12 Novembro 2021
Atopias e plutopias correm o risco de enterrar para sempre no passado todos os ideais de justiça e de confiança no Estado de direito. Nas distopias de hoje, o digital mostra talvez o seu rosto mais sombrio e ameaçador.
A opinião é de Paolo Benanti, teólogo e frei franciscano da Terceira Ordem Regular, professor da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e acadêmico da Pontifícia Academia para a Vida.
O artigo foi publicado por Avvenire, 11-11-2021. A tradução é de Anne Ledur Machado.
Uma foto que apareceu recentemente em vários jornais globais mostrou o embaixador do Reino Unido e da Irlanda do Norte na República de Honduras, Nick Whittingham, visitando a ilha de Roatan para ver um novo projeto que une digital, indústria e política: Próspera.
Segundo os proprietários, a visão de Próspera é criar um novo paradigma para as oportunidades e os postos de trabalho no país: um destino comercial e de desenvolvimento multiuso completamente integrado, baseado nos princípios do conhecimento, da inovação, do bem-estar e da qualidade de vida.
Nascida da visão futurista de dois libertários tecnológicos, Próspera será uma cidade inteligente voltada para um dos mais belos mares do mundo, interconectada e hipermoderna, embelezada com edifícios futuristas e com uma peculiaridade fundamental: apesar de estar em território hondurenho, será como uma cidade-Estado independente, de gestão privada, ou seja, governada por investidores privados, que podem escrever leis e regulamentos, projetar o sistema judiciário e gerir as forças policiais.
De acordo com os fundadores, o projeto oferece uma abordagem visionária à governança com um marco jurídico e normativo pró-negócios, baseado nas melhores práticas de outras zonas econômicas especiais de sucesso em todo o mundo, projetado para atrair investimentos estrangeiros, garantindo, ao mesmo tempo, os direitos humanos e a sustentabilidade ambiental.
A dureza da realidade e as crescentes desigualdades caracterizaram o uso precoce do digital, tornando-o uma via de fuga do mundo. Com o presente tão desordenado, as pessoas encontraram controle e alívio na construção de mundos alternativos em jogos de simulação virtual como Second Life, The Sims e Animal Crossing. E, agora, com o anúncio da Meta, o metaverso de Zuckerberg: um lugar a ser construído e inventado para fugir de uma realidade que nos decepciona.
Com a pandemia, acelerou-se outro processo de digitalização: a substituição da presença. O distanciamento social limitou a disseminação do coronavírus, mas também mudou os modelos de comunicação. Próspera e Meta denunciam a fraqueza e a fragilidade do paradigma democrático, revelam o sonho ideológico dos tecnocratas do digital e interrogam os nossos corações sobre qual realmente queremos que seja o futuro moldado pela inovação.
Atopias e plutopias correm o risco de enterrar para sempre no passado todos os ideais de justiça e de confiança no Estado de direito. Nas distopias de hoje, o digital mostra talvez o seu rosto mais sombrio e ameaçador. Surge, assim, um horizonte de ideologia digital sobre a vida, não mais feita para viver em um lugar e uma história. A vida biológica torna-se uma “vida que vale a pena” quando a encerramos em uma plutopia, um lugar apenas para os ricos, ou em uma atopia, uma vida sem lugares nem corpos. Como se aquilo que somos fosse um resíduo biológico a ser eliminado.
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O digital e a substituição da presença. Artigo de Paolo Benanti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU