23 Setembro 2022
"Esta é a novidade: discursos sem a exaltação da verdade presente na própria confissão, um papa que não está no centro, mas no meio dos outros, para falar e ouvir como os outros, um papa que convoca todas as religiões com autoridade ao diálogo, à concórdia, à paz", escreve Enzo Bianchi, monge italiano e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 19-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como quase sempre acontece, que eu saiba ninguém ainda destacou um fato inédito, uma novidade absoluta nas intervenções do Papa Francisco durante a viagem ao Cazaquistão, realizada para participar no "Congresso dos líderes das religiões mundiais e tradicionais". Pela primeira vez, o papa de Roma participou de uma iniciativa não organizada por ele ou pela Igreja Católica, mas respondeu junto com muitos outros líderes religiosos à convocação propiciada por uma autoridade política não cristã, o presidente muçulmano do Cazaquistão. Este fato já havia despertado em si perplexidade e contestação, mas Francisco viveu esse congresso de uma maneira que deve realmente questionar principalmente os católicos.
O que impressiona e se destaca como ousadia na atitude de Francisco é sua capacidade de dirigir-se aos outros participantes não católicos, que professam religiões e espiritualidades diferentes, de uma forma totalmente nova - uma forma que escandaliza aqueles católicos que o consideram não um evangelizador, quase uma negação da identidade católica -, com uma linguagem adaptada a uma assembleia de ouvintes de todo o mundo.
O próprio bispo auxiliar de Astana, D. Schneider, conhecido por sua peregrinação no Ocidente para pregar o verbo tradicionalista, expressou sua discordância repropondo a antiga posição militante de quem deve dizer imediatamente que sua identidade é portadora da única verdade. Por que em vez disso o Papa em três discursos nunca mencionou Jesus Cristo, o Senhor, e dirigindo-se a ouvintes não cristãos, mas contudo capazes de afirmar a presença de Deus, se limitou a evocar Deus, o Criador, a Transcendência... Especialmente no discurso que se seguiu a uma oração silenciosa, feita uns ao lado dos outros, uma oração não feita juntos, mas simultânea, o Papa, que nos deixa um magistério memorável sobre a relação que deve se instaurar entre religiões a paz, várias vezes citou Abai, o padre e poeta de literatura de cazaque, enquanto ele nunca mencionou nem Jesus Cristo nem o Evangelho! Ele também citou Sêneca, e sempre para afirmar que o ser humano é uma criatura sagrada que impõe a rejeição da violência, da hostilidade, da guerra.
E no profético discurso final o Papa Francisco reiterou mais uma vez a condenação da violência e da loucura da guerra, sem "ses" e sem "mas", afirmando que essa é a primeira função das religiões, que consequentemente devem assumir uma distinção clara da autoridade do Estado, sempre distinguindo a política da religião. O sagrado nunca deve ser instrumentalizado, o sagrado não deve ser um suporte para o poder político e o poder político nunca pode se definir como sagrado ou reivindicar uma qualidade religiosa. Essa é a mistura de religião e política que alimenta hoje a guerra entre Rússia e Ucrânia, não esqueçamos!
Esta é a novidade: discursos sem a exaltação da verdade presente na própria confissão, um papa que não está no centro, mas no meio dos outros, para falar e ouvir como os outros, um papa que convoca todas as religiões com autoridade ao diálogo, à concórdia, à paz. Foi uma ocasião de profunda emoção: o sucessor de Pedro, idoso, na cadeira de rodas, mas ainda dotado de vigor, que humildemente se coloca entre os outros sem intenções de proselitismo, apenas ao serviço da humanidade, porque está convencido de que "o ser humano é o caminho da igreja”.
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A pessoa humana é o verdadeiro caminho da igreja. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU