12 Janeiro 2022
"O feminicídio de fato nada mais é que a ponta do iceberg de uma realidade que permeia de forma tentacular toda a estrutura das nossas sociedades patriarcais, uma estrutura que o feminismo certamente contribuiu para enfraquecer, mas não para derrotar, porque está enraizada em um princípio muito simples que garantiu o funcionamento das civilizações seculares: a hierarquia baseada no gênero".
O comentário é de Marinella Perroni, teóloga e biblista, fundadora da Coordenação das Teólogas Italianas, autora de vários livros, professora no Pontifício Ateneu Santo Anselmo de Roma, em artigo publicado por Jesus, janeiro-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Desconcerto, perplexidade. Diante do boletim dos feminicídios, que agora se tornou quase diário, não sabemos mais o que pensar, mesmo que tentemos a cada ocorrência balbuciar alguma coisa. O feminicídio de fato nada mais é que a ponta do iceberg de uma realidade que permeia de forma tentacular toda a estrutura das nossas sociedades patriarcais, uma estrutura que o feminismo certamente contribuiu para enfraquecer, mas não para derrotar, porque está enraizada em um princípio muito simples que garantiu, para o bem ou para o mal, o funcionamento das civilizações seculares, inclusive com estabilidade: a hierarquia baseada no gênero. Independentemente do fato de produz machos alfa (ou assim supostos) ou machos incapazes de resistir à derrota, pouco importa. E uma masculinidade que até cem anos atrás era sofrida por todos, se não mesmo exaltada, agora se tornou tóxica. Precisamos identificá-la, claro, precisamos desmascará-la e denunciá-la. Mas isso não é suficiente, porque é sistêmica e como tal deve ser enfrentada.
Alguns começaram a entender isso. A escola faz o que pode, em meio a resistências e deformações, para assumir o ônus de uma profunda revisão cultural, além daquela dos costumes. Começam a ser cada vez mais frequentes os depoimentos de mães e pais que se questionam sobre os ônus de uma educação pelo respeito das diferenças e, sobretudo, pelo equilíbrio entre as diferenças. Até a comunidade cristã descobre dia após dia que a sua parte de responsabilidade educativa passa por aí. É um trabalho lento, que exige de muitos adultos um verdadeiro esforço de conversão interior, a coragem de passar de uma visão do mundo a outra.
A esse "Davi" segurando algumas pedras, mas muitas vezes sem o estilingue, se contrapõe o gigante das mídias, aquelas tradicionais, muitas vezes incapazes de ir além da ênfase em um único episódio de crônica e entender que de uma masculinidade tóxica é possível se defender também derrubando aqueles estereótipos linguísticos e culturais que a veiculam; e aqueles que hoje falam ao âmago dos jovens e que, das formas mais sutis, continuam a fazer circular modelos de supremacia sexual que justamente aquela masculinidade confirmam e exaltam. Mas ainda não é fácil entender qual será, afinal, o "estilingue".
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Um bíblico tiro de “estilingue” contra a masculinidade tóxica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU