na vida deles, ponham-nas em prática até semeá-las copiosamente na terra que é o mundo. De novo, é questão de vida, de “escolher a vida” (cf. Dt 30,19).
“Depois de muito tempo” – alusão ao atraso da parusia, da vinda gloriosa do Senhor (cf Mt 24,48; 25,5) – o patrão retorna e pede contas da confiança que ele depositou em seus servos, que devem mostrar sua capacidade de serem responsáveis, isto é, capazes de responder à confiança recebida. Eis, portanto, que todos eles se apresentam diante dele.
Aquele que recebera cinco talentos mostrou-se operoso, empreendedor, capaz de arriscar, empenhou-se para que os dons recebidos não fossem diminuídos, desperdiçados ou inutilizados; por isso, no ato de entregar ao patrão dez talentos, recebe dele o elogio: “Muito bem, servo bom e fiel! (...) Vem participar da minha alegria!”
O mesmo ocorre com o segundo servo, ele também capaz de duplicar os talentos recebidos. Para esses dois servos, a recompensa é proporcionalmente igual, embora as somas confiadas fossem diferentes, porque ambos agiram de acordo com suas capacidades.
Por fim, vem aquele que recebera apenas um único talento, que imediatamente sai na defensiva, manifestando o pensamento que o paralisou: “Desde que tu me deste o talento, eu sabia que és um homem duro, exigente, arbitrário, que faz o que quer, colhendo onde não plantaste”. Com estas palavras (“eu julgo você pela sua própria boca”, lê-se no texto paralelo de Lc 19,22), o servo confessa ter fabricado para si uma imagem distorcida do Senhor, uma imagem moldada pelo seu medo e pela sua incapacidade de ter confiança no outro: considera o patrão como alguém que lhe dá medo, que pede uma escrupulosa observância daquilo que ordena, que age de modo arbitrário.
Tendo essa imagem em si, optou por não correr riscos: assegurou, debaixo da terra, o dinheiro recebido e agora o restitui tal e qual. Assim, devolve ao patrão aquilo que não é seu e não rouba, não comete pecado...
Mas eis que o Senhor se enraivece e lhe responde: “Tu és um servo mau (ponerós) e preguiçoso (oknerós). Mau porque obedeceste à imagem perversa do Senhor que fizeste para ti e, assim, viveste uma relação de amor servil, de amor ‘forçado’. Por isso, foste preguiçoso, não confiável, não tiveste nem o coração nem a capacidade de agir de acordo com a confiança que eu te concedera. Não fizeste sequer o esforço de colocar o talento no banco, onde teria sido frutuoso, dando-me lucros. Não cuidaste do meu bem confiado a ti”.
Sim, nós o sabemos: é mais fácil enterrar os dons que Deus nos deu do que compartilhá-los; é mais fácil conservar as posições, os tesouros do passado do que ir descobrir novos; é mais fácil desconfiar do outro que nos fez bem do que responder conscientemente, na liberdade e por amor.
Eis, portanto, o louvor para quem arrisca e a reprovação para quem se contenta com o que tem, fechando-se em seu “eu mínimo”. Esse servo não fez o mal; pior ainda, não fez nada! Então, diante de Deus, no dia do juízo, comparecerão dois tipos de pessoas:
quem recebeu e fez frutificar o dom;
quem o recebeu e não fez nada.
Os servos fiéis entrarão na alegria do Senhor; quem, ao contrário, foi “bom em nada” (achreîos) será despojado até mesmo dos méritos dos quais pensava poder se orgulhar!
Mas eu gostaria que a parábola se concluísse de outro modo: assim, ficaria mais claro o coração do patrão, enquanto o coração do discípulo seria aquilo que o patrão deseja. Ouso, portanto, propor esta conclusão “apócrifa”:
Chegou o terceiro servo, a quem o patrão confiara um único talento, e lhe disse: “Senhor, eu ganhei apenas um talento, duplicando o que me entregaste, mas, durante a viagem, perdi todo o dinheiro. Sei, porém, que tu és bom e compreendes a minha desgraça. Não te trago nada, mas sei que és misericordioso”. E o patrão, a quem, mais do que o dinheiro, importava que aquele servo tivesse uma imagem verdadeira dele, lhe disse: “Bem, servo bom e fiel, embora não tenhas nada, entra tu também na alegria do teu patrão, porque tiveste confiança em mim”.
Assim, a parábola também seria uma boa notícia!