27 Mai 2021
O cardeal belga Jozef De Kesel está convencido de que ainda há um futuro brilhante para o cristianismo, mesmo em culturas seculares como as da Europa.
O arcebispo de Malines-Bruxelas, que completará 74 anos no próximo mês de junho, explica as razões dessa convicção em um livro recém-lançado e intitulado “Foi & religion dans une société moderne” [Fé e religião em uma sociedade moderna].
O cardeal De Kesel acaba de voltar ao trabalho depois de passar vários meses em tratamento contra o câncer.
Ele conversou com Christophe Henning, do La Croix, 25-05-2021, na residência do arcebispo na cidade flamenga de Mechelen (Malines).
O senhor se retirou do seu cargo por alguns meses quando descobriu que tinha câncer. Quais são as novidades sobre a sua saúde?
Eu fui operado três vezes, em agosto e dezembro de 2020 e novamente há algumas semanas. Hoje, estou me recuperando. Sempre fui confiante, mas é difícil, e ainda hoje a quimioterapia causa um cansaço duradouro... Coincidentemente, descobri o meu câncer no mesmo momento em que a epidemia de Covid-19 estava surgindo. Eu nunca tinha pensado sobre o câncer, e a nossa sociedade moderna também não imaginava uma pandemia dessas: foi bom para a África ou para a Ásia, mas não para nós! E todos fomos confrontados com a nossa fragilidade... Vou ficar marcado por isso.
Sua fé, como cardeal, foi posta à prova?
Todos os dias, eu rezo a Liturgia das Horas. Pouco a pouco, descobri que as palavras dos Salmos eram as minhas próprias palavras. Meu lamento, minha angústia, minha gratidão... Eu não decidi isso, não disse: “Vou me esforçar na oração”. Foi algo que me foi dado. Com a doença, o Senhor me convidou a fazer um desvio. Você não sai de uma prova como esta da mesma forma que entrou. É a história do povo de Deus: ao sair do Egito, havia um caminho mais curto para a Terra Santa, mas o Senhor fez com que se fizesse um desvio para que eles descobrissem coisas muito importantes para o futuro.
A pandemia também tem consequências para a Igreja?
Talvez nós também precisemos fazer um desvio... Por exemplo, os cristãos têm lutado para poderem se reunir e celebrar durante a pandemia. Eu entendo isso, e a Eucaristia é muito importante, evidentemente. Mas não existem outras formas? Pôr-se a escutar a palavra de Deus, que é o verdadeiro alimento, por exemplo.
O catolicismo ocidental está passando por uma crise profunda. A Igreja está ameaçada, em vias de extinção?
Estou absolutamente convencido de que não é esse o caso. Estamos passando por uma crise, mas a prova também pode ser um momento de kairós. Na Igreja, assim como na sociedade, permanece em nosso inconsciente coletivo a ideia de que o cristianismo só pode ser ele mesmo quando a sociedade é cristã. Isso não é verdade. Algumas pessoas pensam que a secularização é o inimigo número um, na origem de todas as nossas dificuldades; isso não é verdade. Não é a Igreja que está em declínio, é a sociedade que mudou. Eu diria até que a modernidade é uma outra cultura. Isso não é isento de riscos: assim como as religiões, a secularização pode se desviar, se radicalizar. A laicidade, quando se torna laicismo, é uma espécie de substituição da religião, que impõe o pensamento único.
A fé não foi remetida à esfera íntima e pessoal?
Eu me oponho absolutamente à privatização da fé: nós temos algo a dizer nesta cultura, como cristãos e cidadãos responsáveis. Eu fiz uma viagem ao Iraque, a Erbil, e o Patriarca Louis Sako me explicou: “Nós precisamos aqui de um regime secular, não religioso. Em um regime religioso, nós somos cidadãos de segunda ou terceira classe...”. Ele disse ainda: “Que eles parem de nos tratar como uma minoria. Nós somos iraquianos, cidadãos, e nós somos cristãos. A cidadania vem antes da religião”. Eu acrescentaria que é por causa da minha fé que eu sou e tento ser um cidadão responsável.
O que os cristãos podem oferecer ao mundo?
Em primeiro lugar, anunciar o Evangelho, ou seja, estar presente no mundo e proclamar a palavra de Deus. Essa é a razão de ser da Igreja. A cristianização é outra coisa; é o projeto de uma sociedade que se torna novamente cristã. Isso não é possível e absolutamente não é desejável. Em uma sociedade secularizada, nenhuma religião tem o monopólio, e só existe uma solução, que é a tolerância.
Mas como anunciar o Evangelho em uma sociedade plural e secularizada?
A Igreja só pode significar para o mundo exterior aquilo que ela vive no mundo interior. Nós devemos ter comunidades autênticas que vivam da palavra de Deus, que celebrem a liturgia e que trabalhem por um mundo mais humano e mais justo. O cristão que afirma viver só o Evangelho se engana: nós precisamos do outro. Caso contrário, como podemos nos tornar irmãos e irmãs?
Como podemos lidar com estruturas eclesiais cansadas e fragilizadas?
Como será a Igreja daqui a um século? Eu não sei. Nós não sabemos aquilo que vai permanecer ou aquilo que vai nascer! Nós precisamos da instituição, mas provavelmente não de todas as instituições de que dispomos hoje, e pode haver outras que ainda não existem. A Igreja será mais modesta e humilde, mas ela não será minoritária, nem na França e nem na Bélgica. Quando a metade das crianças ainda é batizada, isso não é uma minoria: sociologicamente, isso não faz sentido.
Intervir em uma sociedade laica não leva a Igreja a ser às vezes sinal de contradição?
Os valores centrais da cultura secularizada são a razão, a liberdade e o progresso. Há desvios quando a liberdade se absolutiza e se torna a ideologia que domina tudo. Nos debates éticos, por exemplo, amplia-se a eutanásia ou o aborto, porque supostamente é um progresso. E cada um faz o que quer. Junto com outros, os bispos e os católicos sempre alertaram a sociedade, mas o “progresso” banaliza essas questões. Permitir o aborto até a 18ª semana de gravidez é progresso? O aborto é um ato médico comum? Um aborto é sempre um fracasso, e não é porque a lei o permite que não haverá sofrimento.
Nesse mundo descristianizado, como é possível reconhecer um cristão?
Às vezes não o reconhecemos... Existem diferentes graus de pertença à Igreja. É claro, sempre há um núcleo de pessoas que regularmente vai à missa e faz a Igreja viver. Mas reduzir a fé a essa definição nunca foi a posição da Igreja. Algumas pessoas vêm de vez em quando, para o Natal ou a Páscoa, para uma festa de família... Nós devemos respeitá-las e não lhes dizer: “Vamos nos rever na semana que vem?”. Corremos o risco do proselitismo quando o anúncio do Evangelho se faz sem respeito pelo outro, com a única preocupação de recrutar, como aconteceu às vezes com certas comunidades novas.
É a amizade que evangeliza. O encontro tem sentido em si mesmo: não é uma tática missionária. Eu gostaria que as pessoas em contato com a Igreja fossem bem acolhidas, respeitadas, ouvidas, sem julgamento. Não esqueçamos que existe aquilo que eu posso fazer e aquilo que Deus faz: eu posso testemunhar, encontrar, ser quem eu sou. Mas não posso dar fé ao outro. É o Senhor quem faz isso. O Espírito Santo está agindo e não depende da expansão da Igreja.
Pequena e humilde, a Igreja também é universal. Como cardeal, como o senhor percebe a Igreja de Roma?
O que eu não consigo compreender às vezes é uma oposição muito dura ao papa. Nós não voltaremos para trás. Hoje, ele nos convida à sinodalidade, isto é, a viver a fraternidade. É um processo de discernimento – o papa é de fato um jesuíta! – para discutir juntos, tomar tempo, discernir. E para descobrir o que o Senhor está nos pedindo.
De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.
XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição
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“A Igreja do futuro será mais modesta e humilde.” Entrevista com Jozef De Kesel, cardeal de Malines-Bruxelas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU