Solenidade Todos os Santos – Ano B – Subsídio exegético

Foto: Alessandra Caretto | Unsplash

29 Outubro 2024

As bem-aventuranças seguem sempre o mesmo esquema fixo: “bem-aventurados… porque”. Em cada um dos casos, o importante é o “porque”: os que têm fome (de justiça) são felizes, não porque têm fome (de justiça), mas 'porque serão saciados'”.

O subsídio é elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF:

- Dr. Bruno Glaab
- Me. Carlos Rodrigo Dutra
- Dr. Humberto Maiztegui
- Me. Rita de Cácia Ló
Edição: Prof. Dr. Vanildo Luiz Zugno

Leituras

Primeira Leitura: Ap. 7,2-4.9-14
Salmo: Sl 23, 1-4b. 5-6 (R. 6)
Segunda Leitura: 1Jo 3,1-3
Evangelho: Mt 5,1-12a

Eis o texto.

O Evangelho

O evangelho deste domingo encontra-se nos capítulos 5-7 do evangelho de Mateus. Eles formam o “sermão da montanha". Mateus apresenta Jesus como o “novo Moisés” que dá a “nova Torah”.

As bem-aventuranças seguem sempre o mesmo esquema fixo: “bem-aventurados… porque”. Em cada um dos casos, o importante é o “porque”: os que têm fome (de justiça) são felizes, não porque têm fome (de justiça), mas “porque serão saciados”.

Os pobres em espírito...deles é o Reino dos Céus. A frase “pobres em espírito” provocou muita discussão e mal-entendidos. Com certeza não significa “gente ignorante”, também não significa “gente rica que é desapegada dos bens materiais”. Talvez seja mais bem compreendido se invertermos as palavras “bem-aventurado quem tem espírito de pobreza”, isto é, quem age com humildade.

“Deles é o Reino”: porque têm disponibilidade para acolher a nova dinâmica proposta por Jesus.

Os que choram...serão consolados. Os que choram são os aflitos, sem ninguém que os defenda. Desses, o próprio JAVÉ se faz resgatador. Por isso, eles serão consolados.

Os mansos...herdarão a terra. Ser manso não significa ser indiferente, e sim ter autodomínio, conservar-se calmo, tranquilo e confiante na ação salvadora de Deus. A terra é a terra prometida: “herdar a terra” é ter a plena posse das promessas de JAVÉ.

Os que têm fome e sede de justiça...serão saciados. Lembremo-nos que “fazer justiça” para Deus é dar ao ser humano o que ele necessita para viver e ter sentido na sua vida. “Ter fome e sede” dessa justiça não significa ficar só no desejo, mas não se contentar enquanto ela não se realiza, isto é, empenhar-se de modo concreto para que ela aconteça. A perseverança nesse compromisso efetivo será recompensada, isto é, essa fome-sede será saciada.

Os misericordiosos... serão tratados com misericórdia. “Misericórdia” não é só a sensibilidade no coração que nos leva a ter dó do sofrimento de alguém. Em hebraico, o termo correspondente é rahamîm, que vem de rehem, “ventre, útero”; daí que rahamîm é o sentimento que liga a mãe ao filho, é o sentimento de matriz, capaz de gerar ou "regerar" alguém para uma vida nova por meio do perdão e da solidariedade.

 Os que fazem a paz... serão chamados filhos de Deus. A melhor tradução é: “aqueles que fazem a paz”. Acontece que a paz está ligada à justiça; com efeito, esta é uma das promessas messiânicas: “justiça e paz se abraçarão”. Portanto, “fazer a paz” significa não só promover a harmonia e a união entre quem se desentendeu, mas também, e principalmente, dar condições para quem está sofrendo a recomeçar a vida. Eles serão chamados “filhos de Deus”, porque é assim que Deus age: o Pai será reconhecido pela ação de seus filhos.

Os perseguidos por causa da justiça...deles é o Reino dos Céus. A “justiça” de Deus é sinal de seu Reino. Quem faz opção por esse Reino deve saber que há também quem não está interessado que ele venha. Ser “perseguido por causa da justiça” significa enfrentar a oposição de quem é contra o Reino de Deus.

Quando o Reino chegar, quem optou por ele e por ele lutou, este entrará na posse de todos os dons que o Reino traz; quem trabalhou contra será excluído.

Em resumo, as bem-aventuranças descrevem vários aspectos do compromisso com a concretização do Reino de Deus. O importante, porém, é que as bem-aventuranças não são uma lei a ser cumprida na marra, e sim uma proposta, um objetivo que se deve buscar a cada dia, diante de cada nova situação.

Desde já os cristãos são santos, isto é, destinados à vitória contra as forças contrárias ao Reino. Quando Deus visitar o mundo e trouxer a salvação, será manifestada a verdadeira identidade de seus fiéis-filhos, que serão semelhantes a Deus e receberão todos os dons prometidos: a posse do Reino, a consolação, a saciedade de paz e justiça, a vida nova, a intimidade com Deus; em uma palavra, a vida eterna.

Um pouco sobre o Apocalipse de João

A mensagem do livro do Apocalipse pode ser resumida numa frase só: “Não tenham medo!”. Ou seja: não tenham medo porque esse governo que aí está um dia vai cair, nossos perseguidores serão derrotados e nós seremos vitoriosos. Para que isso aconteça, é necessário que estejamos firmes na nossa fé. Por isso, não tenham medo!

A mensagem dos livros apocalípticos é sempre atual e se aplica a qualquer forma de ditadura, de repressão, de perseguição contra a comunidade dos fiéis.

No Apocalipse de João, a comunidade é perseguida pelo Império Romano, que aparece “fantasiado” como um dragão.

A passagem desta celebração

A primeira leitura desta celebração é um bom exemplo da mensagem geral dos livros apocalípticos: “Não tenham medo! Nossos perseguidores vão cair, e nós seremos vitoriosos!”

Vejamos somente alguns detalhes, muito brevemente.

Vv. 2-3: O anjo é a personificação da vingança de Deus: ele (Deus) não abandonará seus fiéis. A destruição será terrível, mas os fiéis perseguidos serão assinalados nas frontes e restarão ilesos. É a realização do “não tenham medo”.

V. 4: 144.000 equivale a 12.000 de cada uma das 12 tribos de Israel. Não é um número exato, mas simbólico: uma enorme multidão, como um exército invencível.

V. 9: Uma multidão incalculável: são os não-israelitas. Devemos notar que o destino de ambos os grupos (os 144.000 e a multidão incalculável) é o mesmo: a libertação. Essa multidão traja “vestes brancas”, que são o símbolo do batismo e, portanto, da pertença à comunidade. Os que vestem branco são os que não se abateram nem abandonaram a fé por causa da perseguição.

V. 10: A salvação pertence ao nosso Deus e ao Cordeiro: são eles que realizam a salvação e a concedem a quem se mantém fiel.

V. 12: Sete coisas que devem ser concedidas a Deus (e só a ele): louvor, glória, sabedoria, ações de graças, honra, poder, força. Era tudo aquilo que o imperador romano exigia que os povos dominados dessem a ele. Esse versículo afirma: só Deus merece esses atributos; nada disso deve ser creditado ao Império Romano e a nenhum ditador de hoje. Por isso, Deus e seus fiéis sairão vitoriosos na batalha.

V. 13: Lavar as vestes no sangue do Cordeiro: tomar parte no seu martírio, derramar sangue por causa da fidelidade a ele. A veste branca não é a roupa de pano, mas o comportamento dos fiéis, que perseveram até as últimas consequências. Essa firmeza lava todos os defeitos do verdadeiro discípulo de Cristo.

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