23 Fevereiro 2021
Antonio Tavares foi morto em maio de 2000, e os envolvidos no crime nunca foram responsabilizados.
A reportagem é publicada por Brasil de Fato, 22-02-2021.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA), recebeu na última semana o caso “Antonio Tavares Pereira e outros vs. Brasil”, referente ao assassinato do trabalhador rural Antonio Tavares por policiais militares em 2 de maio de 2000, no Paraná.
Além da morte de Tavares, serão julgadas as lesões sofridas por 185 camponeses ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na mesma ocasião, durante o governo Jaime Lerner.
O episódio é considerado pelo MST “um dos momentos mais emblemáticos do processo de violência e de criminalização na luta pela terra”, já que os envolvidos nunca foram responsabilizados.
As organizações denunciantes do caso são Comissão Pastoral da Terra (CPT), Justiça Global, MST, Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap) e Terra de Direitos.
Desde 2014, elas tentavam uma solução amistosa para o caso junto ao Estado brasileiro. Diante da falta de respostas, os denunciantes decidiram acionar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), e esta decidiu levar o caso à Corte.
Mesmo que o caso seja anterior ao governo Bolsonaro, cabe à atual gestão responder enquanto Estado.
A Comissão pede a reparação integral das vítimas diretas e dos familiares de Antonio Tavares, medidas de atenção à saúde física e mental necessárias para a reabilitação das 185 vítimas diretas e dos familiares de Tavares, investigação de maneira diligente, imparcial e efetiva do caso, além de medidas de capacitação dirigidas aos órgãos de segurança que atuam no contexto de manifestações e protestos.
O julgamento funciona como em qualquer outra corte, com oitivas e audiências, e pode levar anos para ser concluído. Mesmo assim, a chegada à Corte Interamericana é considerada um marco, já que muitas violações de direitos humanos sequer são levadas ao órgão judicial.
Antonio Tavares foi assassinado em 2 de maio de 2000. Na ocasião, cerca de 50 ônibus com trabalhadores rurais viajavam do interior do Paraná à Curitiba para participar da Marcha pela Reforma Agrária, organizada pelo MST, em comemoração ao Dia dos Trabalhadores.
Na BR-277, os passageiros desceram de um dos ônibus, em razão de um bloqueio feito pela Polícia Militar, para perguntar o que estava ocorrendo. Foi quando a PM disparou contra os trabalhadores, sem nenhum tipo de ordem judicial.
Tavares tinha 38 anos e deixou esposa e cinco filhos. Ele era assentado da reforma agrária em Candói (PR).
Entre 1994 e 2002, quando o Paraná foi governado por Lerner, ocorreram 502 prisões de trabalhadores rurais, 324 lesões corporais, 7 trabalhadores vítimas de tortura, 47 ameaçados de morte, 31 tentativas de homicídio, 16 assassinatos e 134 despejos violentos no Paraná.
No ano seguinte ao assassinato, um monumento de 10 metros de altura, de autoria do arquiteto Oscar Niemeyer, foi inaugurado no local do crime.
Em 4 de maio de 2000, foi instaurado um Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar o ataque aos sem-terra. O Ministério Público Militar emitiu um parecer favorável ao arquivamento dos autos cinco meses depois. Em 10 de outubro de 2000, o juiz militar determinou o arquivamento do caso.
O Ministério Público Estadual, entendendo que se tratava de homicídio doloso, de competência da Justiça Estadual, ofereceu denúncia contra o policial Joel de Lima Santa Ana, apontado como autor do disparo que matou Tavares.
No entanto, o Tribunal de Justiça, através de habeas corpus impetrado pelo réu, encerrou o processo criminal com o argumento de que o caso já havia sido arquivado pela Justiça Militar. A Procuradoria de Justiça não recorreu desta decisão.
Ao levar o caso à Corte, a CIDH avaliou que o Estado brasileiro não apresentou explicação que lhe permitisse considerar que a morte de Antonio Tavares resultou do uso legítimo da força.
O relatório enfatiza que não há controvérsia de que o tiro que causou a morte partiu de um policial militar, de que o referido agente não agiu em legítima defesa e de que o tiro foi disparado quando a vítima estava desarmada.
Assim, a CIDH concluiu que o Estado brasileiro teria violado os direitos consagrados nos artigos 4.1 (direito à vida), 5.1 (integridade pessoal), 13 (liberdade de pensamento e expressão), 15 (direito de reunião), 22 (direito de movimento e de residência), 8.1 (garantias judiciais) e 25.1 (proteção judicial) da Convenção Americana de Direitos Humanos.
O Brasil já foi responsabilizado na Corte Interamericana por outras duas violações de direitos humanos contra sem-terra no Paraná: o assassinato do trabalhador rural Sétimo Garibaldi e interceptações telefônicas ilegais contra associações de trabalhadores rurais ligadas ao MST.
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Corte Interamericana julgará assassinato de camponês ligado ao MST no Paraná - Instituto Humanitas Unisinos - IHU