"Não só esta, mas as próximas gerações de jovens serão impactadas pela pandemia", diz a coordenadora da área de juventudes da Oxfam Brasil
O documentário "A conta fica para a juventude", produzido pela Oxfam Brasil e a TV Doc Capão, reúne depoimentos de jovens das periferias de São Paulo, que relatam seu dia a dia em meio à pandemia de Covid-19, o engajamento em ações de solidariedade realizadas nas comunidades e as dificuldades de aderir ao isolamento social. Segundo Tauá Pires, coordenadora da área de juventudes da Oxfam, um ponto para o qual as entrevistas dos jovens chamam a atenção é acerca dos efeitos mentais que a pandemia poderá gerar na vida da juventude, que representa 27% da população brasileira. “Um aspecto que o documentário trata sobre a juventude, para além de tudo que já sabemos sobre as desigualdades e o retorno da fome, é o impacto na saúde mental. (...) São vários medos, do que vai acontecer com a vida deles, da incerteza do futuro e o medo de contaminar outras pessoas se pegar o vírus”, resume.
Segundo ela, a atual conjuntura nacional, marcada pelo aumento do preço dos alimentos e dos itens essenciais de sobrevivência, pelo crescimento do desemprego e pela falta de assistência social e financeira por parte do Estado, "agregada a uma situação atual muito mais difícil do que a do ano passado, tem feito nos defrontar com jovens muito mais desesperados". Apesar disso, pontua, a juventude que vive nas periferias tem “prestado um serviço fundamental nos seus territórios, porque a ação do governo foi insuficiente ou quase nenhuma. Se não fossem essas ações comunitárias, dentro das favelas, feitas pelos próprios moradores, a situação seria ainda pior. Então, é importante olhar para essa juventude como protagonista deste momento", ressalta.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Tauá também comenta particularmente a situação das jovens mulheres e de jovens que vivem num momento de transição para a vida adulta. "Quando estamos falando de jovem não são somente aqueles ligados ao esporte, os que assistem um filme à tarde, mas essa juventude que tem filhos, que trabalha, que está constituindo família. Pelo que estamos acompanhando, as jovens mulheres acabam tendo uma sobrecarga e uma desvalorização, porque não se olha a economia do cuidado como algo fundamental", reitera.
Tauá Pires (Foto: Arquivo pessoal)
Tauá Lourenço Pires é formada em História e especialista em Gestão de Políticas Públicas de Gênero e Raça pela Universidade de Brasília - UnB. Ela integra a equipe de Programas, Incidência e Campanhas da Oxfam Brasil.
IHU On-Line - Que narrativa o documentário “A conta fica para a juventude” traz? Como surgiu a ideia dessa produção e como foi realizada?
Tauá Lourenço Pires – Este documentário foi gravado no período de agosto e setembro do ano passado, respeitando todos os protocolos, nas periferias de São Paulo. A Oxfam fez uma parceria com a TV Doc Capão, um coletivo de jovens da Zona Sul de São Paulo, que faz este trabalho de retratar a realidade da periferia a partir do olhar de quem mora no local. Nós não gostaríamos de fazer um documentário “de cima para baixo”, mas permitir que fosse feito um diálogo entre os jovens. Então, o coletivo realizou essa produção para dialogar com outros jovens e para amplificar as vozes de diferentes jovens que estão nas periferias, em diferentes realidades, para mostrar como a pandemia chega na vida deles, o que tem sido feito para enfrentar essa situação, e verificar qual é a conta que fica, passado um ano de pandemia.
Tem uma conta geracional, que impacta de maneira muito pontual toda a sociedade, mas certamente também a juventude, que está numa idade de transição entre escola e trabalho e está começando a constituir a sua família. Então, a juventude é uma idade muito importante para todo o conjunto da sociedade. Nossa avaliação é a de que não só esta, mas as próximas gerações de jovens serão impactadas pela pandemia. Por isso, nossa pergunta no documentário é: “Qual é a conta? O que ficou de ônus para a juventude? Que impactos surgem a partir dessa pandemia, principalmente?”.
IHU On-Line - A forma como os jovens narram, no documentário, a experiência deles na pandemia revela o que sobre o nosso tempo?
