Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 4º Domingo da Páscoa, 30 de abril de 2023 (João 10,1-10). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ao ler os Evangelhos, já evidenciamos várias vezes que Jesus era um homem que sabia ver, observar as coisas, as ações e os eventos cotidianos, e pensava sobre eles, para tirar consolação e lições a partir da realidade. Acima de tudo, as parábolas são para nós um testemunho do modo de ver e de pensar de Jesus, de sua capacidade de aplicar o cotidiano também ao anúncio da boa notícia. Jesus não entregava verdades pré-prontas, fórmulas doutrinais, mas às vezes entregava palavras de sabedoria, às vezes levantava o véu sobre muitos enigmas humanos e mundanos: tudo isso para nos fazer conhecer a Deus seu Pai, seu Deus, o Deus autêntico, e nos fazer conhecer a si mesmo.
No Evangelho de hoje, Jesus está falando aos fariseus, que lhe contestavam a cura, em dia de sábado, de um cego de nascença (cf. Jo 9,1-41). Eles se sentem guias e pastores do povo de Deus, porque interpretam sua palavra e sabem ensiná-la, dando também o exemplo externo de vida conduzida na observância da Lei. Eles estão habilitados para esse ministério? Eles realmente têm a autoridade (exousía) para serem pastores do rebanho?
Com muita convicção – expressada também pelo “Amém, amém” inicial – Jesus lhes faz uma observação: onde há um redil, há uma porta pela qual o pastor entra e sai, e suas ovelhas vão atrás dele. Ele vigia essa porta, vigia para proteger o rebanho. Mas às vezes alguém pula a cerca justamente para levar as ovelhas embora: é o ladrão, o bandido que quer arrebatar as ovelhas de seu pastor para fins de lucro, para aumentar o próprio rebanho. Eis a diferença entre um pastor verdadeiro e um ladrão, entre quem quer o bem das ovelhas e quem quer simplesmente se servir delas.
Eis, então, nas palavras de Jesus o retrato do pastor verdadeiro e bom: ele entra e sai pela porta, é reconhecido pelo guardião que lhe abre a porta; as ovelhas reconhecem sua voz, porque o pastor as conhece, chama cada uma pelo nome e sabe conduzi-las a pastos verdejantes (cf. Sl 23,2), precedendo-as para as proteger dos perigos e dos ataques dos lobos.
Existe um vínculo recíproco entre as ovelhas e o pastor, devido à ação deste: ele as chama, e elas se sentem reconhecidas; guia-as, e elas se sentem protegidas; precede-as, e elas se sentem orientadas. A relação da ovelha com o pastor é uma questão de vida, e, por isso, instaura-se entre eles um vínculo de pertença e de reconhecimento. Um estranho que entra no redil, por sua vez, assustará as ovelhas que não o conhecem, que fugirão até se dispersarem, como sempre ocorre quando falta o pastor.
O discernimento entre pastor legítimo e pastor usurpador e ladrão nem sempre é fácil na vida da Igreja. As palavras de Jesus são uma severa advertência, mas, na realidade, quantos são os pastores estranhos ou até mesmo mercenários? Estranhos porque não vivem “no meio do povo de Deus”, não são conhecidos em sua vida privada e estão longe do rebanho que não os reconhece senão como funcionários: administradores, gerentes, inspetores, mas não pastores... Infelizmente, essa é uma patologia mais difundida do que os fiéis possam perceber e tomar conhecimento.
Mas Jesus acrescenta outra observação. Com um renovado e duplo “amém”, ele declara que não só é o bom pastor, o pastor autêntico do povo de Deus, mas, olhando para o passado, ele também se compreende como a porta do redil. Jesus é a porta para os pastores que o precederam nesse serviço: se não passaram por ele, eram ladrões e assassinos, eram os maus pastores nomeados sobretudo por Jeremias (cf. Jr 23,1-6) e Ezequiel (cf. Ez 34,31); pastores aos quais as ovelhas, também graças à admoestação dos profetas, não escutaram. É preciso, portanto, ser instituído pastor por meio de ele, que os legitima a entrar e a sair do redil, a guiar as ovelhas para pastagens abundantes.
Jesus fala de bandidos (lestaí), de assassinos que não querem a vida em abundância das ovelhas, mas querem simplesmente possuí-las e se servir delas, enquanto fala de si mesmo como um pastor que veio para que os homens “tenham vida em abundância”, na liberdade e na justiça.
Mas, precisamente no Evangelho segundo João, durante a paixão de Jesus, as multidões, confrontadas com a escolha entre Barrabás, um bandido (lestés: Jo 18,40), e Jesus, o pastor bom, escolhera o bandido, com o peso do fato de serem maioria. Seria necessário nos perguntarmos qual pastor nós temos, na verdade, e como fazemos discernimento sobre os nossos pastores.