16 Dezembro 2021
"A humanidade, que se aproxima de 8 bilhões de habitantes, já superou a capacidade de carga da Terra e, no ritmo atual, o mundo ambiental caminha para um colapso sistêmico global. Não focar na regeneração ecológica da Terra em nome de conquistas espaciais é o mesmo que trocar um pássaro na mão por dois pássaros voando. Se a humanidade destruir a vida na Terra não terá a mínima moral para conquistar Marte e construir colônias no espaço", escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 14-12-2021.
Não focar na regeneração ecológica da Terra em nome de conquistas espaciais é o mesmo que trocar um pássaro na mão por dois pássaros voando.
“A mentira é o único privilégio do ser humano sobre todos os outros animais” - Fiódor Dostoiévski (1821-1881)
Não é um conto de fada. Existem pessoas vendendo visões fantásticas do futuro e atraindo a atenção de parcelas da população para uma vida idílica no paraíso espacial, com a humanidade conquistando os distantes corpos celestes para espalhar a inteligência e a presença humana nos confins infinitos do espaço, com o objetivo de povoar o Universo.
Jeff Bezos, o homem mais rico do Planeta e dono da Amazon e do jornal Washington Post, quer que a humanidade se reproduza e gere 1 trilhão de humanos para colonizar o Universo. São duas as razões para tal, de acordo com o pensamento de Bezos: a primeira é que o ser humano é tão inteligente e tecnologicamente capaz que não pode se limitar a morar em um Planeta periférico que orbita uma estrela de 5ª grandeza, mas sim iniciar um período de “Grandes navegações” (como os europeus fizeram no século XV) para conquistar os “espaços vazios” e ocupar as “terras devolutas siderais”, espalhando a civilização humana pela imensidão galáctica; a segunda é que a Terra, além de ser finita, mais cedo ou mais tarde, vai se tornar inabitável e a humanidade necessita arrumar um novo lar para viver e se reproduzir indefinitivamente. (COREY POWELL, 15/05/2019).
Em meados da década de 1970, o físico Gerard O’Neill, refletindo sobre o futuro da humanidade no espaço argumentou que grande parte da superfície planetária para a construção de colônias está localizada em atmosferas hostis e com condições adversas e, como os mundos rochosos e as luas têm gravidade, ir e vir demandaria muito combustível. Assim, O’Neill imaginou enormes colônias flutuantes em forma de cilindros.
Um dos estudantes que assistiam as aulas de Gerard O’Neill na Universidade de Princeton, nos EUA, era Jeffrey Preston Bezos. Ele se imaginou um “empreendedor espacial”, via as colônias fora da Terra como uma forma de garantir o futuro da humanidade no longo prazo e começou a imaginar naves espaciais para a epopeia galáctica.
Desta forma, quer seja por motivos de conquista de novas fronteiras ou salvação diante de um colapso terrestre, O’Neill e Bezos imaginam a humanidade se expandindo pelo cosmos para garantir a sobrevivência da raça do Homo sapiens. Em uma das possibilidades de vida extraterrestre, as pessoas viveriam em artefatos flutuantes, mas no interior de bolhas espaciais, haveria cidades verdes com campos, lagos e florestas (como na figura abaixo).
Este cenário de ficção científica parece sedutor para muitas pessoas. E para vender a ideia da colonização do Universo, Jeff Bezos, dono Blue Origin, fez um voo suborbital no dia 20 de julho de 2021, com ampla cobertura midiática. O bilionário e acompanhantes foram lançados em um foguete de uma base no Texas, nos Estados Unidos e toda a viagem durou 10 minutos e 20 segundos.
Sem dúvida, enquanto a poderosa Amazon contribui para a degradação dos ecossistemas, as viagens espaciais de Bezos contribuem com o aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE), acelerando o aquecimento global que tem provocado muitos desastres climáticos. O multitrilionário americano arrumou uma forma de distrair a atenção do público frente ao colapso ambiental e tenta arrumar uma distração para convencer os incautos de que aumentar a população (isto é, os consumidores das mercadorias e serviços da Amazon) é o caminho para a salvação da espécie humana.
Mas este tipo de ideologia desconsidera que o crescimento ilimitado é o princípio formador do câncer. Num organismo sadio, cada célula possui instruções de como deve proceder, ou seja como crescer e se dividir, o período de funcionamento e de sua morte. Na presença de qualquer erro nestas instruções pode surgir uma célula alterada que venha a se tornar cancerosa. No câncer, as células multiplicam-se de maneira desordenada e descontrolada, ou seja elas se dividem mais rapidamente do que as células normais do tecido à sua volta, e o crescimento celular torna-se contínuo. O excesso de células vai invadindo progressivamente todo o organismo, adoecendo todo o corpo. Geralmente, têm capacidade para formar novos vasos sanguíneos que as nutrirão e manterão as atividades de crescimento descontrolado. O acúmulo dessas células desordenadas dá origem aos tumores malignos.
O que Bezos está propondo é, de certa forma, espalhar o crescimento cancerígeno no Universo, enquanto este conto de ficção científica parece ser feito para criar uma válvula de escape dos problemas terrenos. Como mostrou PARIS MARX (15/05/2019):
“Quero ser claro: os problemas na Terra não devem nos impedir de pesquisa científica e exploração espacial. No entanto, ver um homem como Bezos, cuja grande riqueza deriva de um império construído por trabalhadores supostamente mal pagos e maltratados, falar sobre a criação de comunidades perfeitas no espaço é um passo longe demais. Deixe-me explicar por quê.
Os funcionários do depósito da Amazon relataram serem microgerenciados a ponto de terem que escolher um item a cada sete segundos e são penalizados por fazerem pausas para ir ao banheiro. Alguns trabalhadores relataram fazer xixi em mamadeiras durante seus turnos, enquanto algumas mulheres grávidas estão processando a empresa porque dizem que foram demitidas por pedirem mais intervalos para ir ao banheiro. Os trabalhadores relataram não ter ar-condicionado adequado no verão, ou calor adequado no inverno – se é que tinham algum. A Amazon é conhecida por se opor à sindicalização de seus trabalhadores, negando-lhes uma voz unificada para negociar por melhores condições de trabalho. Mas essa não é a única coisa com que se preocupar.
A empresa enfatizou seu compromisso de alimentar seus data centers com energia 100% renovável entre 2014 e 2016, mas uma investigação de Brian Merchant, do Gizmodo, descobriu que a empresa não havia anunciado nenhum novo acordo de energia limpa desde 2016 e havia abandonado planos para seu último parque eólico programado – pelo menos até o dia em que Merchant publicou sua história, quando a Amazon convenientemente anunciou três novos projetos depois de não responder a um pedido de comentário. O uso de energias renováveis (??) da empresa parece ter se estabilizado em cerca de 50 por cento, e isso pode diminuir à medida que sua expansão continua. E, desde que diminuiu seu investimento em energias renováveis, a Amazon também vem conquistando um novo cliente importante: a indústria de petróleo e gás.
No exato momento em que precisamos abandonar rapidamente os combustíveis fósseis e adotar tecnologias renováveis, a Amazon está vendendo tecnologias de combustíveis fósseis que lhes permitirão extrair mais petróleo, com mais rapidez e menor custo. Como Bezos pode afirmar que precisamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para garantir que a Terra continue habitável por gerações futuras, quando a empresa da qual ele tira sua fortuna está cortejando as próprias empresas mais responsáveis ??pelas mudanças climáticas como novos clientes importantes?”
Muitas pessoas costumam cair no conto do vigário e há até aqueles que compram lotes na lua. Como Jeff Bezos é muito bom de marketing é bem provável que ele consiga muitos seguidores para a sua distopia espacial. O também megabilionário, Elon Musk, dono da Tesla e da SpaceX – que também tem promovido o turismo espacial e planejado a colonização do planeta Marte – considera que o mundo precisa de mais bebês. Ele disse “A civilização vai desmoronar se as pessoas não tiverem mais filhos” (CNBC, 07/12/2021). Também disse: “Marte tem uma grande necessidade de pessoas, visto que a população atualmente é zero. Vamos levar vida a Marte!”.
Os bilionários querem, em primeiro lugar, aumentar a disponibilidade de trabalhadores e consumidores para consumir os seus produtos e serviços e aumentar o lucro de suas companhias e de seus acionistas. Em segundo lugar, querem povoar o Universo e garantir lucros infinitos. Resta saber se a população mundial vai querer ter filhos para preencher os sonhos da elite econômica americana e mundial.
Mas, sem dúvida, a humanidade, que se aproxima de 8 bilhões de habitantes, já superou a capacidade de carga da Terra e, no ritmo atual, o mundo ambiental caminha para um colapso sistêmico global. Não focar na regeneração ecológica da Terra em nome de conquistas espaciais é o mesmo que trocar um pássaro na mão por dois pássaros voando. Se a humanidade destruir a vida na Terra não terá a mínima moral para conquistar Marte e construir colônias no espaço.
COREY POWELL. Jeff Bezos foresees a trillion people living in millions of space colonies. Here’s what he’s doing to get the ball rolling. NBC News, 15/05/2019. Disponível aqui.
PARIS MARX. Jeff Bezos’ ‘O’Neill colony’ dreams ignore the plight of millions living on Earth now, NBC News, 15/05/2019. Disponível aqui.
Sam Shead. Elon Musk says ‘civilization is going to crumble’ if people don’t have more children, CNBC, 07/12/2021. Disponível aqui.
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1 trilhão de pessoas para colonizar o universo. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU