O aquecimento da Terra está tendo um impacto negativo desproporcional sobre os povos indígenas, afrodescendentes e migrantes, mas a sua sabedoria ancestral é essencial para os esforços para reduzir os impactos das mudanças climáticas e para preservar a biodiversidade, disse uma alta autoridade vaticana.
A reportagem é de Barbara Fraser, publicada por National Catholic Reporter, 04-06-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Falando em uma conferência online no dia 27 de maio, promovida pelo Vaticano e pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, o cardeal Peter Turkson, que dirige o Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral, disse que o mundo deve “ouvir o clamor da Terra e o clamor dos pobres”, e aprender com os mais afetados pelas mudanças climáticas.
Observando que três grandes conferências da ONU serão realizadas este ano – sobre os sistemas alimentares em julho, sobre a biodiversidade em outubro e sobre o clima em novembro – Qu Dongyu, diretor-geral da Organização para a Alimentação e a Agricultura, apelou ao mundo para “agir coletivamente para reformular a nossa relação com a natureza e apoiar os mais afetados pelas mudanças climáticas e a fragilidade dos sistemas agroalimentares, como os pequenos agricultores e as comunidades indígenas rurais”.
Embora representem apenas 6,2% da população global, os povos indígenas constituem 19% das pessoas mais pobres do mundo, disse Dongyu.
“Ao mesmo tempo, eles são guardiões de 80% da nossa biodiversidade global, preservando vários sistemas agroalimentares em harmonia com a natureza”, mas as “valiosas contribuições” dos seus conhecimentos tradicionais “raramente se refletem em estratégias de mitigação e em políticas de adaptação para abordar as mudanças climáticas e os sistemas agroalimentares”, disse ele.
“Não devemos deixar para trás aqueles que sabem tanto sobre biodiversidade, diversidade alimentar e diversidade cultural”, acrescentou Dongyu.
As mudanças climáticas e as indústrias extrativas são duas das maiores ameaças aos povos tradicionais do mundo, disse Myrna Cunningham, ativista Miskita e médica cirurgiã da Nicarágua, durante o seminário.
“Acreditamos que não podemos falar sobre essas questões sem a participação plena e efetiva de nós mesmos, incluindo mulheres, homens, idosos e jovens, que estão profundamente envolvidos, apesar dos efeitos desproporcionais” das mudanças climáticas, disse Cunningham, que é presidente do Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe.
Ela acrescentou: “Continuamos sendo líderes em experiência em termos de adaptação, mitigação e resiliência em nossas terras”.
As discussões sobre as mudanças climáticas, disse ela, devem se concentrar em cinco áreas principais: o direito à terra dos indígenas e de outros povos tradicionais, o direito de governar em seu território, o pagamento por serviços de ecossistema, o manejo florestal comunitário e o conhecimento tradicional e sistemas alimentares.
Os povos indígenas podem ser desproporcionalmente afetados pelas mudanças climáticas, mas não são impotentes, disse Anne Nuorgam, uma líder indígena Sami e política da Finlândia que preside o Fórum Permanente da ONU sobre Questões Indígenas.
“Os povos indígenas não são vulneráveis”, disse ela. “Enfrentamos fome, pobreza, desnutrição e outros desafios, mas preservamos alimentos e sistemas de conhecimento por séculos. O problema é que cada vez mais vemos nossos direitos ameaçados. Cada vez mais nossos líderes estão sendo mortos. Cada vez mais estamos perdendo as nossas terras e territórios.”
Ela acrescentou: “Estamos sendo colocados por estranhos em políticas e programas míopes, em situações de vulnerabilidade, mas eu repito: não somos vulneráveis”.
Quando eventos relacionados ao clima e as dificuldades econômicas associadas forçam os indígenas a migrar das suas terras tradicionais, especialmente quando vão para as cidades, eles geralmente enfrentam discriminação por serem migrantes e indígenas, disse Nuorgam.
A pandemia da Covid-19 “exacerbou as desigualdades existentes nos sistemas de alimentação, saúde e direitos territoriais dos povos indígenas, devido à discriminação e à marginalização”, disse ela.
No entanto, disse Nuorgam, os povos indígenas em várias partes do mundo estão respondendo a um clima em mudança com base em conhecimentos e práticas tradicionais. Em Bangladesh, eles criaram jardins flutuantes para proteger as plantações de alimentos das enchentes, e, na América Latina e no Caribe, os agricultores transferiram as plantações para áreas menos afetadas pelo clima severo. Em partes da América do Norte, grupos indígenas estão encontrando novas oportunidades econômicas na produção de energia eólica e solar.
Na região de Yukon, no Canadá, um dos sinais mais drásticos das mudanças climáticas é que o nível da água no lago Kluane caiu três metros na última década, disse Kluane Adamek, chefe regional Yukon da Assembleia das Primeiras Nações e cidadão da Primeira Nação Kluane.
Mas, enquanto os cientistas estudam os impactos dessas mudanças, os mais velhos contam uma história tradicional que aconselha os ouvintes a se prepararem para quando o lago Kluane se tornar um rio.
Isso é um lembrete, disse Adamek durante o seminário, da necessidade de incluir aqueles que carregam a sabedoria e o conhecimento tradicionais na tomada de decisões sobre as medidas políticas.
É especialmente importante incluir “as matriarcas, os anciãos, as mulheres, que sempre foram as que tomaram as decisões em nossas comunidades”, disse ela, acrescentando que não se trata apenas de incluir os povos indígenas, “mas de realmente escutar. É mais do que ouvir. É escutar aquilo que os povos indígenas têm a dizer e compreender os direitos que os povos indígenas detêm”.
A sabedoria tradicional dos povos indígenas e afrodescendentes fornece uma chave para lidar com muitas questões sociais e ambientais, disse Turkson, por causa da “sua relação harmoniosa com a natureza e do modo como eles mantêm um sistema de biodiversidade”.
“Devemos ouvir a sua mensagem de esperança, de criatividade, e agir agora para garantir um futuro melhor para eles e para as futuras gerações”, disse ele. “Agora, mais do que nunca, é hora de agir. Todos nós podemos mudar para um futuro justo e sustentável.”