"Todos somos chamados a ser ventre, lar, carinho, abraço, palavra, profecia", afirma Liliana Franco, ODN, presidente da CLAR, que conversou com exclusividade com o portal dos Sagrados Corações por ocasião do Dia da Vida Consagrada e a Vida Religiosa, que a Igreja celebra todo dia 15 de agosto, na festa da Assunção da Virgem Maria.
Depois de terminar de acompanhar por duas semanas, com quatro palestras por dia, 330 sacerdotes da arquidiocese de Bogotá (Colômbia), e antes de partir no domingo passado para Putumayo, para a inauguração de algumas casas que a vida religiosa colombiana construiu para famílias afetadas pela avalanche em Mocoa, onde centenas de pessoas morreram em 2017 e deixaram quase 25.000 desabrigados, teve tempo para responder às nossas perguntas.
A entrevista é de Aníbal Pastor N., publicada pelo sítio da Congregação dos Sagrados Corações, 15-08-2022.
A primeira coisa que ela diz, com convicção, é que as mulheres de Alba "são as mais radicais ousadas, as que mantêm a esperança agarrada à promessa, as que caminham rompendo a noite e em estado de missão abrem brechas para o Espírito para que ele pode entrar e fertilizar tudo”.
Ela explica que a vida religiosa do continente está entrando em um novo triênio, acolhendo essas mulheres da Alba como um ícone inspirador de sua jornada. "Hoje, mais do que nunca, estamos convencidos de que a verdadeira reforma vem do encontro com Jesus, do eco da sua Palavra, da aprendizagem das suas atitudes e critérios, da assimilação do seu estilo e isso é bem conhecido pelas mulheres de Alba", salienta.
E continua: “aqueles que souberam transformar a própria existência no encontro com Jesus, aqueles que, movidos pelo amor, saíram pelas estradas para proclamar aquela Boa Nova incompreensível para muitos, para defender a esperança da tirania dos carrascos, para reunir e tornar possível toda a comunidade em tempos de medo, repressão e dispersão". Gloria Liliana Franco Echeverri (51) é religiosa da Companhia de Maria e presidente pelo segundo mandato da CLAR (Confederação Latino-Americana e do Caribe de Religiosos e Religiosas), responsabilidade que proclama incansavelmente, a tempo e fora do vez, a boa notícia com participação real das mulheres. Ela faz isso com seu estilo altamente empático, carismático e poético que todos já conhecem.
Ela é uma teóloga requisitada para fazer várias contribuições em diferentes lugares. Sua participação na Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe no México em 2021 foi fundamental para muitas questões. Hoje ela participa do Sínodo da Sinodalidade em nível continental.
Na vida religiosa do continente, o que inspira especificamente "as Mulheres da Aurora"?
No próximo triênio, inspiram movimentos fundamentais que foram lançados. Temos: Movimento para a vida na esperança; Movimento para o essencial do seguimento de Jesus e a centralidade da relacionalidade humana; Movimento em direção à dignidade humana e à cultura do cuidado; Movimento para a possibilidade de ser signo, palavra e metáfora credíveis. Caminhar para a interação e o encontro dos carismas; Movimento em direção à sinodalidade; Movimento para a utopia do Reino: Um mundo de irmãos e irmãs; Movimento em direção à mudança sistêmica e advocacia política; e Movimento para o cuidado responsável do meio ambiente e dos direitos das gerações futuras.
No contexto dos abusos eclesiásticos, que desafios ou inspirações existem?
Nesta conjuntura eclesial, a Igreja enfrenta um processo, um itinerário de encontro e de conversão, enquadrado naquela necessária reforma que o Papa Francisco pediu e que exige colocar-se no lugar da humildade; reconhecer o pecado, aquelas atitudes e formas relacionais que estiveram longe da vontade de Deus, porque são verticais e abusivas, pouco inclusivas e desprovidas de misericórdia.
Por isso, será necessário um esforço de todos para superar essas atitudes individualistas, tingidas de narcisismo e suficiência que tantas vezes permeiam a cultura da Igreja e suas formas relacionais.
Creio que nesta hora da Igreja se vive uma urgência: aguçar o olhar para contemplar a realidade e aguçar o ouvido para escutar o Espírito que não para de gemer no clamor e nas complexidades da história, nos rostos e nas feridas da o mais pobre. Um desejo de sair, desalojar, abandonar os status de conforto e paralisia em que tantos crentes estão entrincheirados.
Qual seria a chave para a sinodalidade?
A conversão necessária a que a Igreja é chamada supõe dar proeminência ao Espírito, viver da centralidade de Jesus e escutar atentamente a realidade.
Uma conversão pastoral é urgente. O caminho sinodal supõe a conversão, cabe à Igreja ser aquela narrativa credível daquilo que a sociedade espera ler nela. E isso acontece gerando aquela necessária dinâmica de relacionamento, encontro em complementaridade e reciprocidade.
Trata-se de tornar possível o nós eclesial, de transcender as singularidades, de viver no dom da pluralidade; é aí que se dá o sentido de Igreja, o sensus Ecclesiae. E essa conversão, que exige transcender o individualismo, deve ser feita por todos nós, porque todos nós, vocações, podemos cair na tentação da suficiência que nos limita a sair de nós mesmos e nos preparar como discípulo para o encontro.
O que é preciso para caminhar juntos na vida religiosa?
Inserimos-nos nesta peregrinação sinodal convictos da necessidade de reforma. Habitada pela convicção de que a vida consagrada é batismal, mística, missão e profecia. Nosso compromisso hoje é reescrever essas três histórias essenciais de nossa identidade e missão.