Tauá Lourenço Pires – Hoje, quando escutamos falar da juventude na pandemia, especialmente na televisão, fala-se muito da juventude que está fazendo festa, que não está comprometida. Nesse sentido, o documentário mostra um lado B, ou seja, os jovens de periferia que estão na linha de frente da pandemia, fazendo mutirões em seus bairros neste momento de crise, uma juventude que precisou ir para as ruas, que está entregando comida, que não pode ficar em casa, que muitas vezes, até para proteger os seus familiares, ficou mais exposta para fazer as compras da família e assumiu responsabilidades. Passado um ano da pandemia, percebemos que a faixa etária dos impactados mudou bastante e muitos jovens estão sendo acometidos [pela Covid-19]. Então, precisamos começar a valorizar as ações da juventude num momento tão difícil como este.
Um aspecto que o documentário trata sobre a juventude, mas que tem a ver com toda a nossa sociedade, para além de tudo que já sabemos sobre as desigualdades e o retorno da fome, é o impacto na saúde mental. Quando perguntávamos para os jovens das periferias o que pretendiam fazer daqui a cinco anos, percebíamos que já havia uma dificuldade de eles fazerem as projeções, porque eles precisam sobreviver e nem sempre conseguem pensar ou projetar [suas vidas] daqui a cinco ou dez anos; eles precisam pensar no agora. Mas num momento de tanta incerteza e de tantos problemas, é ainda mais difícil para a juventude se projetar no futuro e isso tem um impacto muito grande na saúde mental. O que apontamos no documentário, a partir do viés da juventude, de certa forma, diz respeito a toda a sociedade.
A juventude é um espelho retrovisor da sociedade. Então, não são apenas alguns jovens que estão aglomerando, mas tem uma parte da sociedade que está lidando com a pandemia de outra forma: aglomerando, fazendo festa e negando que existe essa situação. Portanto, este aspecto negativo não é uma conta apenas da juventude, mas de uma parcela da sociedade. Por isso, é importante, sim, contarmos essa outra história da juventude que está engajada. O documentário mostra isso. A Amanda, que é uma das personagens que mora na Favela da Coreia, foi quem liderou o mutirão para a comunidade inteira. Outras personagens contam suas histórias e estão extremamente comprometidas e, inclusive, prestando um serviço fundamental nos seus territórios, porque a ação do governo foi insuficiente ou quase nenhuma. Se não fossem essas ações comunitárias, dentro das favelas, feitas pelos próprios moradores, a situação seria ainda pior. Então, é importante olhar para essa juventude como protagonista deste momento.
IHU On-Line - Os jovens do documentário fazem muitas críticas à ideia de ‘novo normal’. O que essa ideia representa e como você lê as críticas dos jovens a ela?
Tauá Lourenço Pires – Estamos vivendo este novo modo de virtualização acelerada, mas a internet não chega na “quebrada”. As pessoas estão precisando assistir às aulas, mas ou não têm internet em casa ou o celular de que dispõem é um aparelho que não suporta o sistema ou é de uso comum para toda a família. Então, que realidade é esta que nem chegou às comunidades?
Outra personagem do documentário conta que nunca foi possível fazer distanciamento social na periferia porque os negócios estavam abertos, e o termo “lockdown” nem existe nas favelas. Então, este novo normal é para que parte da cidade? Certamente, para as zonas centrais e elitizadas, para quem pode ficar em casa. Este é um debate difícil de fazer, mas também muito importante, porque para que muitas pessoas fiquem em casa, muitas outras estão nas ruas. Se observarmos quem está trabalhando nos supermercados, nos atendendo nas farmácias e entregando a nossa comida, perceberemos que a juventude é quem está nos servindo.
É importante entendermos que este novo normal não é acessível para toda a população, ele diz respeito somente aos grupos privilegiados e não corresponde à realidade da juventude que está trabalhando. Além disso, essa juventude não tem acesso à internet e a outros recursos. Um dos entrevistados, o Isaque, conta que se tivesse um supermercado na periferia e vários outros serviços essenciais próximos da sua casa, obviamente seria diferente fazer o distanciamento social, com outras condições, com mais oportunidades. Na realidade deles, não se trata de um novo normal, mas, sim, de mais uma tragédia, que desta vez assume grandes proporções. Infelizmente, eles já estão acostumados a enfrentar esse tipo de situação.
IHU On-Line - O documentário revela que os jovens têm grande poder de mobilização, mas estão fazendo isso para garantir o elementar: comida e assistência social básica. Qual o peso disso para o futuro deles?
