Instituto Humanitas Unisinos - IHU promove Ciclo de Estudos virtual para refletir sobre a Opção Francisco como resposta à atual crise do cristianismo
"Em muitas regiões do mundo de hoje, assistimos a uma profunda crise da experiência cristã, pelo menos nas formas como a conhecemos. O cristianismo perdeu a sua vitalidade, o seu vigor, o seu poder de atração e, cada vez mais progressiva e transversalmente, na vida dos povos do nosso tempo a experiência da fé está em minoria, posição marginal ou mesmo ausente. (...) Parece que Deus simplesmente foi 'liquidado' e marginalizado na vida e na sociedade, enquanto a inquietação religiosa e o interesse pela questão de Deus estão morrendo". Este foi o ponto de partida da conferência virtual ministrada pelo teólogo Francesco Cosentino, da Pontifícia Università Gregoriana, Roma, na abertura do "Ciclo de Estudos Opção Francisco. A Igreja e a mudança epocal", promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Os fatores da crise, analisada a partir de uma perspectiva interdisciplinar, são inúmeros: religioso, social, econômico, político, cultural. Mas, "mais importante do que a crise (...) é a questão com que a enfrentamos", advertiu Cosentino. "Como estamos enfrentando a crise? Como está a nossa fé diante da crise? Qual é a mensagem que a crise traz consigo? Que lição aprender para nosso relacionamento com Deus, nosso jeito e estilo de ser Igreja, nossa espiritualidade?" Essas questões, pontuou, fazem parte não só da resolução do problema, mas são diretrizes para dar continuidade à missão a Igreja, qual seja, anunciar o Evangelho. Para que isso seja feito, enfatiza, "hoje precisamos de uma Igreja que incorpore o estilo da hospitalidade, que promova a arte do encontro e das relações humanas, que torne acessíveis as linguagens da fé, criativa e ousada no anúncio da alegria do Evangelho".
Ele frisou a importância de a Igreja ser reconduzida à Palavra de Deus e ao Evangelho. "Precisamos nos deixar-nos desafiar por ele para que nós possamos nos converter. Isso significa algo simples, que parece óbvio, mas não é. Ou seja, antes de evangelizar, todos os dias, na nossa oração e na meditação da Palavra de Deus, precisamos evangelizar a nós mesmos, nos deixarmos evangelizar e mudar pelo Senhor e, dessa forma, superar, primeiramente, em nós, o mundanismo espiritual".
O evento virtual, que começou na última quarta-feira, 10-05-2023, com palestras nacionais e internacionais, visa refletir sobre o seguinte pressuposto: "Está em curso uma grande crise do cristianismo e da Igreja, a qual se desdobra sob o impulso de diversos fenômenos e acontecimentos que caracterizam as transformações do mundo contemporâneo". A “Opção Francisco”, enquanto resposta à crise da Igreja e do cristianismo frente aos impactos da transição epocal que caracteriza o mundo atual, é o foco das reflexões.
Na "Exortação Apostólica Evangelho Gaudium. Sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual" (2013), que marca as diretrizes do pontificado, a "Opção Francisco" é delineada na crítica do pontífice aos dois traços que caracterizam o mundanismo espiritual que acomete a Igreja hoje: o gnosticismo e o pelagianismo autorreferencial. Enquanto o primeiro reduz o Evangelho a uma "fé fechada no subjetivismo" e em um arrazoado de raciocínios, o segundo manifesta-se em atitudes que têm "a pretensão de 'dominar o espaço da Igreja'", seja com uma "suposta segurança doutrinal ou disciplinar que dá lugar a um elitismo narcisista e autoritário", seja por "ser irredutivelmente fiel a um certo estilo católico próprio do passado". Nos dois casos, reitera o pontífice, "em vez de evangelizar, se analisam e classificam os demais".
A Opção Francisco, manifesta na insistência do pontífice para que a Igreja seja missionária, se coloque em saída, seja pobre e esteja junto com os pobres, não é uma unanimidade no interior da própria Igreja. Contudo, as críticas dirigidas ao Papa "têm origem na incompreensão do Vaticano II, e, mais ainda, da significação dos papas que, como Francisco, supervisionaram a sua implementação", pontua Michael Sean Winters, colunista do National Catholic Reporter. "Creio que a oposição a Francisco tenha origem em um entendimento falho da era pós-conciliar e, mais especificamente, em não compreender onde estamos no processo de recepção do Concílio", resumiu no primeiro de três artigos publicados em 2016 sobre o tema. Na avaliação de Winters, "o problema não é ele", o Papa Francisco; "é o Vaticano II, e este não foi um problema, não é um problema: foi um concílio. Com caridade, devemos tratar de recepcionar este concílio, não fazê-lo objeto de discussão novamente, e é isso o que alguns opositores na verdade querem", reitera.
