Encontro em Maturacá (AM) reuniu povos do Rio Negro, Uru-Eu-Wau-Wau, Kaxuyana e Pataxó, populações indígenas que vivem em áreas de sobreposição com parques nacionais.
A reportagem é de Ana Amelia Hamdan Gontijo, publicado por ISA, 20-06-2022.
O Yaripo, nome Yanomami para o Pico da Neblina, o ponto mais alto do Brasil, com 2.995 metros de altitude, foi reaberto à visitação, em março, com um projeto de turismo de base comunitária que tem os indígenas Yanomami como protagonistas. A montanha está em plena floresta amazônica, em área de sobreposição entre o Parque Nacional que leva seu nome em português e o território indígena, no extremo noroeste do Amazonas.
A iniciativa de gestão territorial e geração de renda conduzida pelos próprios indígenas com apoio de parceiros foi uma das experiências compartilhadas em encontro com a participação de representantes dos povos indígenas Uru-eu-wau-wau (RO), Kaxuyana (PA) e Pataxó (BA), em Maturacá, na Terra Indígena (TI) Yanomami (AM-RR). A aldeia fica entre os municípios de Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira (AM). Povos da região do Rio Negro – como os Baré, Baniwa e Tukano – também apresentaram suas experiências no evento.
Assim como os Yanomami, as populações que vieram dos outros estados vivem em áreas de sobreposição com parques nacionais e relataram trabalhos principalmente de pesquisa e monitoramento, mas com abordagem também em vigilância e turismo de base comunitária.
O intercâmbio aconteceu entre 8 e 12/6 e foi promovido pela gestão do Parque Nacional Pico da Neblina, vinculada ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), com apoio do ISA, Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Fundação Nacional do Índio (Funai) e do projeto Legado Integrado da Região Amazônica (Lira), do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê).
Enquanto os Yanomami e os Pataxó falaram mais sobre suas experiências de turismo, os Uru-eu-wau-wau e os Kaxuyana trouxeram informações sobre vigilância e monitoramento.
Os Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (Aimas) que atuam na Bacia do Rio Negro, no Amazonas, em projeto desenvolvido pelo ISA e Foirn com o apoio do Lira, falaram sobre como os indígenas vêm realizando pesquisas dentro dos territórios, incluindo rios como Uaupés, Tiquié, Içana e Ayari. Os Aimas monitoram os ciclos da natureza e vêm relatando alterações climáticas em seus diários de papel ou eletrônicos.
Também foram apresentadas no encontro as iniciativas da Rede de Turismo Indígena do Rio Negro e o projeto Serras Guerreiras do Tapuruquara, do Médio Rio Negro.
Coordenadora-executiva do Lira, Neluce Soares, conta que o encontro em Maturacá mostrou um mosaico de experiências e de ações que têm os indígenas com protagonistas, o que está alinhado com o projeto, que apoia iniciativas para o aumento da efetividade de gestão de áreas protegidas, Unidades de Conservação e TIs.
“Cada um dos representantes dos indígenas pôde mostrar suas experiências, inspirando iniciativas que podem ser levadas adiante. Foi um encontro de muito trabalho, mas também festivo. Os Yanomami se abriram para mostrar parte de sua cultura”, disse Lana Rosa, assessora do ISA para o Projeto Yaripo.
Ela ressalta a importância da troca de conhecimentos entre os povos indígenas para o fortalecimento da gestão territorial. Rosa informou ainda que a troca de experiência foi primordial como contribuição para a construção do plano de monitoramento de impactos socioambientais relacionados à atividade de turismo no Yaripo.
O projeto é de base comunitária e busca o protagonismo dos indígenas, tendo como objetivo gerar renda, proteger o território e fortalecer a cultura indígena. A apresentação da iniciativa foi conduzida pela Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (Ayrca).
Durante o encontro, o tema do turismo também foi abordado pelo representante do povo Pataxó, o cacique José Fragoso, conhecido como Jitaí Pataxó. Ele relatou a experiência do Parque Nacional do Descobrimento, em Prado, no Sul da Bahia.
Um dos pontos primordiais para o sucesso da iniciativa foi o termo de compromisso assinado com o ICMBio, há cerca de quatro anos, encerrando uma série de conflitos. O projeto tem três pilares: etnoturismo, cultura pataxó e soberania alimentar. Também foi apresentada a experiência do Parque Nacional e Histórico do Monte Pascoal.
As iniciativas de turismo de base comunitária interessam ao povo Uru-Eu-Wau-Wau, que vive num território em Rondônia que abrange parte da Serra dos Pacaás Novos. Na área, está o ponto mais elevado do estado, o Pico do Tracoá, que vem despertando interesse de turistas.
A liderança jovem Tejubi Uru-Eu-Wau-Wau reforçou que seu povo quer conhecer melhor esse tipo de atividade, mas quer estar à frente da iniciativa. “Sabemos usufruir do nosso território sem prejudicar o ambiente ou os indígenas isolados que vivem na região”, diz. Os indígenas de Rondônia trouxeram ao Amazonas sua experiência com monitoramento e vigilância do território.
Para o povo Kaxuyana, as iniciativas de turismo também levantam interesse, desde que não interfiram em seus modos de vida e que eles próprios estejam à frente da atividade.
“Não queremos ser empregados. Queremos estar à frente do projeto”, diz Juventino Peserina Kaxuyana. O território desse povo está em área de sobreposição com a Floresta Nacional Trombetas, no Pará.
Antes de seguir para Maturacá, os Kaxuyana ficaram em São Gabriel da Cachoeira, sendo que Juventino Kaxuana teve a oportunidade de rever a cidade onde morou há cerca de 40 anos. Ele conta que foi retirado de seu território e acabou sendo levado para estudar em um colégio católico em São Gabriel.
“Estudei num colégio logo ali perto”, diz ele, apontando para a catedral da cidade. Ele acabou retornando para perto de suas origens. A partir dos anos 2000, seu povo foi se reaproximando do território e, em 2006, a área passou a ser considerada Unidade de Conservação. Com toda essa história, os Kaxuyana desenvolveram práticas de vigilância territorial.
Também participaram do encontro em Maturacá a Associação Kanindé, o Instituto do Meio Ambiente e do Homem da Amazônia (Imazon), o Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé) e o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-bio).