Começar com os outros nesta Igreja hoje nos levará a construir juntos na experiência de uma espiritualidade autêntica e conscientes da identidade dos sujeitos eclesiais e que, pelo batismo e pelo sacerdócio comum, todos temos a mesma dignidade. São chamados a contribuir para a configuração de uma Igreja mais sinodal, na qual seja especial, necessária e significativa a presença e a missão das mulheres, dos leigos, dos pobres e de todos os sujeitos historicamente excluídos emergentes.
Você afirma com frequência que “a Igreja tem rosto de mulher”, mas parece que isso serve mais para a foto do que para participar das decisões e dos espaços. O que você acha?
Sim, estou certo de que a Igreja e a vida religiosa dentro dela têm rosto de mulher: as assembleias, os grupos paroquiais, as celebrações litúrgicas, os ministérios apostólicos das comunidades, a qualidade da reflexão e o calor da dedicação missionária de a Igreja é tecida tantas vezes, e tantas vezes, no ventre das mulheres.
Por trás do desejo e do imperativo de uma maior presença e participação das mulheres na Igreja, não há ambição de poder ou sentimento de inferioridade, nem busca egoísta de reconhecimento, há um clamor por viver fielmente o projeto de Deus, quem quer que, nas pessoas com quem fez aliança, todos se reconheçam como irmãos.
Trata-se de um direito de participação e de igual corresponsabilidade no discernimento e na tomada de decisões, mas é fundamentalmente um desejo de viver com consciência e em coerência com a dignidade comum que o batismo confere a todos.
Que papel ou espaço as mulheres devem ter na igreja? Há progresso ou não no reconhecimento de mulheres e homens como seres iguais dentro da igreja?
Sempre pensei que uma imagem eloquente para projetar a plenitude eclesial é, sem dúvida, a de um banquete, com uma grande mesa redonda, em que todos se reconhecem irmãos, e nenhuma burocracia ou clericalismo ofusca a presença já do ação de um Deus que sem distinção de gênero chama ao inesperado do seu Reino, ao amor ao extremo, à entrega incondicional da vida, para que, na mesa de todos, haja pão e ninguém caia na tentação de se sentir superior para outros. A plenitude eclesial é possível, em chave feminina e onde há irmãos. Nesta chave, as mulheres são protagonistas da reforma da Igreja e não apenas na Igreja.
Pequenos passos estão sendo dados, mas acho que são significativos e fico feliz em ver que não só as mulheres estão assumindo suas demandas com maior consciência e proatividade, mas também alguns homens, em diferentes cantos do mundo, estão se tornando aliados desses desejos que abrem caminhos de participação e corresponsabilidade.
Quais ou quais são as contribuições específicas das mulheres na igreja?
O potencial feminino tem implicitamente uma riqueza extraordinária, a capacidade de trabalhar em cooperação e a partir da experiência do sentir-pensar; a flexibilidade para buscar alternativas onde abunda o caos, a empatia e a capacidade de comunicação para gerar relacionamento e vínculo no dia a dia; a disposição solidária de colaborar, de tecer redes e gerar sinergias, a abertura para buscar respostas e novos canais de solução, a resiliência para resistir em meio a situações difíceis, a alegria de promover a festa e prolongar a festa.
Mulheres e homens consagrados são chamados nesta hora sinodal a despertar para aquela demonstração de dons e possibilidades que surgem quando a noite cai, as pedras que aprisionam a vida são levantadas, o Espírito é permitido habitar, espalhar a paz e ser revestido de força e esperança, de modo que possa contribuir para a tão necessária reforma da Igreja.
Que aspecto da vida religiosa feminina deve ser assumido e apropriado pela vida religiosa masculina?
A Igreja é feminina, e isso não exclui os homens, porque em todos eles, homens e mulheres, mora a força do feminino, da sabedoria, da bondade, da ternura, da força, da criatividade, da parresía e da capacidade de dar vida e enfrentar as situações com ousadia.
Todos somos chamados a ser ventre, lar, carícia, abraço, palavra, profecia. Uma Igreja feminina tem a força da fertilidade. Aquilo que é dado pelo Ruah (espírito de Deus).
Agora, uma Igreja que pulsa ao ritmo do feminino é uma Igreja que tem em perspectiva que a Pessoa de Jesus e o Evangelho são os que convocam. O encontro é para recordar e atualizar o compromisso na consciência de serem enviados, discípulos missionários. Nele, os fatos são lidos pela fé e o discernimento está na base de qualquer processo ou ação.
Além disso, considera que a inclusão e a participação na tomada de decisões nascem da consciência de identidade. Ou seja, somos povo de Deus e, pelo batismo, portadores da mesma dignidade.
Além disso, a opção pelo cuidado de todas as formas de vida é a opção pelo Reino. Tende à construção de comunidades nas quais há uma tendência natural a levantar os caídos, a curar as feridas, a dar lugar aos deserdados, a trabalhar pela dignidade humana, pelo bem comum, pelos direitos das pessoas e da Terra.
Isto implica um novo modo relacional que possibilita uma nova identidade: mais circular, fraterna e sororal. Com novos ministérios, nos quais se tecem relações de solidariedade e proximidade. O vínculo se estabelece para além do hierárquico e do funcional, naquele espaço existencial chamado comunidade e no qual todos se sentem humanos-irmãos.
E, aliás, acreditam no valor dos processos, prioriza-se a escuta e reconhece-se que a fecundidade é fruto da graça, da ação do Espírito, o único capaz de fazer novas todas as coisas.