10 Dezembro 2022
"Sabemos o que fazer. Devemos parar de desmatar, saquear os mares, inundar terras com produtos químicos, produzir lixo. Mas para isso devemos parar de perseguir o mito do crescimento da produção e do consumo. A degradação da natureza é resultado de um nível insustentável de consumo da população rica, enquanto aos pobres não é permitido ter nem o mínimo para viver", escreve o ativista italiano Francesco Gesualdi, coordenador do Centro Nuovo Modello di Sviluppo, de Vecchiano (Pisa), na Itália, e um dos fundadores, junto com o Pe. Alex Zanotelli, da Rede Lilliput, em artigo publicado por Avvenire, 06-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Declínio da população de peixes marinhos, vertebrados silvestres, insetos, variedades de plantas e até animais domésticos. A perda da biodiversidade é uma emergência. Uma conferência internacional sobre biodiversidade está sendo realizada de 7 a 19 de dezembro em Montreal, Canadá.
Também chamada de Cop (conferência das partes), ocorre em decorrência da convenção sobre a biodiversidade assinada no longínquo 1992 no âmbito das Nações Unidas. Aquela realizada este ano é a décima quinta (Cop15) e se caracteriza por algumas particularidades: o momento e a finalidade. O momento porque procedeu por fases: primeiro em Kunming, na China, em outubro de 2021, depois em Montreal, em dezembro de 2022. A finalidade porque a sua tarefa é redigir o chamado Post-2020 Global Biodiversity Framework, ou seja, o novo Plano Estratégico para a biodiversidade, válido para a próxima década.
O anterior, válido de 2011 a 2020, havia sido elaborado durante a COP10 e estabelecia uma série de objetivos denominados “Objetivos de Aichi”, do nome da localidade japonesa em que foram assinados. Um relatório das Nações Unidas, com o emblemático título "Estabelecer a paz com a natureza", denuncia que nenhum dos objetivos de Aichi foi plenamente alcançado. Pelo contrário, lamenta-se que os ecossistemas estão se degradando em taxas cada vez mais preocupantes. A pesca excessiva, as mudanças climáticas, a acidificação e a poluição já comprometeram dois terços dos oceanos.
Um terço das populações de espécies marinhas é pescado de forma excessiva, enquanto os fertilizantes que chegam ao mar já acabaram com a vida em mais de 400 áreas totalizando 245.000 quilômetros quadrados, uma área do tamanho da Grã-Bretanha ou do Equador. Desde 1980, os resíduos plásticos duplicaram, chegando a representar 80% dos detritos presentes nos mares. Seus fragmentos são encontrados em todos os oceanos, em todas as profundidades, em todas as correntes, prejudicando os peixes por enredamento ou ingestão. Além disso, podem servir como vetores de outros poluentes e até mesmo como veículos de espécies infestantes que alteram ainda mais os ecossistemas marinhos.
Nos últimos 50 anos, a população de vertebrados silvestres caiu 68%, enquanto a de muitas famílias de insetos caiu pela metade. O número de variedades de plantas e animais domesticados também diminuiu muito. Por exemplo, nas últimas décadas, mais de 9% das variedades animais foram extintas, enquanto outras 17% correm o mesmo risco.
A conclusão é que um total de um milhão de espécies vivas, animais ou vegetais, estão em risco de extinção, de um total de oito milhões. Uma situação que também compromete o cumprimento de muitos objetivos de desenvolvimento sustentável estabelecidos pelas Nações Unidas. Certamente o número dois, quando se trata de segurança alimentar. A redução das variedades cultivadas, a diminuição de insetos polinizadores e a deterioração dos solos devido ao uso excessivo de fertilizantes químicos ameaçam os cultivos agrícolas expondo um número crescente de pessoas ao risco alimentar.
