10 Dezembro 2021
Para tornar atrativa a prática religiosa católica, ou seja, a acolhida da Palavra, a celebração dos Sacramentos, o testemunho da Caridade, o entusiasmo da Esperança, está se tornando indispensável no século XXI uma nova narrativa dos novíssimos.
O comentário é de Roberto Boggiani, médico e leigo italiano, operador em uma comunidade de acolhida em Parma. O artigo foi publicado em Viandanti, 06-12-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ampliar a comunidade cristã ao mundo nunca por proselitismo, mas por atração. Foi o que disse o Papa Bento XVI ao episcopado latino-americano em 2007, retomado e desenvolvido pelo Papa Francisco na Evangelii gaudium.
Para tornar atrativa a prática religiosa católica, ou seja, a acolhida da Palavra, a celebração dos Sacramentos, o testemunho da Caridade, o entusiasmo da Esperança, está se tornando indispensável no século XXI uma nova narrativa dos novíssimos.
A partir da leitura das Escrituras, muitíssimos autores da literatura e da arte figurativa propuseram uma narrativa adaptada aos seus tempos. O mundo atual, desencantado e cético, precisa de uma narrativa nova e viva, que saiba surpreender e faça repensar, abandonando estereótipos obsoletos, a começar pela figuração do céu.
Tendo chegado à era da chamada conquista do espaço cósmico, que já perdura há mais de 60 anos, o céu se tornou inadequado para evocar Deus e o seu reino. Porém, quando na oração que Jesus nos ensinou, o Pai-Nosso, invocamos o advento do reino de Deus na realidade terrena, pela encarnação do Verbo de Deus, esse extravasamento já embaralha os seus termos. O véu do templo se rasgou definitivamente, a realidade transcendente penetra na imanente. O céu é distante, vazio e frio demais para imaginar que lá estão os nossos entes queridos, que fazem parte de nós, que permaneceram dentro de nós, ou para imaginar que nós lá estaremos um dia, falecidos e separados dos nossos entes queridos que permanecerão no mundo.
Como expressar hoje, de forma narrativa, o transcendente cristão?
A filosofia se detém no raciocínio, capta muitas facetas da realidade, sempre propõe novos desenvolvimentos indefiníveis, mas nunca pôde eliminar a dúvida. A fé vai além da dúvida e prospecta desenvolvimentos infinitos, especialmente uma fé que propõe um Filho de Deus que vem compartilhar a natureza humana, tornar verdadeira a realidade terrena, expandi-la além de todo o limite concebível. Mas como podemos narrar aquilo que ninguém viu e experimentou? Nós o podemos (1Jo 1,1-3)!
Não se trata de minar os conteúdos dos novíssimos, mas de expressá-los de uma nova maneira, ou mesmo com um novo estilo, para que a substância mistérica possa ser mais compreendida ou, melhor, explorada e vivida. Que possa abrir o caminho da busca de Deus na vida das próximas gerações, no seu aparato de sentido, no ambiente que elas respiram quando abrem os olhos ao mundo.
Lancemo-nos à obra, não corramos o risco de paralisar o anúncio do Evangelho, de deixar atrofiar os recursos humanos existentes, de empobrecer o intercâmbio cultural com o mundo de hoje. Posição inversa à que caracterizou o cristianismo nas suas origens e lhe permitiu uma rápida e intensa difusão e permeação do universo greco-romano.
Agora a noite avança e se difunde a desesperada e culpada convicção de que seremos os últimos cristãos ou, pelo menos, os últimos católicos, refrão que, no entanto, perdura desde o alvorecer do Concílio Vaticano II. A nossa cultura da vida (e de fé na vida!) deveria nos fazer dar um salto e agir na esperança de um novo amanhecer. Porque é disto que se trata: de proceder de amanhecer em amanhecer, noite após noite, na bem-aventurada expectativa de um dia sem pôr-do-sol.
E o que dizer desse dia? Quantas vezes hoje ele ressoa no Evangelho e marca as suas etapas? Visto que Jesus, na cruz, confidencia ao bom ladrão que “hoje estarás comigo no paraíso”, nós sabemos que hoje é o tempo de Deus. E é precisamente esse hoje que uma certa narrativa deveria modular e transmitir.
Eu poderia sugerir um vestígio daquilo que adquiri a partir da minha modesta experiência na terra da África, da qual me parece que pude captar alguns traços de espiritualidade primordial, mas ao mesmo tempo de validade perene, em que o Evangelho pode encontrar – e certamente lá encontrou – um fantástico terreno para a inculturação.
O idoso, já naturalmente, vê na sua família, filhos, netos, noras e assim por diante a vida que se dilata além do horizonte e se estende em tempo indefinido. Isso ocorre porque o africano considera como o centro da vida não ele mesmo, mas a natureza, entendida no seu significado mais inclusivo, em que cada sujeito se insere, fazendo-se coautor daquela evolução universal que é a única realidade viva. Na qual se encaixa perfeitamente a ideia de um Deus protagonista. E os Antepassados (para nós, a História) desempenham um papel de coprotagonismo nisso.
Paradoxalmente, essa visão exalta a individualidade, entendida como funcional à própria família e à alma universal. Assim, cada um nasce e cresce na perspectiva e com o ideal dessa posição em que a morte pessoal se torna evento natural que não interrompe a vida, justamente em uma cultura em que o pensamento da morte não é absolutamente removido. A morte não é um limiar a ser cruzado mais ou menos longe no tempo, mas é uma linha sutil ao lado da qual você caminha desde os primeiros balbucios.
Não há nenhuma sequência entre duas vidas, terrena e ultraterrena, nenhuma duplicação entre terra e céu, entre corpo e alma. Se nós, ocidentais, continuamos insistindo nessa distinção é porque a dimensão racional é ainda amplamente predominante sobre a mística, mas não é mais verdadeira. A novidade cristã tem aqui a possibilidade de se afastar dessa posição óbvia e obsoleta.
Vita mutatur, non tollitur, uma só vida, a vida em Cristo: “Se vivemos, é para o Senhor que vivemos; se morremos, é para o Senhor que morremos. Quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor” (Rm 14,8-9).
Além disso, se vemos Deus em cada pessoa que encontramos, se estudamos o seu desígnio na história e se o percebemos nas profundezas do nosso ser (interior intimo meo), talvez a realidade eterna não seja tão estranha a esta realidade aparentemente contingente. E vice-versa.
Universo, Natureza, Mãe Terra, Etnia, Família. Mas nós podemos contar com muito mais: o Corpo Místico de Jesus, o Cristo. Lá todas as fronteiras desaparecem, todas as distinções são anuladas. Ao mesmo tempo, a individualidade é salva da aniquilação. Em Jesus ressuscitado e glorioso, Deus é tudo em todos. E a natureza também faz parte totalmente da obra de salvação de Deus (cf. Rm 8,19-22).
Desde a iniciação aos novíssimos, já se poderia se abster da tradicional narrativa imaginativa celeste à qual se recorre muito frequentemente, talvez para encurtá-la, precisamente porque faltam instrumentos narrativos para responder às perguntas das crianças e dos jovens sobre parentes que faleceram, especialmente quando se trata de lutos que os envolvem diretamente.
Além disso, facilmente recuamos para linhas elusivas e inconsistentes quando o sujeito cresceu e começa a pensar sobre o seu próprio destino pessoal e o dos seus entes queridos. É preciso avançar em linhas narrativas que focalizem tudo no mistério. E o adulto deve se mostrar envolvido, não perdido ou envergonhado, na busca vã de preencher o impreenchível.
Além disso, é hora de exaltar a dimensão comunitária da morte: não se deve mais dizer que morremos sozinhos. Não tenhamos a ambição de assimilar a nossa condição à condição inescrutável de Jesus na cruz. A Igreja morre todos os dias, a cada momento, nas condições mais díspares. Sintamos dor calçando os sapatos das vítimas de calamidades, de tragédias, de doenças, de massacres, assim como de quem morre, seja justo ou pecador. E a dor da Igreja se expandirá sobre nós quando nos encontrar aflitos pelos nossos entes queridos ou quando nos encontrar como protagonistas.
Isso se chama Consolação do Espírito em nós: a participação comunitária cotidiana universal na qual nos encontramos imersos, como fomos no batismo. Que se derrama em primeiro plano sobre a família e sobre a comunidade local, em uma ocasião forte de oração, para se sentir e se fazer sentir como irmãos e irmãs em uma mesma História, que flui, mas não acaba.
Na tradição cristã, o conceito de morte está sempre estreitamente ligado ao conceito de pecado – seguindo a narrativa bíblica –, assim como aos sentimentos de caducidade, de término, de perda. Daí o aspecto penitencial da liturgia fúnebre que predomina, pelo menos no imaginário coletivo, sobre o aspecto pascal que irrompe das leituras e da liturgia, onde se destaca o círio pascal. A estrutura doutrinal que o promove, o sustenta, o inculca na prática religiosa é monumental, absolutamente inquebrantável, e o torna uma preciosa advertência para os fiéis vivos, aos quais – em vez disso! – se indica a penitência.
A morte é a máxima provocação que Deus lançou para sacudir a nossa relutância, inércia, resistência às suas propostas de amor. A homilética muitas vezes tende a fomentar o aspecto lúgubre do rito, a se debruçar sobre os eventos dolorosos que levaram à morte, a emitir o elogio que geralmente cabe ao falecido, a se solidarizar com os parentes.
O aspecto espiritual muitas vezes vagueia sobre o óbvio: propõe com insistência uma outra vida apresentada como idílica, como meta da nossa fé, como redenção da dor. Que acolhida essa perspectiva pode ter na alma do jovem, que fisiologicamente se sente cavalgando o mundo e o domando? Perceber a presença do Senhor na angústia e na dor, quando sabemos que precisamente isso evoca o silêncio de Deus, é o máximo da vida, mas não separado do fato de senti-lo na alegria e na exultação, pela sua presença continuada de partilha total da nossa existência particular e comunitária, chamada Espírito Santo.
O jovem, como tal, encontra-se nas condições mais favoráveis para crer que a felicidade, a justiça, o amor, a paz devem se realizar aqui e agora. Por isso, ele não despreza a luta para vencer o desânimo, a desilusão, a consternação, o desespero que a morte pode trazer consigo, especialmente quando se trata dos próprios entes queridos ou de morte prematura.
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Morte, juízo, paraíso, inferno: é preciso uma nova narrativa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU