09 Dezembro 2021
"Assim, algo que parecia impossível, os signatários repudiaram o princípio aceito por muitos governos e poderes públicos de que não se pode lutar contra a tomada de controle mundial da vida por parte das finanças privadas. Para muitos, questionar o poder das finanças privadas e, em particular, dos operadores na Bolsa de valores é irreal e é uma veleidade, digna de Dom Quixote. Pois bem, quase 50.000 mulheres e homens na Itália começaram uma nova batalha", escreve Riccardo Petrella, cientista político e economista italiano com doutorado em ciências políticas e sociais da Universidade de Florença (Itália), em artigo[1] publicado por Il Manifesto, 08-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
"O valor não é um preço" é o título da reivindicação (não petição) que change.org nos ajudou a difundir na Itália a partir de 20 de novembro (ver aqui): uma inversão da perspectiva humana “queremos a água como um bem comum público mundial e fora da Bolsa de valores”. Ontem realizamos uma manifestação por “Vamos tirar a água da Bolsa de Valores” na Praça de Luxemburgo, em Bruxelas, diante do Parlamento Europeu, e ontem à tarde na Place de la Bourse, em Paris, e em Montreal (hora local). Quinta-feira, 9 de manhã, haverá a manifestação em Milão, na Piazza Affari e à tarde em Roma perto do Parlamento.
O que é de grande encorajamento, além da satisfação, é que em apenas 13 dias, a partir de 20 de novembro, quase 50.000 homens e mulheres de nosso país colocaram sua assinatura para uma inversão das crenças culturais e sociais e das escolhas econômicas e políticas que hoje imperam. Em primeiro lugar, uma inversão dos critérios de definição do valor das coisas, da vida. Os signatários repudiaram a crença imposta por grupos sociais dominantes de que o preço de mercado define o valor de uma árvore, de uma vacina, de um conhecimento científico, de uma inovação social, de um rebanho de ovelhas, de um jogador de futebol, de uma trabalhadora em Haia, de um professor do ensino fundamental, de um metro cúbico de água potável.
Apoiar a ideia de que o preço da água, bem natural essencial para a vida, não pode ser reduzido ao seu preço de propriedade e de consumo, representa um forte tapa na cara dos dominantes. Eles impuseram a tese de que não existem mais direitos à água, à saúde, à moradia, à educação, à liberdade. Mas a capacidade de acesso de forma justa e a preço acessível à água, à saúde, à moradia e à informação digital. Segundo eles, um preço é “acessível”, especialmente no sentido de que deve ser tal que permita um nível "justo" de lucro para o capital investido!
Em segundo lugar, uma inversão quanto à dimensão histórica da vida da qual partir para definir e reorganizar as relações entre, em breve, os 9 bilhões de pessoas que habitarão a Terra junto com os outros bilhões, muito mais numerosos, de seres vivos (micróbios, plantas, animais). A reivindicação defende que a água deve ser tratada como um bem comum mundial, e não apenas europeu, russo, africano-subsaariano, médio-oriental, EUA, italiano, queniano, bengali, coreano, costarriquenho, israelense ou turco. Ao assinar, os cidadãos expressaram uma consciência nova e concreta da condição humana, ou seja, a natureza mundial efetiva da comunidade de existência e de devir da vida da Terra.
A água é mundial e assim deve ser (devemos aprender) o governo da política da água hoje nas mãos dos grupos oligárquicos das grandes companhias multinacionais da água, com a colocação na Bolsa da água, dos fundos de investimento especulativos globais.
Além disso, os signatários aderiram à afirmação de que a água é um bem comum mundial público. É preciso ter inconsciência ou convicção deliberada para reivindicar essa escolha em uma época em que os grupos sociais dominantes conseguiram demolir o conceito de público (especialmente o estatal).
A água pública foi eliminada da linguagem corrente e é cada vez menos parte da narrativa ética, social e política da vida.
Assim, algo que parecia impossível, os signatários repudiaram o princípio aceito por muitos governos e poderes públicos de que não se pode lutar contra a tomada de controle mundial da vida por parte das finanças privadas. Para muitos, questionar o poder das finanças privadas e, em particular, dos operadores na Bolsa de valores é irreal e é uma veleidade, digna de Dom Quixote. Pois bem, quase 50.000 mulheres e homens na Itália começaram uma nova batalha.
Desde 25 de outubro, a batalha tornou-se ainda mais necessária e dura. Sob a pressão e iniciativa do fundo de investimento mais poderoso do mundo, Black Rock, a Bolsa de Valores de Nova York ("Wall Street") decidiu criar uma nova classe de ativos financeiros, os Ativos Naturais (Natural Assets), geridos por uma nova categoria de empresas, as NAC (Natural Assets Companies).
Segundo a proposta da Black Rock, trata-se de gerir 30% do mundo natural da terra por meio dos mecanismos das transações financeiras na bolsa, a chamada "monetização da natureza". Que belo projeto. As 50.000 assinaturas são um grande sopro de oxigênio cultural e político para "devolver" um sentido "espiritual", ético e social à vida. Representam um pequeno passo num longo percurso coletivo mundial sob a insígnia do "valor não é um preço".
[1] O texto é dedicado às centenas de pessoas do Piemonte à Sicília que colaboraram com a campanha de coleta de assinatura "Vamos tirar a água da Bolsa de Valores" em change.org.
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O valor não é um preço. Tirar a água da Bolsa. Artigo de Riccardo Petrella - Instituto Humanitas Unisinos - IHU