31 Janeiro 2023
“Parece mais sensato propor à América Latina um olhar de a-crescimento, no qual o objetivo do crescimento econômico seja deslocado de sua centralidade, e indicadores como o PIB sejam complementados com outros. Uma economia em que haverá setores que necessariamente devem crescer, como a saúde, a educação ou a habitação, e outros que podem permanecer iguais, mas também haverá aqueles que devem diminuir porque expressam opulência e impactos socioambientais intoleráveis”, escreve Eduardo Gudynas, pesquisador do Centro Latino-Americano de Ecologia Social - CLAES, em artigo publicado por Brecha, 27-01-2023. A tradução é do Cepat.
Nos últimos anos, nos países mais ricos, multiplicam-se os questionamentos sobre a obsessão pelo crescimento econômico como condição central para a compreensão do desenvolvimento. Uma obsessão que, quando concretizada, também tinha um lado obscuro em seus impactos sociais e ambientais. Entre as diferentes respostas alternativas, surgiu o chamado decrescimento, conforme resenhado no excelente artigo de Geoff Mann publicado no Brecha em 20 de janeiro (“Darle la vuelta a la ecuación”). Mas várias questões permanecem pendentes, especialmente desde uma perspectiva do Sul. A mais óbvia é se o decrescimento faz sentido para um país latino-americano ou se, em vez de resolver nossos problemas, não os agravaria.
Os defensores mais entusiastas do decrescimento encontram-se na Europa Ocidental, entre alguns acadêmicos e ativistas sociais. Por outro lado, em quase toda a América Latina, as abordagens têm sido muito mais limitadas e permaneceram distantes dos grandes movimentos sociais. A novidade mais recente é que essa inusitada palavra veio à tona na Colômbia, como resultado das intenções da nova ministra de Minas e Energia de limitar a exploração de petróleo. Encurralada pelas interpelações da imprensa, chegou a justificar a medida apelando à ideia do decrescimento.
Um equivalente uruguaio dessa posição seria como se o ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca dissesse que deseja limitar a expansão da soja ou da celulose e, ao clamor da mídia sobre uma catástrofe econômica, respondesse dizendo que a economia deve reduzir.
Na Colômbia, o debate se intensificou quando o novo presidente, Gustavo Petro, apoiou a ideia, indicando que “hoje a ciência sabe que o consumo de petróleo e carvão deve diminuir substancialmente, que o consumo de carne bovina, desde que seja sustentado por combustíveis fósseis, deve diminuir em escala global”, e concluiu dizendo que devemos nos acomodar ao “equilíbrio da vida no planeta” (1).
Os usos atuais do termo decrescimento têm origem na França, com economistas e ativistas políticos. O décroissance foi popularizado pelo economista Serge Latouche nos anos 2000, entendendo-o como um slogan ou palavra gatilho para atacar a obsessão pela ideia de desenvolvimento como crescimento perpétuo (2). Com o passar dos anos, tornou-se mais complexo, e agora, na academia, é definido como uma "crítica à economia do crescimento", que busca a "abolição do crescimento econômico como objetivo social", ao mesmo tempo em que incentiva alternativas baseadas na simplicidade, no convívio, no cuidado e no compartilhamento. Isso implicaria uma redução equitativa da produção e do consumo, de modo a reduzir os fluxos de energia e matérias-primas (3).
Não é de estranhar que, para a grande maioria dos que vivem nos países do Sul, um apelo a decrescer não faça muito sentido. Eles imediatamente imaginam contrações econômicas com consequências negativas para suas vidas. É um termo que se choca com ditados repetidos há décadas, que assumem que o emprego e o bem-estar derivam do crescimento da economia.
Por outro lado, para algumas pessoas e movimentos de países ricos, o decrescimento faz sentido, pois reduziria os impactos sociais e ambientais, aplacaria o consumismo e até mesmo a extração de recursos naturais. No entanto, essas conceituações de decrescimento não oferecem argumentos ou modelos precisos para o Sul, onde, para muitos, o problema é o subconsumo que traz a pobreza.
De qualquer forma, o questionamento ao crescimento, como adverte o artigo de Mann, contém verdades que não podem ser ignoradas. Em 2022, as economias da Argentina e do Uruguai, por exemplo, apresentaram bom crescimento econômico, mas esses indicadores macroeconômicos não se traduziram em melhorias nas condições de vida da maioria. A história latino-americana está repleta de casos semelhantes, em que o crescimento econômico beneficia alguns poucos, mas sempre se defende indicando que geraria derramamentos ou gotejamentos que atingiriam o restante da população.
Ao mesmo tempo, fica claro que o crescimento econômico perpétuo proposto pelos economistas é impossível. Pelo menos desde a década de 1960, houve alertas sobre os chamados limites do crescimento, tanto sociais quanto ambientais. Os mais evidentes estão no esgotamento dos recursos naturais (por exemplo, as reservas limitadas de minerais ou hidrocarbonetos) ou na incapacidade de lidar com impactos ambientais crescentes (manifestada, por exemplo, nas mudanças climáticas). As economias não podem crescer indefinidamente porque o planeta é finito.
No Uruguai, tais limites já estão diante dos nossos olhos. A agropecuária está limitada às terras disponíveis no país, razão pela qual o aumento da produção passa por uma maior intensidade, o que desencadeia múltiplas alterações sociais e econômicas, enquanto a pressão sobre o solo se multiplica e a água é contaminada. Apesar disso, políticos, empresários e quase toda a academia parecem minimizar ou ignorar esses limites.
Na Colômbia, por outro lado, alguns desses limites são mais prementes. Há quem avalie que suas reservas exploráveis de hidrocarbonetos têm apenas cinco anos, o que significaria que sua economia não pode mais crescer à custa das receitas do petróleo. Nessas condições, não surpreende que o novo governo use a palavra decrescimento para discutir o futuro da economia nacional.
Mas esses casos mostram que o decrescimento postulado para o Norte rico, como descreve o artigo de Mann, não pode ser transplantado para a América Latina. Impor uma redução geral das economias seria catastrófico. Mas ele consegue nos obrigar a questionar se o crescimento econômico deve ser a questão essencial que deve orientar e organizar uma economia. A resposta é “não”, por vários dos motivos que já foram referidos e outros que todos podemos acrescentar. Parece mais sensato propor para o Uruguai, e outros países da região, um olhar de a-crescimento, no qual o objetivo do crescimento econômico seja deslocado de sua centralidade, e indicadores como o PIB sejam complementados com outros. Uma economia em que haverá setores que necessariamente devem crescer, como a saúde, a educação ou a habitação, e outros que podem permanecer iguais, mas também haverá aqueles que devem diminuir porque expressam opulência e impactos socioambientais intoleráveis.
Não devemos cair nas modas, repetindo a moda do decrescimento porque se popularizou em Paris, Madri e Berlim, mas buscar nossas próprias soluções ajustadas às nossas urgências e necessidades.
1. Gustavo Petro no Twitter, 02-09-2022.
2. Ver, por exemplo, La apuesta por el decrecimiento, por S. Latouche, Icaria, Barcelona, 2008.
3. ‘Decrescimento’, por G. Kallis, F. Demaria e G. D’Alisa, em Decrescimento. Vocabulário para um novo mundo. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2016.
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Crescer ou não crescer, eis a questão? Artigo de Eduardo Gudynas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU