14 Dezembro 2021
O artigo sobre o celibato de Francesco Cavallini gerou muita discussão. O autor volta ao assunto, para esclarecer e também para reiterar algumas coisas.
Cavallini é padre jesuíta natural de Bérgamo, na Itália. Ele aprofundou seu conhecimento das terras bíblicas e há mais de 20 anos acompanha os peregrinos à Terra Santa. Trabalhou muito com os jovens em Gênova, Pádua, Roma, Bolonha, Milão e hoje em Palermo.
O artigo foi publicado em La Barca e il Mare, 12-12-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Dada a repercussão das reflexões geradas pelo artigo sobre o celibato e a castidade dos sacerdotes e dado o debate que se gerou, creio que é preciso continuar alimentando a reflexão também à luz das muitas referências recebidas.
Quero me deter, de vez em quando, em algumas delas, retomando também as várias contribuições. Reitero que, nesta coluna, as questões são abordadas refletindo a partir da experiência, a partir da minha realidade e das muitas situações encontradas ao longo de tantos anos.
Parto de uma premissa não explicitada no primeiro artigo. Nós acreditamos em um Deus que é Pai e que nos ama com um amor gratuito, que nos liberta do dever-ser, da ânsia de desempenho. Ele também nos liberta do fato de termos que nos defender e merecer o amor e a estima alheios, de termos que nos impor. Ele chama todos a estarem no mundo com alegria e com gratidão pelo dom da vida e da criação. Ele nos pede para entrarmos em uma dinâmica do dom de si mesmos, vivendo na autenticidade, na liberdade, com coragem, criatividade, generosidade e sendo generativos de bem.
Acreditamos que a oração, a meditação da Palavra são fundamentais para a vida. Cultivar a relação com o Deus da vida verdadeira é a relação mais importante e fundamental da vida. Nessa relação cultivada com a oração e a meditação, pode-se fazer uma experiência concreta de um Pai que cura as feridas. Não só isso, mas que também consola, levanta, incentiva, encoraja e apoia as escolhas mais autênticas, corajosas e generosas (que, entregues a nós mesmos, não seríamos capazes de fazer).
Isso vale para todos e certamente também para os sacerdotes.
Acerca do sacerdócio: cremos que o único Sacerdote é Jesus e nós participamos do único sacerdócio pelo batismo. Alguns são chamados a servir a comunidade de modo ministerial (Catecismo da Igreja Católica, n. 1547, e cf. Concílio Vaticano II, constituição dogmática Lumen gentium, n. 10).
Dizer que Deus chama alguns para servirem à comunidade de modo ministerial não significa que aqueles que são chamados a esse serviço devem ser celibatários e castos. Essa é uma escolha feita pela Igreja Católica latina (cf. carta encíclica Sacerdotalis cælibatus, de São Paulo VI). Motivo pelo qual eu acho que as razões teológicas, espirituais e administrativas não são suficientes hoje, nem para justificar essa escolha, nem para apoiar os sacerdotes nessa modalidade.
Acredito que o binômio celibato/castidade vivido como escolha livre e como dom carismático é uma riqueza enorme para a comunidade e é muito fecundo para o bem de muitas pessoas. Muitos o vivem de forma saudável, alegre e generativa. Muito bem! Louvemos a Deus por essas pessoas! Mas muitas vezes não é assim. E é preciso dizer e reiterar isso para colocar as mudanças em movimento. Retomo alguns pontos.
Não é verdade que a escolha do celibato/castidade seja tão livre apenas pelo fato de a pessoa saber do que está indo ao encontro. Por vários motivos. A castidade, de fato, é percebida como parte de um pacote a ser assumido integralmente por quem se sente chamado a servir à comunidade. Quem se faz padre evangeliza, conforta, prega, acompanha as pessoas também com os sacramentos. Tomado pelo impulso autenticamente generoso, ele acha que pode viver o celibato e a castidade de uma forma positiva. Mas nem sempre é assim.
E não se resolve a questão rezando mais (o que é sempre útil). Em vez disso, é preciso enfrentar os problemas intrínsecos que derivam do fato de não se estar na situação de poder escolher e do modelo concreto oferecido pela Igreja atual.
Além disso, deve-se considerar que as motivações são sempre “mistas” (em todas as escolhas, mas aqui estamos falando do sacerdócio). Junto com a principal – mais evidente, mais honrada, mais generosa – há outras que são menos evidentes, menos livres e menos saudáveis.
Por exemplo: busca-se ter um papel na sociedade. Ou se tende a agradar as expectativas dos outros. Ou ainda a pessoa quer ser “amável” para alcançar seus próprios objetivos. Em alguns casos, a pessoa quer encontrar uma veste digna e respeitável ou para a própria homossexualidade ou para a própria personalidade com problemáticas de vários tipos etc.
E como não falar das muitas vezes em que, na pastoral vocacional, se recorreu à generosidade ou ao orgulho das pessoas. Assim, chegou-se a veicular de modo implícito ou explícito a convicção de que a escolha da consagração era um seguimento mais verdadeiro, mais digno, mais radical do Senhor Jesus. Uma perversão da mensagem cristã.
E devemos reiterar que não é assim! Ou, melhor, deve-se dizer que isso é verdade para todo cristão em qualquer estado de vida que leva a sério o seguimento do Senhor.
Como muitos comentaram, tudo isso remete à seleção, à formação e à ajuda ao discernimento por parte dos formadores. Mas também a uma reavaliação das categorias teológicas e espirituais de referência.
Nos próximos artigos, retomaremos os outros pontos (afetividade, sentido do celibato, estrutura da Igreja, novas figuras...), resumindo também as interessantes reflexões que chegaram até nós. Cada um de vocês pode contribuir para enriquecer esta coluna com as suas próprias reflexões.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O celibato e a castidade do padre (Parte 2) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU