Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 13º Domingo do Tempo Comum, 27 de junho (Marcos 5,21-43). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O que é a impureza? Quando uma pessoa é impura, isto é, indigna de estar com os outros e com Deus? Quando uma pessoa é “marcada” por uma situação maléfica? E poderíamos continuar fazendo perguntas semelhantes ou paralelas, porque desde sempre essas interrogações emergem nos nossos corações, nas diferentes situações da nossa vida. E as respostas que nós, seres humanos, demos e talvez ainda demos nem sempre refletem a vontade do Criador, os sentimentos de Deus.
Infelizmente, os caminhos religiosos traçados pela humanidade muitas vezes refletem não o pensamento de Deus, mas sim o fruto de sentimentos humanos para os quais se encontraram justificativas como fonte de alienação ou de separação entre os humanos.
Nesses percursos, o sangue, sinal da vida nos animais e nos humanos, atraiu fortemente a atenção sobre si. Cada um de nós nasceu no sangue que flui a partir do útero da mãe e cada um de nós morre quando o seu sangue não corre mais. Eis, então, a esse respeito, a Lei e as leis: o sangue que sai de uma mulher na menstruação ou no nascimento de um filho a torna impura, assim como cada um, quando morre, entra na condição de impureza, por se tornar presa da corrupção do próprio corpo.
O sangue torna impuro, torna indigno, e isso para uma mulher é uma escravidão que lhe foi imposta pela sua condição, segundo a Lei, e portanto – dizem os homens religiosos – por Deus. A mulher impura pela menstruação ou pela gravidez não tocará em coisas santas, não entrará no templo (no Santo) e, para se purificar, deverá oferecer um sacrifício; até mesmo quem tocar em uma mulher impura ficará impuro (cf. Lv 12,1-8; 15,19-30), impuro como um leproso e quem o toca, impuro como um morto e quem o toca.
Daí, portanto, as barreiras, os muros, as separações levantadas entre pessoa e pessoa; eis a imposição da exclusão e da marginalização. Certamente, “por um bom fim”, para evitar o contágio, para instaurar um regime de immunitas: mas às custas da criação de um cercado e da indignidade-impureza colocada como selo sobre algumas pessoas! As medidas de precaução também acabam se tornando uma condenação...
Mas Jesus veio justamente para derrubar essas barreiras: ele sabia que não é possível que o sangue de um animal oferecido em sacrifício possa tirar o pecado e tornar puro, enquanto o sangue de uma mulher derramado pelo ciclo menstrual natural ou o corpo de um morto que deve ser cuidado pode gerar impureza, indignidade de estar com os outros e diante de Deus.
Por isso, os Evangelhos evidenciam que Jesus não só tratava e curava os enfermos, os impuros, como os leprosos ou como as mulheres afetadas por hemorragia, mas os tocava e se deixava tocar por eles. Jesus abole toda espécie de separação desejada pela lógica sacral, pois ele não era um homem sacral como os sacerdotes, sendo um judeu leigo, não de estirpe sacerdotal, e porque via nas leis da sacralidade uma contradição com a caridade, com a relação tão vital para nós, humanos.
Amar o outro vale mais do que a oferta de um sacrifício a Deus (cf. Mc 12,33; 1Sm 15,22), ser misericordioso é viver o preceito, o mandamento dado pelo “Deus misericordioso (rachum) e compassivo (channun)” (Ex 34,6).
Em Jesus, havia a presença de Deus, portanto ele era “o Santo de Deus” (Mc 1,24; Lc 4,14; Jo 6,69), mas ele não tinha medo de contrair a impureza; pelo contrário, ele proclamava e mostrava que a santidade de Deus santifica, ao invés de tornar impuro, consome e queima o pecado e a impureza, porque é uma santidade que é misericordiosa (cf. Os 11, 9: “Eu sou Deus e não homem; sou o Santo no meio de ti: não irei até vós na minha ira”). Aliás, nessa ação de Jesus, é impossível não ver uma libertação da mulher da escravidão e da alienação impostas pela cultura dominante.
Por isso, Jesus deixava que os doentes o tocassem, tivessem contato com o seu corpo (cf. Mc 6,56; Mt 14,36), por isso ele tocava os doentes: toca o leproso para o curar (cf. Mc 1,41 e par.), toca os ouvidos e a língua do surdo-mudo para os abrir (cf. Mc 7,33), toca os olhos do cego para lhe devolver a visão (cf. Mc 8,23,25), toca as crianças e impõe as mãos sobre elas (cf. Mc 10,13.16 e par.) toca o morto para o ressuscitar (cf. Lc 7,14); e, por sua vez, se deixa tocar pelos doentes, por uma prostituta, pelos discípulos, pelas multidões...
Tocar, essa experiência de comunicação, de con-tato, de corpo a corpo, ação sempre recíproca (toca-se e se é tocado, inseparavelmente!), esse comunicar a própria alteridade e sentir a alteridade alheia... Tocar é o sentido fundamental, o primeiro a se manifestar em cada um de nós, e é também o sentido que mais nos envolve e nos faz experimentar a intimidade do outro. Tocar é sempre proximidade, reciprocidade, relação, é sempre um vibrar do corpo inteiro com o contato com o corpo do outro.
As duas ações de Jesus relatadas por Marcos no trecho do Evangelho deste domingo estão unidas precisamente pelo toque: Jesus é tocado por uma mulher hemorroíssa e toca o cadáver de uma menina. Duas ações proibidas pela Lei, mas destacadas aqui como ações de libertação e de caridade. Esse toque não é uma ação mágica, mas sim uma ação eminentemente humana, humaníssima: “Eu toco, portanto estou contigo!”.
Enquanto Jesus passa com a força da sua santidade no meio das pessoas, uma mulher doente de hemorragia vaginal acha que pode ser curada tocando apenas o seu manto, o talit, o xale da oração. Isso acontece pontualmente, e então a mulher, assustada e trêmula, na convicção de ter feito um gesto proibido pela Lei, um ato que torna Jesus impuro, uma vez descoberta, confessa “o pecado” cometido por ela. Mas Jesus, que com o seu olhar a procura no meio da multidão, ouvindo a sua confissão, diz-lhe com ternura e compaixão: “Filha, a tua fé te curou. Vai em paz e fica curada dessa doença”.
Ele se comporta assim não para infringir a Lei, mas porque se refere à vontade de Deus, sem se deter nos preceitos humanos. E se Deus havia descido para libertar o seu povo no Egito, terra impura, habitada por gente impura, Jesus também sente que pode estar entre impuros e que pode encontrá-los, dando-lhes a libertação. Por isso, ele sentiu sair de si “uma energia” (dýnamis) quando a mulher o tocou, porque a sua santidade passava para aquela mulher impura.
Logo depois, Jesus é levado à casa do chefe da sinagoga Jairo, onde jaz a sua filhinha de 12 anos, que acaba de morrer. Levando consigo apenas Pedro, Tiago e João, assim que entrou na casa, ouviu choros, lamentos e gritos por aquela morte; então, expulsos todos da sala, naquele silêncio, ele pega a mão da menina e lhe diz em aramaico: “Talitá cum”, “Menina, eu te digo: levanta-te!”.
Aqui também a santidade de Jesus vence a impureza do cadáver, vence a possível corrupção e comunica à menina uma força que é ressurreição, possibilidade de se colocar novamente de pé e de retomar a vida. Na sua atenção humaníssima, além disso, Jesus ordena que seja dado de comer àquela menina, quase como se ela mesma tivesse se cansado para responder à santidade de Jesus, que lhe comunica aquela energia divina da qual é portador.
Tocar o outro é um movimento de compaixão;
tocar o outro é desejar com ele;
tocar o outro é lhe falar silenciosamente com o próprio corpo, com a própria mão;
tocar o outro é lhe dizer: “Eu estou aqui por ti”;
tocar o outro é lhe dizer: “Eu te quero bem”;
tocar o outro é lhe comunicar aquilo que eu sou e aceitar aquilo que ele é;
tocar o outro é um ato de reverência, de reconhecimento, de veneração.
Da contemplação desta página do Evangelho, nos é revelado que a nossa carne, o nosso corpo não era indigno de Deus: por isso, o Filho de Deus se fez carne (cf. Jo 1,14), não de modo aparente, mas de modo real e autêntico. Foi a nossa carne que se tornou a carne de Deus, e Jesus, o Filho, a assumiu não como um fardo do qual devia se libertar ao voltar para o Pai, mas como um meio para encontrar a humanidade, para ser nosso irmão em plena solidariedade, igual a nós em tudo, exceto no pecado.
Foi graças a essa carne que Jesus pôde tocar e ser tocado, viver o sentimento da misericórdia e da compaixão, e nos revelar a proximidade e a ternura de Deus. Também nós, como seus discípulos e suas discípulas, também a Igreja deve “ousar a carne” e saber abraçar, tocar, cuidar da “carne de Cristo” nos sofredores, nos doentes, nos pecadores, em todos os corpos dos homens e das mulheres que, com gritos fortes ou mudos, invocam a salvação das suas vidas.