A pandemia veio alertar que não dá mais ser como era. Há que se ter menos desigualdade em todos os planos. A quarta onda só confirma isto. A África até aqui parecia não fazer parte do planeta. Os ricos não se preocuparam e o troço veio.
OMICRON X VACINA
1- Enquanto a vacina demora para ser atualizada, produzida, negociada e distribuída,
1.1- sem falar que sequer chega aos países pobres,
2- o vírus é mais rápido e eficiente no seu "upgrade": mutação, contágio e propagação mundial.
2.2- E faz a festa onde a vacina não existe.
3- Quem foi mesmo que alimentou a esperança de volta ao normal?
4- Bem que ela estava surgindo. Não sei se se sustenta.
Veremos.
Na Flip, plantas saem da periferia e ocupam o centro da criação literária
HERMANO VIANNA
Este é o primeiro fim de semana da Flip 2021, que só termina no domingo que vem, dia 5 de dezembro. Muitas mudanças nesta edição. Uma delas é a existência de um coletivo curatorial (do qual faço parte). Outra novidade: todas as mesas de debates são variações, bem diversas, em torno de um único tema, "Nhe´éry, literatura e plantas".
Salvo engano, é o primeiro grande evento literário internacional a dedicar a totalidade de sua programação para investigar as relações entre a imaginação artística e a sensibilidade (sim, sensibilidade) vegetal.
Encontros e seminários de uma nova corrente conhecida como ecocrítica têm abordado com mais atenção a presença de animais na ficção, poesia e mitologia de diferentes culturas humanas. Exemplo: nos estudos sobre a obra de Guimarães Rosa, as onças ganham muito mais destaque que os buritis.
Essa situação de ineditismo tem vantagem, que pode ser considerada dádiva. Costumo repetir que, desde que começou minha pesquisa nessa curadoria, ganhei novamente minha biblioteca. Cada releitura tem a emoção da primeira vez.
Escrevi um artigo para o livro da Flip 2021, tentando perceber se havia algo de "virada vegetal" nas primeiras movimentações do modernismo brasileiro. Teste: leia o "Manifesto da Poesia Pau-Brasil" ou os diálogos entre Milkau e Lentz, em "Canaã" de Graça Aranha (sim, antes da Semana), depois de ter tido contato com as ideias de Emanuele Coccia ou as pesquisas de Stefano Mancuso (pensadores que falam, respectivamente, nos último e primeiro dias dessa Flip) — todas as palavras ficam novas em "folha".
Outra vantagem nossa: as aventuras modernistas no início do século passado, mesmo com as viagens de Mário de Andrade ou de Elsie Houston e Benjamin Péret, tinham contato indireto, via sobretudo livros de Couto de Magalhães ou Koch-Grünberg, com a imensa complexidade dos pensamentos dos povos indígenas que habitam o território brasileiro.
Hoje, temos acesso a uma produção cada vez maior de intelectuais indígenas, com ensinamentos extremamente "de vanguarda", mesmo sendo muitas vezes "ancestrais", sobre as plantas, com métodos rigorosos para evitar antropocentrismos.
Um guia essencial para o trabalho curatorial foi Carlos Papá, cineasta e liderança (também espiritual) guarani. O tema da Flip é totalmente geolocalizado. É literatura e plantas, mas a partir do "ponto de vida" (como sugere Emanuele Coccia) das plantas das florestas específicas da região de Paraty.
Carlos Papá nos ensinou que, para o povo guarani, a mata atlântica é nhe’éry, "lugar onde as almas se banham". Ou se purificam. Portanto, é território sagrado para as culturas de quem vive ali, ou de quem procura ali, ou desvenda ali, as trilhas para a "terra sem mal".
Ouço Dona Ivone Lara cantando. Eu vim de lá pequenininho. Para entrar na nhe’éry, devemos pisar muito devagarinho. Sem afobação, correria. Com cuidado e respeito. Como em qualquer templo.
Por isso, a Flip começa com ritual guarani. As plantas saem da periferia para ocupar o centro protagonista da criação literária (o baobá de Véronique Tadjo, a figueira de Elif Shafak etc.). Indígenas de Paraty saem da periferia do município para ocupar, com cantos e rezas, a praça da Matriz, onde havia uma aldeia indígena antes da fundação da cidade.
Tudo precisa ser feito com distanciamento, sem multidão, com testes —o que é possível e seguro fazer agora, ainda na pandemia. Mas o que importa é a "eficácia simbólica". E a permissão.
Povos indígenas que enfrentaram e enfrentam os mais de 500 anos de história colonizadora violenta. E hoje são tratados também com outras formas de preconceito: duvida-se de sua "autenticidade", afirma-se que não são verdadeiramente daquele território, que chegaram "depois" (quando na verdade a migração sempre foi comum em suas histórias).
Na praça da Matriz de Paraty, na abertura da Flip, seu recado será dado com voz e palavras, as ferramentas principais da literatura.
Só assim, a mensagem e a missão da Flip 2021, no meio da ameaça da catástrofe climática (carregada de injustiça social), estarão bem "fundamentadas". Afinal, tudo é uma grande ousadia. Contra a exigência de que eventos culturais do "Sul Global" sigam as ordens das instâncias de consagração (premiações, revistas de prestígio, prioridades editoriais etc.) do "Norte" ocidental.
Utopia desesperada: queremos pensar por conta própria, com estilo próprio, contra todos os cada vez maiores problemas explícitos. Mas nada paroquial: estabelecendo sempre contatos diretos com culturas do mundo todo. Alguém cantando: "A dor / Define nossa vida toda / Mas estes passos lançam moda / E dirão ao mundo por onde ir".
Hermano Vianna, Antropólogo, escreve no blog hermanovianna.wordpress.com.
FSP 27.11.2021
Humanidade será extinta se não compreender as plantas, diz botânico na Flip 2021
O povo guarani mbya abriu a Festa Literária Internacional de Paraty de 2021, a Flip, com cerimônia em homenagem à mata atlântica.
"A reza é para que toda a sociedade perceba a importância do respeito com todas as formas de vida", explicou a educadora Cristine Takuá na abertura do evento
"As crianças guaranis seguem rezando todos os dias na opy, a casa de reza, para que esse conhecimento seja passado e conservado, para que nunca deixe de existir."
Ela e a liderança indígena Carlos Papá conduziram a cerimônia, que começou às 16h deste sábado e foi transmitida no YouTube.
A festa trouxe ao centro o conceito de "Nhe’éry", termo que significa "onde as almas se banham" e é usado pelo povo guarani para designar a mata atlântica, bioma em meio ao qual está a cidade de Paraty.
Um coral com crianças entoou os cantos na praça da Matriz, onde havia aldeias indígenas antes da fundação da cidade.
"Paraty está no centro de Nhe’éry, temos uma floresta preservada. E são esses valores têm que ser resgatados", afirmou Mauro Munhoz, diretor artístico da festa, que também participou da abertura.
Após a cerimônia, Carlos Papá explicou que os guaranis cantaram para trazer força para o meio onde estão e para que as pessoas conheçam e passem a defender a mata atlântica.
"Estamos aqui em busca de uma vida melhor não somente para humanos, mas para os seres vivos que pertencem o Nhe’éry, a mata atlântica, onde tem insetos, pássaros, animais, água", afirmou ele.
A fala da liderança indígena dialoga com a proposta curatorial desta edição da Flip, a segunda virtual consecutiva em razão das restrições sanitárias da pandemia.
Já na mesa "Literatura e Plantas", transmitida a partir das 18h, o botânico italiano Stefano Mancuso, que publicou "A Planta do Mundo" e "A Revolução das Plantas" pela editora Ubu, conversou com Evando Nascimento, um dos curadores do evento, que é pioneiro na pesquisa sobre literatura pelo viés das plantas e acaba de lançar pela Record "O Pensamento Vegetal". A mediação foi da poeta e tradutora Prisca Agustoni.
Mancuso lembrou que a paixão pelas plantas surgiu já na fase adulta, durante seu doutorado. O botânico entende que, para quem não cresceu em um ambiente rodeado pelas plantas, esse amor só existe a partir do entendimento dessa forma de vida complexa. "Precisamos entender como as plantas conseguem imaginar, sentir, pensar. Se não, vamos continuar usar o termo ‘vegetal’ como um estado em que não se percebe mais o ambiente. Isso é uma loucura, é exatamente o contrário do que elas são", diz.
Já Nascimento lembra da influência da poesia de Drummond e das obras de Nietzsche para se reaproximar desse universo vegetal que estava muito presente em sua cidade natal, Camacã, zona rural da Bahia, bem como de sua experiência com autores de uma ciência renovada e aberta para essa sensibilidade.
"Os grandes cientistas precisam ser um pouco artistas, abrindo a percepção para o mundo. Os pesquisadores hoje passam todo o tempo na literatura científica, mas por mais precisa e metódica que seja, ela não dá acesso a mudanças de perspectiva", complementa Mancuso, que se disse influenciado pelo pintor brasileiro Luiz Zerbini, e pela sua técnica da monotipia para estudar os vegetais.
Da mesma forma, Nascimento, que foi aluno do filósofo Jacques Derrida (1930-2004), reconheceu ter sido por muito tempo reticente com a ciência positivista. No entanto, se deixou tocar por autores que resgatam a beleza do mundo vegetal. "Meu pulso se liga às raízes das árvores", cita o professor, lembrando o romance "Água Viva", de Clarice Lispector.
Ele lembra ainda de aspectos mais objetivos desses seres —"as santas a quem ninguém reza", segundo Alberto Caeiro —,fundamentais para nutrir nossos corpos, regular o clima, fornecer oxigênio e entre tantos outros aspectos.
"Todos os animais juntos representam apenas 0,3% da biomassa do planeta, enquanto as plantas são 86% dessa vida", lembra Mancuso. Para ele, não considerar as plantas como seres com inteligência é só um exemplo da estupidez e da falta de humildade do homem.
"Nossa espécie é jovem, temos 300 mil anos. Por que nos percebemos melhores que os outros seres vivos? Se a nossa espécie desaparecer, tudo que fizemos —da "Divina Comédia" à teoria da relatividade — também sumiria. Não ia interessar a ninguém".
O professor aponta que a vida média de uma espécie na Terra é de 5 milhões de anos. "Será que vamos viver mais 4,7 milhões de anos?", provoca Mancuso, chamando atenção para os aspectos globais que ameaçam a humanidade.
"Nós somos excepcionais cognitivamente, mas se nós nos destruirmos, será por pura burrice", resume Nascimento. E enquanto a sobrevivência da espécie acaba dependendo de decisões políticas, o professor lembra também do seu trabalho atual de uma "fitoescrita" — uma literatura ligada às plantas —, em que ele adiciona desenhos realistas de folhas (que ele chama de "fósseis") às suas produções.
"Eu trabalho com a ideia da pegada, do rastro vegetal, usando grafite, e misturo influências dos grafismos indígenas e das pinturas chinesas. Meu desejo é quebrar a representação clássica entre imagem e texto". Nesse sentido, ele se considera não alguém que "dá voz às plantas", mas um "ventríloquo", que as deixa passar pelo seu corpo.
Ele aponta ainda que devemos considera-las como irmãs. "Estamos em um momento de espalhar as sementes", diz. "O que vai sobrar daqui há milênios são nossas ruínas, tomadas pelas plantas. Ou agora nós tomamos a decisão de preservar a vegetação e os animais, ou nós seremos uma espécie extinta, que só deixou registros", conclui Nascimento.
Pela primeira vez na história, a organização da Flip elegeu um tema geral para a festa em vez de um autor homenageado. A programação toda gira em torno da relação da literatura com as plantas e a floresta.
As 19 mesas da programação, que se estendem por nove dias seguidos até 5 de dezembro, poderão ser vistas gratuitamente pelo canal do YouTube da Flip.
FSP 27.11.2021
Tenho acompanhado com muito carinho a produção e reflexão de Evando Nascimento, que foi professor aqui em Juiz de Fora no Departamento de Letras. O seu livro sobre Clarice Lispector (Clarice Lispector: uma literatura pensante) foi fascinante para mim. Uma leitura essencial para tratar desse candente tema da literatura e animalidade.
Já ali pude perceber a visão cristalina de Evando que, a partir de Clarice, levanta sérios questionamentos aos limites do humano. Apresenta a questão da animalidade, do não humano, como passo essencial para a ultrapassagem das barreiras impostas pela civilização ocidental no seu afã de progresso e desenvolvimento. Para Evando, com razão, a literatura de Clarice volta-se para uma "zoografia ficcional" em que coloca em questão os limites da tradição humanista.
Em Água viva, por exemplo, Clarice fala em apelo ou chamado. Clarice sublinha que "não ter nascido bicho" é sua "secreta nostalgia". Na obra "Paixão segundo G.H." ela responde ao chamado, em passagem maravilhosa:
"Como se uma mulher tranquila tivesse simplesmente sido chamada e tranquilamente largasse o bordado na cadeira, se erguesse, e sem uma palavra - abandonando su vida, renegando bordado, amor e alma já feita - sem uma palavra essa mulher se pusesse calmamente de quatro, começasse a engatinhar e a se arrastar com olhos brilhantes e tranquilos: é que a vida anterior a reclamara, e ela fora".
Também Guimarães Rosa, em página sublime, fala do onceiro que se vê chamado à origem e vai se transformando em animal. Isto está no esplêndido conto Meu tio Iauaretê, de "Estas histórias". O onceiro foi sendo tomado pela "vontade doida de virar onça", e vai sentindo aquela câimbra estranha, que tomava o corpo todo. Aquela onça que urrava calada dentro dele. E de maneira extraordinária relata que a onça só pensa numa coisa: "Que tá tudo bonito, bom, bonito, bom, sem esbarrar". Ela pode até sair de sua tranquilidade, quando irritada, mas depois, quando tudo fica quieto novamente, ela "torna a pensar igual, feito em antes...".
Voltando à entrevista com Evando Nascimento, ele sublinha que "a verdadeira inteligência hoje está no modo como nos relacionamos com as alteridades vizinhas, plantas e animais", todos colaborando para a nossa sobrevivência.
O autor reivindica o "lugar da fala" para os vegetais, rompendo com a imagem tradicional que os aprisiona na ideia de "cidadãos de terceira classe entre os viventes". O próprio verbo "vegetar" vem utilizado ironicamente para traduzir "uma vida em estado mórbido ou de coma".
Evando tece uma violenta crítica a Bolsonaro, que disse nesses tempos não se interessar por índio, nem pela "porra da árvore", mas, sim, ao garimpo. Para Evando, trata-se da mais violenta forma de "fitofobia", que cresce em determinados setores do agro-negócio.
O escritor fala da "virada animal" que ocorre em tempos recentes, e agora na "virada vegetal", que é inclusive o tema da FLIP 2021. Evando nos diz ser impossível retornar ao estado antropocêntrico anterior. Há algo de novo e urgente em curso. Sublinha que "o antropocentrismo que rege nossas vidas humanas foi posto em questão". Livros como os de Davi Kopenawa e Ailton Krenak são exemplos vivos dessa nova reflexão, reanimada pelo animismo.
Sublinha ainda, com razão, que "nas próximas décadas, todos esses saberes não ocidentais que foram sempre reprimidos, vão ter grande influência para as humanidades".
Evando fala de autores importantes que tocam nessa essencial questão da "virada vegetal", como o botânico italiano, Stefano Mancuso. Assinala: "O rebaixamento ocidental em relação às plantas, o que chamo de fitofobia (horror ou desprezo pelas plantas) é estrutural e narcisista: elas não se parecem conosco, portanto achamos que não têm propriamente vida nem muito menos inteligência".
Muito rica a citação que o escritor faz de Anthony Trewavas, um cientista britânico, que identifica a inteligência como a "capacidade de adaptação e de sobrevivência". Enquanto os humanos foram "perdendo" sua inteligência a partir do advento da revolução industrial, assumindo a função de predadores do mundo animal, vegetal e mineral, as plantas revelam, ao contrário, uma impressionante capacidade de adaptação e reprodução.
A entrevista com Evando Nascimento, publicado no O Globo de 26/11/2026:
Ao GLOBO, Nascimento explicou como o mundo vegetal pode nos ajudar a reformular nossa concepção de inteligência.
— Nossa concepção de inteligência é individualista. Já as plantas pensam e agem coletivamente. Para mim, a verdadeira inteligência hoje está no modo como nos relacionamos com as alteridades vizinhas, plantas e animais, colaborando para que sobrevivamos todos — diz.
Numa das coletivas de apresentação da Flip, você disse: “nosso lugar de fala é vegetal”. O que isso quer dizer?
Considero a reivindicação do “lugar de fala” relevante, desde que não seja abusiva. A expressão sinaliza o desejo que os negros têm de serem ouvidos e de não continuarem a ser apenas representados por pessoas que não tiveram a experiência deles, boa ou ruim. Isso não implica calar outras falas, como se tornou uma opinião generalizada e irrefletida. Ao dizer “nosso lugar de fala é vegetal”, me referia ao fato de que a Flip ocorre em Paraty, uma região de Mata Atlântica. Também quis apontar que os vegetais são cidadãos de terceira classe entre os viventes. Mais ainda do que os tão maltratados animais, as árvores são
abatidas sem dó, porque não contra-atacam nem gritam. São existências fragilizadas ainda mais pelos poderes neofascistas. Em 2019, Bolsonaro disse que não lhe interessava nem o índio nem “a porra da árvore”, mas o garimpo. Essa é a expressão mais bem acabada de “fitofobia”. As plantas vivem uma situação muito semelhante à dos indígenas, dos negros e dos mestiços pobres, basta ver a atuação da polícia carioca.
O que é a “virada vegetal”?
Nas últimas décadas, houve algumas “viradas” culturais importantes, como a “virada pós-humana”, que se caracterizou por uma reflexão sobre a relação dos homens com as máquinas, a “virada animal”, que sublinhou a necessidade de repensarmos a nossa relação com esses outros viventes e a violência que lhes impingimos, e, mais recentemente, a “virada vegetal”. Não gosto da palavra “virada”, por vários motivos, o principal é que parece um fenômeno de moda. E não é. Nesses três exemplos, algo foi aprendido e é impossível retornar ao estado anterior. O antropocentrismo que rege nossas vidas humanas foi posto em questão. No entanto, a virada vegetal só é nova se se leva em conta apenas as culturas ocidentais. Para outros povos, não há novidade alguma. Os livros publicados por Davi Kopenawa e Ailton Krenak demonstram isso. Diversos saberes ameríndios e africanos têm outra concepção da existência, não separando radicalmente a espécie humana das outras. Nas próximas décadas, todos esses saberes não ocidentais, que foram sempre reprimidos, vão ter grande influência para as humanidades.
Por que temos mais facilidade em reconhecer a inteligência das máquinas do que a das plantas?
Cada vez mais os cientistas nos convencem de que as máquinas podem ter uma inteligência tão sofisticada quanto os humanos. Até a muitas espécies animais se atribui inteligência, como corvos, golfinhos e cães. Certamente porque, de algum modo, os bichos nos assemelham. Já as plantas não têm quase nenhum órgão que se pareça com os nossos. Parecem imóveis, quase sem vida..Certamente foi por essa aparência enganosa que o verbo “vegetar”, que na origem tinha um significado positivo (animar, vivificar) passou a significar uma vida em estado mórbido ou de coma. Ao longo da história ocidental os vegetais foram tratados como cidadãos de terceira classe: em primeiro lugar estão os humanos, em seguida os animais e por fim vêm as plantas. Botânicos contemporâneos têm provado com seus experimentos que as plantas são dotadas de uma inteligência e de uma sensibilidade que nada devem às de outras espécies. O italiano Stefano Mancuso tem um importante laboratório de neurobiologia vegetal, no qual faz diversos experimentos para demonstrar a capacidade incrível dos vegetais de resolverem problemas sofisticados. O rebaixamento ocidental em relação às plantas, o que chamo de fitofobia (horror ou desprezo pelas plantas) é estrutural e narcisista: elas não se parecem conosco, portanto achamos que não têm propriamente vida nem muito menos inteligência.
As plantas propõem uma outra concepção de inteligência?
Anthony Trewavas (cientista britânico) defende que a inteligência de uma espécie está ligada a sua capacidade de adaptação e de sobrevivência. Até determinado momento de sua história, a espécie humana demonstrou grande inteligência, adaptando-se e sobrevivendo nas regiões mais difíceis do planeta. No entanto, com o advento da revolução industrial, passamos a destruir aquilo de que dependemos para sobreviver: as florestas e os animais. Do lado das plantas, nada disso acontece. Sua capacidade de adaptação e de reprodução nos superam em grande medida. Nossa concepção de inteligência é individualista. Já as plantas pensam e agem coletivamente. Para mim, a verdadeira inteligência hoje está no modo como nos relacionamos com as alteridades vizinhas, plantas e animais, colaborando para que sobrevivamos todos.
Em “O pensamento vegetal”, você se debruça sobre a filosofia, a literatura e as artes em geral. Esses campos do saber são mais apropriados para descobrir o que pensam as plantas?
Não é que eles sejam mais apropriados, mas também sua contribuição a dar no debate. Filósofos, artistas e escritores têm produzidos trabalhos admiráveis nas últimas seis décadas, que servem para abalar os preconceitos antropocêntricos. Na filosofia, isso já começou com o “mais-que-humano” (Übermensch) de Nietzsche, e foi reinterpretado pelos pensadores da década de 1960 em diante. Mais recentemente, Emanuele Coccia e Michael Marder têm dado uma contribuição fundamental para redimensionar a existência das plantas. Nas artes, cito dois brasileiros de grande relevância para as reflexões clorofílicas: Frans Krajcberg e Luiz Zerbini. Krajcberg não só desenvolveu um vasto conjunto de obras a partir de resíduos vegetais como também se tornou um grande “artivista”, usando sua arte em defesa da Amazônia, do Pantanal e da Mata Atlântica. Exercitou o “artivismo” muito antes de o indígena Jaider Esbell tê-lo colocado na ordem do dia. A morte de Esbell foi trágica, entre tantos motivos, por ele desenvolver um trabalho decisivo para essa “virada vegetal”, expondo o modo como as culturas indígenas jamais desqualificaram as outras espécies como menos inteligentes do que a nossa. Uma perda irreparável.
Qual é a relação da literatura com as plantas?
Meus primeiros textos sobre literatura e plantas foram escritos a partir de poemas de Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa) e da ficção de Clarice Lispector. Nesses dois autores, destaquei uma relação empática com a flora. “O Guardador de rebanhos”, de Caeiro, é um lindíssimo poema em que ele questiona nossa relação abstrata com as plantas, defendendo a superioridade delas. Por exemplo: “Ah, como os mais simples dos homens/ São doentes e confusos e estúpidos/ Ao pé da clara simplicidade/ E saúde em existir/ Das árvores e das plantas!”. E a certa altura ele fala de “minhas irmãs as plantas”. Acho isso de uma força extraordinária: ao contrário da tradição metafísica ocidental, que tudo fez para separar os humanos das outras espécies, ele nos irmana aos vegetais. Já Clarice Lispector tem inúmeros textos em que as plantas são protagonistas. O mais conhecido de todos é sem dúvida o conto “Amor”, em que uma dona de casa típica dos anos 1950 fica perturbada ao ver no ponto de ônibus um cego mascando chicletes e acaba indo parar no Jardim Botânico do Rio, onde terá uma experiência de êxtase, em tudo distinta de sua vida cotidiana.
Que outros autores dão atenção especial às plantas?
Diversos escritores contemporâneos, em particular poetas mulheres, têm publicado livros notáveis, como é o caso de Louise Glück, vencedora do Nobel, autora do belo “The Wild Iris” (O lírio selvagem). No Brasil, temos Ana Martins Marques, “O livro dos jardins”, em que fala de girassóis, dentes-de-leão e cactos, mas também homenageia mulheres poetas como Sylvia Plath e Orides Fontela, oferecendo-lhes jardins líricos. Também cito Edimilson de Almeida Pereira, Josely Vianna Baptista, Leonardo Fróes, Júlia Hansen, Sérgio Medeiros e outros que também têm publicado textos em que temas vegetais comparecem. Ferreira Gullar também publicou um denso poema intitulado “A planta” em sua última coletânea. Em todos esses casos, ao tematizar as plantas, o texto literário amplia nossa sensibilidade para esses vizinhos cuja existência a maior parte do tempo ignoramos.
Você afirma que a urgência da publicação de “O pensamento vegetal” se deveu sobretudo “à tomada de poder pela extrema-direita no Brasil”, que “oficializou a necropolítica”. Qual a relevância política do pensamento vegetal?
Qualquer coisa que se faça hoje para defender a vegetação no planeta, bem como os animais que nela se abrigam, é uma atitude política em sentido estrito. “Política” vem do grego “pólis”, que significa “cidade”. Seria então preciso pensar uma pólis mais respeitosa com as outras formas de vida. Com o governo de extrema-direita, passou-se de uma política oficial protecionista da Amazônia, da Mata Atlântica e do Pantanal para uma política de incentivo à devastação, por meio da grilagem, do desflorestamento para usar os terrenos como pasto e da garimpagem ilegal, que é altamente poluidora. É o que chamo de “fitocídio”, a destruição em massa das plantas, que se junta ao genocídio indígena e afrodescendente. A política oficial agora é: quanto mais essas vidas forem precarizadas, melhor – até o ponto da aniquilação.
En tiempos de smartworkerizacion y desaparicion del trabajo y del trabajador como lo conocemos, fisico y humano, es importante atreverse aprender a pensar de otro modo:
"El próximo viernes 3 de diciembre, a las 15:00 (Brasil), estaremos con Eduardo Mariutti y su grupo de estudios, para hablar de la cibernética con características chinas, el verano de la inteligencia artificial, el neoliberalismo como ciencia del control (de sí y la ciudad), la ecología informacional planetaria y nuevas perspectivas sobre la crítica de la economía política en tiempos de hipercomputación. Se movilizarán obras de autores como Foucault, Deleuze, Hayek, William Stanley Jevons, Rolf Landauer, Von Neumann, N. Wiener, W. Burroughs, C. Shannon, Bateson, Katherine Hayles, Philip Mirowski, Matteo Pasquinelli y muchos otros..."
Na próxima sexta-feira, 3 de dezembro, às 15:00 (Brasil), estaremos com Eduardo Mariutti e sua gangue de estudos, para falarmos de cibernética com características chinesas, o verão da inteligência artificial, neoliberalismo enquanto ciência do controle (de si e da cidade), ecologia planetária informacional e as novas perspectivas da crítica à economia política em tempos de hipercomputação. Serão mobilizadas as obras de autores como Foucault, Deleuze, Hayek, William Stanley Jevons, Rolf Landauer, Von Neumann, N. Wiener, W. Burroughs, C. Shannon, Bateson, Katherine Hayles, Philip Mirowski, Matteo Pasquinelli e muitos outros.
O artigo de Bruno Vaiano na Revista Questão de Ciência explora mais uma das fragilidades decorrentes dos caminhos tomados pela produção e comunicação científicas. Desconfio de que algumas práticas dos chamados moinhos de papel de artigos falsos também sejam usadas em artigos legítimos para inflar o número de publicações. Como em um post mais abaixo, sobre uma dessas organizações que "assessoram" pesquisadores. Era de dicas de como publicar 50 artigos por ano. Legitimamente.
Excelente vídeo do estudante Gabriel Zappelini, bolsista de Iniciação Científica Jr que se dedicou a estudar textos de Platão sobre a Educação, evidenciando a importância da Filosofia para a formação de cidadãs e cidadãos em nossa democracia, inclusive no Ensino Médio.
Um domingo com sabor muito especial. Hoje aniversaria o meu filho Pedro, que é a alegria na nossa vida, com sua delicadeza, seu entusiasmo, empenho e alegria. Encanto-me ao ver sua dedicação ao Departamento de Letras na UFJF, onde é professor, seu carinho com os alunos, seu amor ao italiano e à canção popular brasileira, e em especial a Caetano Veloso. Esses são seus dois amores acadêmicos. Os frutos de sua atuação vamos vendo se irradiar por diversos cantos, como no IHU (Unisinos), com o seu trabalho de cooperação na organização de revistas em torno à temática da MPB, como recentemente sobre Caetano Veloso, que além de objeto de sua tese doutoral foi também foi o tema de um curso muito elogiado no IHU. Destaco ainda seu carinho com a Divina Comédia, de Dante, que igualmente vai ser objeto de outro curso no IHU em 2022. Na família, revela-se um pai dedicado e carinhoso, com uma atenção bonita às lindas meninas que gerou: Lis e Iara. Duas preciosidades que nos encantam com seus dons e alegria. Vai Pedro, ser peregrino por esse tempo, que você tanto gosta e canta. Na vida, o que vale mesmo é não deixar passar as brechas essenciais de cada minuto, pontuando-o com arte, sabedoria e esperança.
Parabéns por seus 41 anos de idade. Que venham tantos outros, repletos de luz e amor.
LEITURA COMUNITÁRIA DA BÍBLIA
Tenho tido a oportunidade de caminhar com a comunidade de fé a partir da leitura comunitária da Bíblia, mais especificamente o Novo (Segundo) Testamento. Tem sido uma experiência significativa, principalmente quando um texto é percebido, abordado, entendido de maneira comunitária.
Assim, percebo também o quanto a nossa gente ignora a leitura da Bíblia de maneira coerente com o seu conteúdo a partir dos primeiros ouvintes/leitores. Os responsáveis por essa falta de leitura bíblica a partir do chão das primeiras comunidades e testemunhas de Jesus para nós hoje são, na sua grande maioria, os pastores. Primeiro, porque muitos não sabem quase nada da Bíblia mesmo; segundo, porque aprenderam a ver "doutrinas" nos textos bíblicos e esses óculos já se confundiram com os próprios olhos.
A leitura comunitária da Bíblia liberta!
Vejo que Bolsonaro mandou prender uma senhora que o chamou de "noivinha do Aristides".
Aristides era o professor de judô na Academia Militar na época em que Bolsonaro andou por lá.
Não sei não, mas acho que o presidente passou recibo.
Felizmente, o moderado candidato de centro-esquerda chileno, Gabriel Boric abre mais de 15 pontos de vantagem no segundo turno sobre Kast, de extrema-direita. Confesso que estava receoso. Os números são da pesquisa Pulso Ciudadano, feito pela empresa Activa Research.
De acordo com a pesquisa, Boric tem 40,4% das intenções de voto contra 24,5% de José Antonio Kast. Nulos perfazem 6,9%; indecisos são 15,5% e abstenções seriam 12,7% (se as eleições fossem hoje).