Tauá Lourenço Pires – Qual é o peso para uma sociedade que não consegue mais sonhar? Quando falamos de uma faixa etária que está no auge da criatividade, que é a faixa etária que vai estar construindo as nossas soluções tecnológicas e empreendendo seus projetos, com as devidas proporções, pois sabemos que nas periferias e nas favelas este é um caminho mais longo, mas é esta geração que nos alimenta e nos alimentará culturalmente e cientificamente no futuro. O que significa uma geração impactada, que não consegue sonhar e não consegue projetar o futuro? Precisamos pensar com muito cuidado nas consequências que estão sendo causadas a toda uma geração e como, a partir disso, podemos mudar a história para que não atravessemos a pandemia sem pensar no futuro. É preciso, ainda mais neste momento difícil, que sejam realizados novos projetos, que sejam elaboradas políticas. A mensagem que estamos tentando passar é esta e não uma mensagem de desespero. É preciso contar outras histórias e tentar garantir que os sonhos não acabem, que outros caminhos sejam traçados para esta geração e para toda a sociedade.
IHU On-Line - A pandemia tem gerado problemas comuns às pessoas, como medos, angústias, depressão e outros problemas psíquicos. Como essa realidade se manifesta entre os jovens das periferias?
Tauá Lourenço Pires – Implementamos alguns projetos em Recife, no Distrito Federal, no Rio de Janeiro e em São Paulo com algumas instituições parceiras, como a Juventude nas Cidades, e hoje acompanho pesquisadores e estudantes que trabalham o tema da juventude. Esse binômio, entre uma juventude que tem mais acesso e lida com esse momento de uma forma versus a juventude que está na periferia e que está numa situação de sobrevivência ou de ativismo, é importante porque quando olhamos para a juventude que está em casa, que trabalha via home office, percebemos que ela não consegue visualizar como os outros jovens se engajam para fazer a mudança num momento como este. Realizamos uma pesquisa sobre o que é possível fazer neste momento de crise, e essa parcela da juventude não consegue visualizar uma ação; isso é muito inerente dessa juventude. De outro lado, a parcela da juventude que passa dificuldades, apesar de estar enfrentando toda essa realidade, não se paralisa. É uma juventude que divide o recurso que recebe de alimentação, é a juventude que se mobiliza para fazer as entregas.
O que observamos a partir do projeto Juventude nas Cidades e do diálogo com outras organizações é essa força da ação, extremamente mobilizada e comprometida nos seus territórios. Esses jovens estão fazendo uma ação que não é só de sobrevivência, para atender as demandas atuais, mas de solidariedade. Eles buscam outros caminhos no campo da cultura, da arte e do audiovisual. A juventude que está na periferia e na favela está produzindo outros saberes com resiliência.
IHU On-Line - Qual é o perfil dos jovens entrevistados para o documentário e em que regiões periféricas de São Paulo eles moram?
Tauá Lourenço Pires – Cobrimos todas as regiões da cidade, então tem depoimentos de jovens da Zona Leste, da Zona Sul, da Zona Oeste e da Zona Norte, com uma diversidade que contempla também a diversidade de gênero, apesar de não termos [entrevistado] nenhum jovem travesti ou transexual. A faixa etária compreende o Estatuto da Juventude, que é dos 15 aos 29 anos, embora a maioria dos entrevistados esteja na faixa dos 25 aos 27 anos – o Isaque e o Felipe são os mais velhos –, com diversidade de perfis. Alguns jovens, como a Tamires, é jornalista, o Mateus é um empreendedor social que faz um trabalho incrível na fábrica de criatividade, e o Isaque é reconhecido pelo seu trabalho como ativista. O Isaque, além de ser um dos conselheiros mais jovens, escreve e recebeu um prêmio de literatura. Temos também um casal que trabalha na cozinha na parte de alimentação, em um empreendimento chamado EspinAfro, e temos a Amanda, que é uma captadora de recursos, mas também empreendeu uma grande ação na Favela da Coreia.
IHU On-Line – Como foi esse projeto de contar a história da pandemia por esses jovens? Houve surpresa na busca de parceiros?
Tauá Lourenço Pires – Surpresa não, pois os parceiros já trabalham em conjunto há cinco anos. Junto com a TV Doc temos algumas ações, como uma cartilha para fazer oficina de audiovisual em qualquer território, que pode ser baixada gratuitamente e que foi construída pelos próprios jovens da oficina. Tínhamos, então, um pouco dos perfis que a gente ia mobilizar para o documentário, imaginávamos um perfil de ativismo, mas a prática sempre mostra mais. Não foi uma surpresa, mas o que tivemos de confirmação é que não imaginávamos esse grau de envolvimento e ativismo que eles estavam realizando. Quando começou a pandemia, iniciaram as ações, depois parecia que isso ia terminar, no entanto nunca terminava. A amostra que o documentário traz do nível de mobilização e envolvimento que estes jovens estão empreendendo e realizando é uma constatação desse compromisso dos jovens.
É óbvio que tem uma parcela da população jovem que não está comprometida, mesmo morando nesses territórios. Há, por outro lado, uma parcela de jovens participativa, que tem uma base comunitária, associativa ou mesmo cultural, que está em um processo de articulação maior. Esses jovens têm de fato um comprometimento com todo o conjunto e não somente com o próprio território.
IHU On-Line – Como os jovens têm lidado com os casos de doença e adoecimento em suas famílias e entre amigos?
Tauá Lourenço Pires – A Tamires, que foi a única infectada no período em que gravamos [o documentário], conta do medo, e uma coisa que ela fala e é muito forte é sobre o receio de contaminar os outros, maior ainda que o medo de como seria a evolução do vírus no próprio corpo. Entre os jovens, de maneira geral, que estão nas ruas e na força de trabalho, de bicicleta fazendo entregas, entregando panfletos, deve haver esse sentimento – do medo de contaminar os outros – de forma predominante. São vários medos, do que vai acontecer com a vida deles, da incerteza do futuro e o medo de contaminar outras pessoas se pegar o vírus.
IHU On-Line – Particularmente em relação às mulheres jovens, como tem se dado a rotina delas durante a pandemia? Em relação ao trabalho, ao cuidado das crianças e da família? Como lidam com tudo isso...
Tauá Lourenço Pires – Lançamos em janeiro um relatório global sobre o tema, que se chama “Tempo de cuidar”, a partir do viés da desigualdade. A gente (o Brasil) volta para o Mapa da Fome e alguns novos bilionários aparecem, o que mostra as contradições desse período. No caso das mulheres, toda essa economia do cuidado e sobrecarga é algo que a gente vem falando, mas certamente isso se reflete na população jovem. É bom colocarmos os pingos nos “is” porque quando estamos falando de jovem não são somente aqueles ligados ao esporte, os que assistem um filme à tarde, mas essa juventude que tem filhos, que trabalha, que está constituindo família. Pelo que estamos acompanhando, as jovens mulheres acabam tendo uma sobrecarga e uma desvalorização, porque não se olha a economia do cuidado como algo fundamental. Tudo isso que, mesmo escancarado com a pandemia e que no começo chamou atenção, foi se “normalizando”. Quem vem assumindo isso e dando conta de tantas outras coisas, como a renda e a chefia das famílias, são as mulheres e as mulheres negras em especial. Portanto, tem recorte de gênero e tem cor, além do fato de que muitas delas são jovens, apesar de não se verem como jovens, porque é uma vida dura que coloca responsabilidades com o lar e com outras pessoas.
Nos últimos anos vimos que muitas jovens mulheres negras cresceram nos índices de educação, pois mesmo quando falávamos em desigualdade e escolaridade de negros e mulheres negras percebíamos que a escolaridade havia aumentado. Mas que impactos teremos agora, em que as mulheres não estão conseguindo estudar e ter as mesmas oportunidades de acesso à educação que havia antes? Certamente teremos um retrocesso nisso e mais uma conta para esta juventude e para as jovens mulheres negras.
IHU On-Line – Que narrativas esses jovens trazem sobre o Auxílio Emergencial?
Tauá Lourenço Pires – No início o que víamos era muita dificuldade de acompanhar o cadastramento, apesar de dizerem que os mais jovens teriam mais facilidade. Havia muitos jovens no Rio de Janeiro e no Recife que se organizavam para orientar e fazer mutirões de preenchimento de cadastros. Os jovens que tiveram acesso ao auxílio, nos grupos que a gente acompanha nestas cidades, foram poucos, pois a maioria não conseguiu acessar o programa. Mas, para aqueles que conseguiram o Auxílio Emergencial, ter o recurso fez toda a diferença. Naquele momento [da pandemia], foi o que garantiu a alimentação e a possibilidade de lidar com essa situação mais emergencial. O gap sem repasse somado ao aumento de preço das coisas e de uma outra realidade que foi se desenhando no Brasil atual, e agora com a retomada de um valor reduzido, agregada a uma situação muito mais difícil que a do ano passado, tem feito nos defrontar com jovens muito mais desesperados. É curioso que dos jovens que estamos acompanhando, mais pessoas tiveram acesso à Lei Aldir Blanc que ao Auxílio Emergencial, que deveria ser a primeira política pública a chegar na casa deles. O auxílio segue sendo uma política essencial, não tem como atravessarmos a pandemia sem ele, mas não chegou para todo mundo que precisava e houve muita dificuldade nos cadastros – não houve explicação do porquê uns conseguiam acessar e outros não. Realmente é algo muito complicado e que agrava o que estamos vivendo. Se tivéssemos uma política mínima, teríamos mais condições de lidar com este momento.
IHU On-Line – Qual a importância de uma renda básica pensando nesses jovens?
Tauá Lourenço Pires – Esse é um debate bastante complexo, por isso é difícil ter uma posição fechada, são necessários muitos cálculos. Neste momento seria fundamental ter uma renda básica, mas tem uma conta a ser feita na economia e também em outras políticas, no entanto amadurecer politicamente essa ideia é um caminho sem volta e que precisamos enfrentar. Existem vários projetos de lei, pois existem diferenças entre “Renda mínima” e “Renda básica” e esse é um debate que precisa ser enfrentado. Diferentemente do que tem sido feito nos últimos anos, é importante que as decisões políticas não sejam feitas em gabinete, mas escutando especialistas, vendo o exemplo de outros países que adotaram políticas de renda básica para entendermos as diferenças e os aprendizados que isso pode trazer para o Brasil, e fazendo os cálculos necessários para sabermos o que será essa renda, se, por exemplo, será uma extensão do Bolsa Família. Nós temos essa política, bastante elogiada por outros países, que é uma espécie de renda básica. Trata-se de um debate complexo que precisa ser enfrentado com muito cuidado e muita responsabilidade, por isso tem que ser debatido junto com a sociedade e com as pessoas que estão comprometidas com a pauta.
IHU On-Line – Muitas projeções estão sendo feitas sobre os possíveis efeitos da crise sanitária e econômica no país. Que efeitos você vislumbra particularmente para os jovens? Por que a conta ficará para a juventude?
Tauá Lourenço Pires – A crise sanitária no nosso caso assumiu dimensões políticas. Essa conta que fica para a juventude permanece, porque estamos em um momento de constituição de uma nação e para isso precisamos ter uma sociedade consolidada; estamos falando em aprofundar a democracia com todas as crises que estamos vivendo. Tem uma geração que fica com uma conta alta para pagar para que possamos reconstruir este Brasil. Não gostamos da perspectiva da juventude como “futuro”, a juventude é o presente. Neste momento o Brasil ainda é um país com uma população jovem representativa, com 27% da população, mas que está em processo de envelhecimento. Quando nossas filhas estiverem adultas, talvez não seja um país de jovens. A conta coletiva que fica é não olhar para a juventude, não investir nela, e isso significa impactar todo o momento que vivemos no país e tudo isso que estamos almejando, de se consolidar como uma nação, de ter uma democracia forte, um país menos desigual etc. Isso tudo implica em menos oportunidades de trabalho, mais precarização das condições de vida, mais dificuldade no acesso à educação, mais complicações para a constituição de suas famílias, menos acesso tecnológico num momento de alta virtualização; é uma conta pragmática que fica para esta juventude e, talvez, para as duas próximas. Uma conta maior que fica para todos nós é que com tudo isso que estamos vivendo levará muito mais tempo para almejarmos um mundo mais justo.
Nossa mensagem final não pode ser uma mensagem de tristeza. O que estamos dizendo é que temos de olhar para a juventude, defender os direitos deste segmento da população, porque isso impacta todo o conjunto da sociedade. É preciso olhar para a juventude sem esse discurso de que são alienados, que não têm compromisso, que só querem lazer, mas devemos pensar também nessa massa e em toda essa força criativa que move toda a sociedade.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Tauá Lourenço Pires – É importante reforçar que se trata de um material feito de jovem para jovem. Todo mundo que gravou e foi entrevistado era jovem, falando com pessoas jovens sobre jovens. É o protagonismo de não ser ninguém falando sobre eles, e sim eles próprios falando. Essa questão dos sonhos, que deixamos como uma mensagem final, é importante para que não percamos essa perspectiva de sonhar, que não se torne um privilégio de parte da sociedade. Não podemos abrir mão de ser uma sociedade que sonha e que seus jovens possam ter planos de futuro pós-pandemia.