A redução da biodiversidade reduz a possibilidade dos produtores adaptarem as culturas e as criações animais às situações em mudança. Hoje se conhecem mais de 6.000 variedades de plantas cultiváveis, mas apenas 200 delas dominam a produção global de alimentos. Até nove produtos (cana-de-açúcar, milho, arroz, trigo, batata, soja, óleo de palma, beterraba, mandioca) respondem sozinhos por 66% de toda a produção agrícola mundial. Quanto à pecuária, as criações são centradas em cerca de quarenta espécies, mas apenas algumas delas fornecem a maior parte da carne, leite e ovos consumidos globalmente. As variedades locais, de fato, são cada vez mais raras: 26% delas são consideradas em risco de extinção.
A perda de biodiversidade também compromete o número três dos Objetivo de Desenvolvimento Sustentável, que preconiza a saúde para todos. A perda da biodiversidade reduz a possibilidade de obtenção de remédios da natureza. Estima-se que 4 bilhões de pessoas, metade da população mundial, se tratem com remédios naturais.
Além disso, 70% dos fármacos utilizadas no tratamento de tumores são de origem natural ou, quando sintéticos, têm como referência moléculas encontradas na natureza. Mais de 20% dos fármacos modernos baseiam-se em princípios terapêuticos extraídos de moléculas naturais identificadas por pesquisadores científicos ou transmitidas pelo conhecimento das populações locais. Entre eles estão a aspirina e as drogas anticancerígenas vincristina e taxol. Com a perda da biodiversidade, diminui a possibilidade de novas descobertas farmacológicas.
Para os amantes de termos monetários, a importância da biodiversidade é destacada pelo Fórum Econômico Mundial, segundo o qual a natureza contribui com mais da metade do produto bruto mundial, ou 44 trilhões de dólares. Para isso Tony Juniper, expoente do governo britânico para as questões ambientais, insiste: “A COP 15 representa nossa última fronteira para deter o declínio da natureza em nível planetário. Não se trata apenas de salvar espécies raras, mas de salvaguardar todo o tecido vital de que depende a humanidade: para a alimentação, para a água, para a saúde, para a regulação do clima. Portanto, enquanto se procuram maneiras para reduzir as emissões de dióxido de carbono, escolhas devem ser feitas para proteger as espécies vivas”.
Sabemos o que fazer. Devemos parar de desmatar, saquear os mares, inundar terras com produtos químicos, produzir lixo. Mas para isso devemos parar de perseguir o mito do crescimento da produção e do consumo. A degradação da natureza é resultado de um nível insustentável de consumo da população rica, enquanto aos pobres não é permitido ter nem o mínimo para viver. Portanto, é o nosso superconsumo que devemos questionar sabendo que devido a uma organização mercantil que exalta os bens comerciais desprezando os direitos, nos encontramos na situação absurda em que temos um excesso de coisas de que não precisamos, enquanto nos faltam serviços fundamentais.
Comemos excessivamente, talvez alimentos pouco saudáveis, nossas casas estão cheias de aparelhos eletrônicos, nossos guarda-roupas estão lotados de roupas fast-fashion que poluem muito e valem pouco, mas nem sempre desfrutamos de uma salubridade digna desse nome, não conseguimos garantir uma assistência adequada aos nossos idosos, temos dificuldades para garantir moradia, não conseguimos vaga na creche para os nossos pequenos.
Portanto, não se trata de fazer um corte geral em nossos consumos, mas de redirecioná-los. Devemos reduzir o consumo de bens materiais privados, que desperdiçam recursos e produzem resíduos, e aumentar o usufruto dos serviços públicos de saúde, que acrescentam felicidade sem sobrecarregar a natureza. A demonstração de que a questão ambiental não é tanto um problema de tecnologia, mas sim de um modelo de desenvolvimento, por sua vez dependente diretamente da visão que temos da vida, das relações sociais, dos valores em que acreditamos. Devemos esvaziar nossos corações de coisas e enchê-los de relações. Todo o resto virá por si só.
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Os consumos excessivos dos ricos são um perigo para as espécies vivas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU