29 Março 2022
No âmbito da inovação, o aspecto puramente tecnológico é apenas um dos fatores-chave. Há outros elementos a serem levados em consideração: aspectos de ordem econômica, política e social. A inovação é cada vez mais o resultado de um raciocínio complexo e articulado. Convoca para si conhecimentos e competências diferentes. Une aspectos técnico-científicos com uma visão humanista.
O comentário é de Donatella Sciuto, pró-reitora e professora de Engenharia da Computação do Politécnico de Milão. O artigo foi publicado no caderno Login, do jornal Corriere della Sera, 28-03-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em 1999, o futurista Ray Kurzwell propôs “The Law of Accelerating Returns” (“A lei dos retornos acelerados”), segundo o qual a velocidade de inovação das tecnologias tende a crescer de modo exponencial, mesmo que a maioria de nós não se dê conta disso. A sua tese se baseia no pressuposto de que os progressos tendem a se alimentar de si mesmos, aumentando a velocidade da mudança.
Kurzwell defendia que, dentro de poucas décadas, o mundo seria muito diferente e difícil de imaginar. Isso, aliás, não é uma novidade. Podemos lembrar que os próprios irmãos Wright eram céticos quanto ao potencial do aeroplano que haviam inventado. Parecia-lhes impossível que ele pudesse voar de Nova York a Paris.
Além disso, há pouco mais de uma década, os smartphones, dos quais agora dependemos cotidianamente, não existiam. O mesmo vale para os computadores pessoais; há 30 anos, poucos tinham um em casa. No momento em que os chips se tornaram mais poderosos, com maior capacidade de armazenamento de dados e menos custosos, ocorreu a verdadeira reviravolta.
Nos últimos 50 anos, o número de transistores disponíveis em um chip do mesmo tamanho (o elemento básico das operações digitais) duplicou a cada 18 meses, seguindo a chamada lei de Moore, que em 1965 previu empiricamente o aumento da capacidade de processamento ao longo do tempo.
O desenvolvimento das tecnologias digitais capacitadoras, como a potência de cálculo, a capacidade de armazenamento de dados e o desempenho nas comunicações digitais, ocorreu de modo exponencial nas últimas décadas, chegando a pontos de virada que desencadearam mudanças significativas tanto em outras tecnologias quanto na sociedade.
Um exemplo é o desaparecimento dos videocassetes e, consequentemente, das atividades comerciais de aluguel, em favor do streaming e do nascimento de novas empresas como a Netflix, o que ocorreu graças ao desenvolvimento da velocidade de transmissão digital e a sua difusão capilar.
Hoje, estamos assistindo ao desenvolvimento de aplicações de inteligência artificial, possibilitada pela disponibilidade de dados e de potência de cálculo, mas cujo nascimento remonta aos anos 1970, e poderíamos continuar com os exemplos, da robótica aos carros autônomos, à medicina de precisão, à impressão em 3D de órgãos...
Há, portanto, um primeiro elemento a se levar em consideração: o da previsibilidade. Até que ponto podemos antecipar a mudança tecnológica? Como estimar a sua velocidade, a sua capacidade de difusão e o seu impacto?
Na tentativa de dar uma resposta, o Politécnico de Milão inaugurou recentemente o seu primeiro Technology Foresight Center. O objetivo é identificar as tecnologias mais promissoras, delinear os seus pressupostos e os seus âmbitos de utilização, definir as suas implicações práticas para poder interpretar as grandes tendências do futuro, direcionar as empresas e as administrações públicas para escolhas conscientes e, não menos importante, definir-lhes um traçado ético.
No âmbito da inovação, o aspecto puramente tecnológico é apenas um dos fatores-chave. Há outros elementos a serem levados em consideração: aspectos de ordem econômica, política e social. A inovação é cada vez mais o resultado de um raciocínio complexo e articulado. Convoca para si conhecimentos e competências diferentes. Une aspectos técnico-científicos com uma visão humanista.
A evolução tecnológica, sobretudo se for rápida e incremental, deve ser orientada e conduzida na direção certa. Caso contrário, as consequências poderiam ser devastadoras ou pelo menos altamente nocivas. Já cometemos esse erro no passado, com as tecnologias aplicadas às energias fósseis, há 100 anos, que permitiram, sim, o progresso, mas que hoje revelam todos os seus limites e as piores consequências em nível ambiental.
Eu não acho que, se tivéssemos à disposição um computador um milhão de vezes mais poderoso, conseguiríamos desenvolver sistemas de inteligência artificial mais próxima da humana. E, acima de tudo, mesmo que assim fosse, deveríamos ter certeza de que poderíamos programar a sua moralidade, a sua capacidade de escolher entre o bem e o mal.
É preciso a inteligência humana para fazer com que a velocidade tecnológica seja o mais justa possível, que não se traduza em uma lacuna social, que não exclua partes inteiras da população mundial. Para fazer isso, são necessárias competências e formação. A universidade, portanto, tem um papel fundamental.
A velocidade da inovação é sempre um bem? Isso depende. Depende da propensão e da capacidade que temos de acolher o desenvolvimento tecnológico e orientá-lo na direção certa. Neste exato momento, à luz dos grandes investimentos em curso, a Itália tem pela frente uma oportunidade imperdível. Partindo das infraestruturas digitais, passando pelas tecnologias verdes e pelo investimento em pesquisa, a inovação tecnológica nos oferece grandes oportunidades.
Devemos saber aproveitá-las sob três condições: agir de modo rápido e eficaz, percorrer as longas distâncias e focar no valor do capital humano, que é o verdadeiro fator capacitador de toda mudança.
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Elogio à velocidade, que nem sempre é boa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU