Reprodução da obra "Starting Point", 1920 de Hilma af Klint | Divulgação Hilma af Klint Foundation
Os Cadernos IHU Ideias número 318 contemplam o texto "Mestre Eckhart: Deus se faz presente enquanto ausência de imagens e de privilégios" de Matteo Raschietti, doutor em Filosofia, professor na área de Filosofia Medieval, na Universidade Federal do ABC. Artigo este escrito especialmente para o encontro [online] intitulado A mística do Ser e do Não Ter em Mestre Eckhart, realizado no dia 10 de abril.
“A pessoa e a obra de Mestre Eckhart representam um caso raro de imbricação e síntese feliz entre filosofia, teologia e mística. Para delinear os traços essenciais da mística eckhartiana faz-se mister procurar aquela sapiência que, como diz a etimologia da palavra, é sapida scientia, um conhecimento tão rico de sabor que faz saborear de antemão as delícias das coisas eternas”, aponta Raschietti.
Mestre Eckhart foi um frade dominicano (Ordem dos Pregadores) alemão que viveu entre os séculos XIII e XIV. Após ter ocupado cargos de primeiro plano na sua Ordem e lecionado na Universidade de Paris por duas vezes, sofreu um processo por heresia que o bispo de Colônia (instigado pela denúncia de dois confrades de Eckhart) instaurou contra ele. De nada adiantou a apelação que fez ao Papa João XXII em Avinhão e, em 1329, a bula In agro domínico o condenou como herege. Apesar disso, ele se tornou conhecido como teólogo de renome, pregador incansável, místico especulativo sem par. Há estudiosos, entretanto, que questionam esse último aspecto do Dominicano alemão tachando-o de “mito historiográfico”, assim como o fenômeno da “mística renana”, que seria o movimento que se originou a partir da influência de Alberto Magno e do Studium generale de Colônia. Este artigo tenta apresentar, em primeiro lugar, o pensamento místico de Mestre Eckhart através de uma breve análise dos seus escritos; em segundo lugar, procura descobrir se sua vida e seu exemplo têm algo a nos ensinar hoje, no Brasil, no meio da pandemia da Covid-19; enfim, vislumbra a possibilidade de um discurso sobre Deus hoje através do qual Ele se torna conhecido enquanto ausência de imagens e de privilégios, e o ser humano, por sua vez, se descobre como um ser aberto ao infinito enquanto acolhe essa ausência e experimenta esse não conhecimento.
Imagem: Capa dos Cadernos IHU Ideias número 318, de Matteo Raschietti.
Ao analisar a mística do Ser, Raschietti comenta que “Mestre Eckhart recupera e valoriza a doutrina da interioridade agostiniana como retorno da alma em si mesma, no seu “fundo” e “castelo”, onde ela se descobre como o lugar do nascimento eterno do logos e da identidade com Deus. Com uma linguagem extremamente rica e fascinante, o turíngio explora num modo inédito a essência daquilo que é mais elevado na alma, seu espírito mais íntimo e profundo, a “centelha” na qual se encontra o Uno, a Deidade, Deus”.
"Quando o ser humano aprende a relativizar a própria dimensão limitada e finita, descobre em si um princípio, uma 'possibilidade livre', que o eleva acima do anjo mais nobre. Com efeito, contrariamente ao anjo (ao qual foi atribuído um limite pela eternidade), o ser humano no seu templo é absolutamente livre, indeterminado e – justamente por isso – igual a Deus. A nobreza e a liberdade do templo, no entanto, não são uma prerrogativa dos místicos e tampouco uma recompensa prometida na vida ultraterrena, mas estão ao alcance de todo homem que vive 'na temporalidade' que deve apreendê-las e reconhecê-las em si. Assim, a mística do Ser de Mestre Eckhart é a experiência intelectual de um ser humano que, após entender a nulidade da sua dimensão de criatura, procura um alicerce sólido ao seu ser (que não pode encontrar em nenhuma das dimensões às quais renunciou), descobrindo que é Deus o alicerce, o substrato e o ser da sua alma", aponta o autor.
A atividade realizada no dia 10 de abril de 2021 foi promovida pelo CEPAT e contou com a parceria e o apoio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, as Comunidades de Vida Cristã – CVX, Regional Sul, o Conselho Nacional do Laicato do Brasil – CNLB, a Iniciativa das Religiões Unidas – URI e o Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA.
O vídeo da conferência de Matteo Raschietti e a cobertura do evento podem ser acessados através da matéria “Mestre Eckhart: Deus se faz presente enquanto ausência de imagens e de privilégios”, publicada em 13 de abril de 2021 no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Matteo Raschietti. Italiano de Vicenza, no Brasil desde 1991, professor de História da Filosofia Medieval na Universidade Federal do ABC - UFABC. Possui bacharelado em Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção de São Paulo (1994), graduação (bacharelado e licenciatura) em Filosofia pela Universidade de Campinas (2002), mestrado e doutorado em Filosofia pela mesma Universidade (2004 e 2008). Tem experiência na área do Ensino de Filosofia (graduação e pós-graduação), com ênfase em Filosofia Medieval, atuando principalmente nos seguintes temas: Alberto Magno, Meister Eckhart, teoria do conhecimento, filosofia da imagem, metafísica, ética. Publicou o livro Mestre Eckhart. Um mestre que falava do ponto de vista da eternidade, pela Paulus (2013), a tradução do De diligendo deo, de São Bernardo (Vozes, 2010) e do Tratado sobre a Prudência, de Alberto Magno (Paulus, 2017), bem como inúmeros artigos em revistas especializadas sobre esses temas.
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