Uma pessoa nos salva, não uma doutrina. Entrevista com Víctor Manuel Fernández

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10 Julho 2023

Uma teologia que cresce e se aprofunda “no diálogo entre os teólogos e na conversa com as ciências e a sociedade”. Mas sempre a serviço da evangelização. O arcebispo de La Plata, dom Víctor Manuel Fernández, considera que esta é a tarefa que Francisco lhe confiou, como resulta da carta que o Bispo de Roma quis lhe enviar ao mesmo tempo que a sua nomeação como prefeito do Dicastério para a Doutrina da a fé. Víctor Fernández é um colaborador próximo do Papa Bergoglio desde que era arcebispo de Buenos Aires. Nesta conversa com a imprensa vaticana, o novo prefeito, que assumirá o cargo em setembro, explica o que significa anunciar o Evangelho e manter a fé hoje.

A entrevista é de Andrea Tornielli, publicada por L’Osservatore Romano, 08-07-2023. 

Eis a entrevista. 

Excelência, por que o Papa acompanhou sua nomeação com uma carta e o que isso significa?

Sem dúvida, há um significado importante nisso. Porque o Papa me anunciou que, junto com o decreto de nomeação, queria enviar uma carta para "esclarecer" o sentido da minha missão. A carta oferece pelo menos seis pontos fortes que convidam à reflexão, mas interpreto que com este texto ele de alguma forma antecipou a aplicação da Constituição Apostólica Praedicate Evangelium. Porque exige uma teologia que amadureça, que cresça, que se aprofunde no diálogo entre os teólogos e no diálogo com as ciências e a sociedade. Mas tudo isso a serviço da evangelização. A colocação deste Dicastério depois da Evangelização já havia transmitido esta mensagem, mas a carta de Francisco a torna mais explícita. O fato de ele ter escolhido um teólogo que também era pároco como prefeito confirma isso de outra maneira.

O que significa hoje "guardar" a fé?

Francisco indica que a expressão "guarda" é rica de significado. Certamente não exclui a vigilância, mas expressa que a Doutrina da Fé é salvaguardada sobretudo crescendo na sua compreensão. Mesmo uma situação em que se depara com uma possível heresia deve levar a um novo desenvolvimento teológico que amadureça nossa compreensão da doutrina, e esta é a melhor maneira de guardar a fé. Se o jansenismo, por exemplo, pôde persistir por tanto tempo, foi porque houve apenas condenações, mas nenhuma resposta a certas intenções legítimas que poderiam se esconder atrás de erros e nenhum desenvolvimento teológico adequado ao longo do tempo.

Como é anunciado o Evangelho, como é transmitida a fé nos contextos cada vez mais secularizados das nossas sociedades?

Procurando sempre mostrar melhor toda a sua beleza e atratividade, sem a desfigurar por contagiá-la com critérios mundanos, mas encontrando sempre um ponto de contato que a permita ser verdadeiramente significativa, eloquente, preciosa para quem a ouve. Sem diálogo com a cultura, corremos o risco de que nossa mensagem, por mais bela que seja, se torne irrelevante. Por isso agradeço o tempo passado como membro do Pontifício Conselho para a Cultura, onde aprendi muito ao lado do Cardeal Ravasi.

Que significado e atualidade têm as palavras que Bento XVI colocou no prólogo da encíclica Deus caritas est: "No início do ser cristão não há uma decisão ética, ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo"?

É apropriado lembrar essas palavras hoje. Nenhuma doutrina religiosa jamais mudou o mundo sem que tenha acontecido um evento de fé, um encontro que reorienta a vida. E isso não é válido apenas para o cristianismo, mas pode ser visto na história das religiões. Por exemplo, na crise do hinduísmo e sua posterior renovação com hinos a Krishna e em muitas outras ocasiões. Sem a experiência do Cristo vivo que ama e salva não podemos moldar o nosso "ser cristão", e concentrar-se em argumentar e discutir com todos não ajudará a provocar este desenvolvimento nas pessoas. Esta frase de Bento XVI nos convida a desenvolver uma teologia sólida e bem fundamentada, mas claramente orientada a serviço deste evento.

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