Na manhã de hoje, 18-05-2023, a crise do cristianismo e da Igreja no contexto nacional será examinada à luz da conjuntura sociopolítica, que notavelmente aprofundou as fraturas que já existiam na Igreja brasileira. A reflexão será conduzida pelo Prof. Dr. Pedro A. Ribeiro de Oliveira, coordenador nacional do Movimento Fé e Política, e debatida, posteriormente, pelo Prof. Dr. Eduardo Hoornaert, da Comissão de Estudos da História da Igreja na América Latina – CEHILA, e pelo Prof. Dr. Paulo Suess, do Conselho Indigenista Missionário – CIMI. O evento será transmitido na página eletrônica do IHU, no Canal IHU Comunica, no YouTube e nas redes sociais, das 17h às 19h.
Segundo o sociólogo Pedro A. Ribeiro de Oliveira, um dos riscos da Igreja brasileira, animada e dividida por questões político-partidárias e por interpretações particularistas do que significa ser Igreja, é se transformar em "seitas tradicionalistas". "No quadro de perda de importância da Igreja na sociedade, muitos clérigos aderem ao ideário neofascista e assumem uma postura reacionária tanto nas questões da sociedade quanto da religião. Embora essa adesão seja mais visível entre os padres e mais discreta entre os bispos, aí reside o risco de ruptura da comunidade católica: quando um lado não reconhece o outro como legitimamente católico", disse em artigo publicado em novembro do ano passado, pós-eleições presidenciais.
Na próxima quinta-feira, 25-05-2023, a conferência "Fiéis 'não praticantes'. Uma análise sociológica e teológico-pastoral" será ministrada pela Profa. Dra. Valérie Le Chevalier, do Centre Sèvres, França. O evento será transmitido às 10h. Em entrevista ao portal Settimana News, a teóloga relembrou que "a crise sempre esteve presente no cristianismo" e, independentemente dos rumos que a Igreja venha a tomar no futuro, "o catolicismo deve continuar a existir e a ser visível e acolhedor".
"A 'Opção Francisco' e a Igreja que virá" é o tema de reflexão da conferência do Prof. Dr. Armando Matteo, da Pontifícia Università Urbaniana, Itália, em 15-06-2023, às 10h. Na série de artigos sobre o tema, publicados originalmente na Revista Vita Pastorale e reproduzidos no sítio do IHU, o professor de Teologia Fundamental e subsecretário adjunto da Congregação para Doutrina da Fé insiste que o ponto central da discussão neste momento não é nem a Igreja de hoje nem a do passado, mas a Igreja que virá. "Ou seja, a Igreja que queremos deixar em legado às gerações que agora estão vindo ao mundo. Tal Igreja depende agora da implementação daquela 'mudança de mentalidade pastoral' de que Francisco fala a toda hora: é a mudança que visa transformar a presença dos crentes neste tempo e nestas terras de bem-estar, para que cada seu gesto possa ser uma oportunidade para levar todos a Jesus e Jesus a todos".
Em 13-07-2023, o Prof. Dr. Andrea Grillo, do Pontifício Ateneu Sant'Anselmo, Itália, analisará a Opção Francisco à luz dos dois últimos pontificados, na conferência intitulada "Do 'dispositivo Ratzinger' à 'Opção Francisco': rupturas e continuidades na Igreja do século XXI", às 10h. De acordo com ele, "cada época recebe a tradição anterior e a relança para além de si mesma: esse ato de recebimento e transmissão nunca é um ato mecânico, mas implica uma certa criatividade, ao mesmo tempo uma continuidade e uma descontinuidade". Nesse contexto, menciona, Francisco é "um 'filho do Concílio': seu imaginário eclesial, teológico, espiritual, a pastoral vem diretamente dos textos conciliares. Pode-se ver isso na forma como ele celebra todas as manhãs em Santa Marta".
Programação do Ciclo de Estudos para o primeiro semestre (Arte: Bruna Chaves | IHU)
Entre setembro e dezembro, o IHU promoverá a segunda edição do "Ciclo de Estudos Opção Francisco. A Igreja e a mudança epocal". Até o momento estão confirmadas as participações da Profa. Dra. Phyllis Zagano, da Hofstra University, EUA, e do Prof. Dr. Massimo Faggioli, da Villanova University, EUA.
Phyllis Zagano abordará o tema da sinodalidade como uma das propostas de Francisco, na palestra intitulada "A 'Opção Francisco' e o caminho da sinodalidade". O evento será realizado em 03-08-2023, às 10h. "A Opção Francisco e a reforma da Igreja. Desafios e perspectivas" será o tema da conferência de Faggioli, em 10-08-2023, às 10h. A programação completa será divulgada em breve na página eletrônica do Instituto.
O "Ciclo de Estudos Opção Francisco. A Igreja e a mudança epocal" insere-se na proposta e chamado do IHU "a, audaz e humildemente, começar a decifrar os traços nos sinais ainda incertos que anunciam um novo tempo", contribuindo para responder às questões da nossa era, como, a seguinte: "Que traços irão compor a figura do Transcendente aos olhos do homem que terá percorrido o caminho do individualismo moderno e da anomia pós-moderna?" O Ciclo de Estudos visa igualmente "cooperar na discussão da transdisciplinaridade, por meio da articulação dinâmica de especialistas, que auxiliem a olhar com realismo e rigor a sociedade na qual vivemos, assumindo com responsabilidade a realidade que nos rodeia e comprometendo-se em transformá-la de menos humana em mais humana".