15 Julho 2022
O arcebispo Vincenzo Paglia, presidente da Pontifícia Academia para a Vida, explica em entrevista aos meios de comunicação do Vaticano a finalidade do livro Ética Teológica da Vida. Escrituras, tradição e desafios práticos publicado pela Libreria Editrice Vaticana e que estará nas livrarias a partir de 01 de julho.
A entrevista é publicada por Vatican News, 30-06-2022. A tradução é do Cepat.
A Libreria Editrice Vaticana publica um livro intitulado Ética Teológica da Vida. Escrituras, tradição e desafios práticos. O volume reúne as atas de um seminário de estudo interdisciplinar promovido pela Pontifícia Academia para a Vida. Conversamos sobre isso com o arcebispo Vincenzo Paglia, presidente da Pontifícia Academia e revisor da publicação.
Dom Paglia, o texto é muito amplo e denso. Como surgiu este projeto?
A iniciativa é inspirada nos inúmeros pedidos que o Papa Francisco dirige aos teólogos em seus discursos e documentos. Ouvimos dizer que o Santo Padre não está interessado na teologia. Mas se prestarmos mais atenção ao que ele realmente diz, não parece possível dizer uma coisa dessas. Então nos perguntamos: estamos realmente ouvindo o magistério do Papa Francisco? Levamos a sério suas palavras de forma orgânica, ou apenas usamos uma expressão, que, além disso, está isolada do contexto de todas as suas reflexões? Examinamos as implicações que isso tem para o pensamento teológico? Se olharmos a Evangelii Gaudium, a Laudato Si', a Amoris Laetitia e a Veritatis Gaudium a partir dessa perspectiva, perceberemos que as solicitações nelas presentes abrem um novo horizonte para a teologia e para a tarefa dos teólogos, com forte ênfase no diálogo e no enriquecimento mútuo dos diferentes conhecimentos.
O livro é dedicado exclusivamente a temas que têm a ver com a vida. Como é isso?
A ética teológica da vida humana é um campo particular no qual a Academia está interessada, no qual os temas da corporeidade e das práticas de saúde são de particular interesse. É também uma área em que a contínua inovação científico-tecnológica impulsiona a reflexão. Quando começamos nosso itinerário, estávamos nos aproximando do vigésimo quinto aniversário da Evangelium Vitae. Assim, nos propusemos a reler, muitos anos depois, os principais temas tratados na encíclica de São João Paulo II. E o fizemos convidando teólogos e especialistas em vários campos para um seminário de estudos em Roma em 2021. Os convidados vieram de vários continentes e expressaram diferentes sensibilidades e abordagens teológicas. O livro agora publicado reúne as atas deste seminário. O Papa Francisco foi informado de cada passo e incentivou o projeto.
Na introdução, o senhor escreve que se trata de um “unicum”. O que quer dizer com isso?
Por um lado, a iniciativa parte de uma Pontifícia Academia, instituição que faz parte da Santa Sé, mas, por outro, nossa reflexão não se limita a explicar textos do Magistério. Em vez disso, pretendemos colocar em diálogo – como explico mais detalhadamente na introdução – opiniões divergentes sobre temas até controversos, propondo muitos pontos de debate. Assim que a perspectiva é prestar um serviço ao Magistério, abrindo um espaço para falar que possibilite a pesquisa e a promova. É assim que interpretamos o papel da Academia, que o próprio Francisco também quis nas questões de fronteira numa chave transdisciplinar.
O cuidado com a inteligência da fé deve proceder cultivando este campo de elaboração das intuições e avanços necessários: escutar a voz do Espírito que explica sempre de novo o Evangelho de Jesus, para interceptar com nova eficiência os processos nos quais se formam os paradigmas da cultura humana (Veritatis Gaudium). Aceitar a seriedade dos processos de elaboração deste dinamismo eclesial, que não se resigna à mera repetição de fórmulas inertes ou à mera adaptação dos lugares-comuns, faz parte do ministério confiado com autoridade à Pontifícia Academia.
Na sua opinião, o “método” de trabalho é a principal novidade?
Sim, desde o início ficou claro para mim que era essencial um clima de pesquisa, diálogo e confronto entre os participantes. Como já foi dito, e vale ressaltar, não buscamos apenas o diálogo entre diferentes áreas do conhecimento, mas também entre perspectivas e modelos teológicos que desenvolvem uma compreensão sapiencial e pastoral da fé: para fazer ressoar a riqueza da teologia cristã, seu polifacetismo católico. A espinha dorsal deste livro é uma antropologia teológica inspirada na fé eclesial em estreito diálogo com a cultura contemporânea. Constitui a base para abordar questões relativas à vida humana e questões científicas e éticas complexas no contexto do mundo de hoje. É uma tentativa, certamente perfectível, de acolher o convite da Veritatis Gaudium (par. 3) a uma mudança radical de paradigma na reflexão teológica.
O que essa perspectiva significou para o desenvolvimento do seminário?
Posso responder a essa pergunta observando a articulação dos diferentes capítulos do livro, 12 no total. O ponto de partida é um resumo dos pontos mais relevantes dos discursos e documentos do Papa Francisco. A partir daqui, passamos a examinar o ensino sobre a vida na Bíblia à luz do evento cristológico. Depois de um capítulo que trata de interpretar os principais elementos da cultura do mundo em que nos encontramos hoje, o capítulo seguinte examina criticamente a leitura da tradição magisterial e teológica a respeito do quinto mandamento: “não matarás”.
Em seguida, são examinados os temas da consciência, da norma e do discernimento moral. As questões relacionadas à origem da vida e ao papel da sexualidade, do sofrimento, da morte e do cuidado do moribundo situam-se neste amplo quadro. Algumas questões específicas, como o meio ambiente e a vida (incluindo a vida animal) no planeta, geração e procriação responsáveis, cuidados com os moribundos e novas tecnologias, são abordadas como bancos de ensaio para a abordagem geral apresentada nos capítulos anteriores. Ao final do texto, delineia-se o horizonte escatológico fundamental revelado pela revelação, essencial para uma adequada compreensão da vida humana e seu significado, e infelizmente pouco presente hoje na pregação cristã.
Quais são as características fundamentais da antropologia teológica subjacentes ao desenvolvimento da reflexão que propuseram?
A perspectiva personalista (já fortemente defendida como princípio para o desenvolvimento antropológico da teologia cristã por João Paulo II) deve ser conjugada com uma profunda elaboração cristocêntrica e eclesiológica. A resposta ao chamado de Cristo, nas suas implicações existenciais e na sua declinação pastoral, requer um compromisso que se realiza plenamente na comunidade. É fazendo o caminho junto com os outros, na dimensão social e histórica, que as normas morais são elaboradas e formuladas. Cuidado: a verdade do bem moral nada tem a ver com o consenso; tem a ver com a realidade da pessoa aberta à comunhão e que encontra a sua plenitude no amor, na abertura ao outro, numa verdadeira ética da alteridade.
O fato de haver um debate livre e aberto no livro é um sinal de sinodalidade?
Certamente. Não há outro caminho, especialmente em questões fundamentais como as relacionadas às múltiplas dimensões da vida humana. Queríamos um itinerário de estudo e reflexão que nos levasse a ver as questões da bioética sob uma nova luz, a partir do papel do discernimento e da consciência formada do agente moral. Não apenas em um clima de parresía que estimule e empodere teólogos, acadêmicos e estudiosos. Mas também com um procedimento análogo ao das quaestiones disputatae: propor uma tese e abri-la ao debate. E o debate pode levar a vislumbrar novos caminhos, para fazer avançar a bioética teológica, incluindo os desenvolvimentos mais recentes favorecidos pelas questões levantadas pela ecologia integral e a dimensão global dos problemas.
Como as quaestiones disputatae da Idade Média: não pretendiam suplantar o Magistério autêntico, mas abrir novos horizontes de reflexão e pesquisa, à disposição de seu discernimento específico e autorizado. Certamente é um processo que reflete o encorajamento sinodal e o clima em que o Papa Francisco quer que a Igreja se mova. Precisamente este processo sinodal nos foi indicado com autoridade durante os dias do seminário pelos cardeais Grech e Semeraro que presidiram e fizeram as pregações durante as celebrações eucarísticas. Seus textos também estão reunidos no livro.
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Atas de seminário da Pontifícia Academia para a Vida são publicadas. Entrevista com Vincenzo Paglia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU