22 Fevereiro 2021
"Celebrar, governar, ensinar são as três tarefas reservadas exclusivamente aos homens. O que resta para as mulheres? O direito de "acompanhar as decisões" daqueles senhores. E é o que acontece com Nathalie Becquart, que se encontra como 'segunda'", escreve Christine Pedotti, diretora da redação do Témoignage chrétien, fundadora do Comité de la jupe com a biblista Anne Soupa, intelectual feminista, católica de esquerda, escritora e jornalista. É autora de vários livros, entre eles Jésus, l'homme qui préférait les femmes (Albin Michel, 2018) e Jean Paul II, l'ombre d'un saint (com Anthony Favier, Albin Michel, 2020). O artigo é publicado por Le Monde, 18-02-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma mulher, Nathalie Becquart, foi pela primeira vez nomeada para o Sínodo dos Bispos. Mas a feminista católica, vice-presidente do Comité de la jupe, ressalta os limites de tal decisão.
A religiosa francesa Nathalie Becquart foi recentemente nomeada subsecretária do Sínodo dos Bispos, um dos órgãos permanentes do Vaticano. Trata da organização dos sínodos romanos, reuniões regulares de bispos de diferentes países que tratam de questões específicas.
Nathalie Becquart é agora a número dois, sob a autoridade de Mons. Mario Grech, que é o secretário. É a primeira vez que uma personalidade "leiga", ou seja, não ordenada diácono, nem sacerdote, nem bispo, assume uma posição deste nível - e, além disso, trata-se de uma mulher. Nesta qualidade e neste nível de responsabilidade, ela tem, portanto, o "direito de voto" nos sínodos. O último sínodo foi o da Amazônia (outubro de 2019); o próximo, em outubro de 2022, tratará da "sinodalidade" - uma espécie de "mise en abyme", pois será uma reflexão "sinodal" sobre a forma de tomar decisões nos sínodos.
No Vaticano, a sinodalidade indica o que o mundo profano chamaria de concertação, ou mesmo, ousamos dizer, processo democrático. É uma questão importante para o Papa Francisco, que está tentando tirar a Igreja Católica de um exercício de poder autoritário, centralizado e clerical. Ao nomear uma mulher, o Papa faz um gesto simbólico de "desclericalização", enquanto o Sínodo tentará modificar um funcionamento demasiado centralizado.
O fato de se especificar que a nomeação de Nathalie Becquart implica o exercício do direito de voto não é um anedota, pois por ocasião do Sínodo sobre a Amazônia houve um legítimo protesto das religiosas que não tinham direito de voto, enquanto seus homólogos masculinos, religiosos não sacerdotes, puderam exercer esse direito. A nomeação segue na mesma direção do recente motu proprio, um "ato próprio" do Papa, que abriu dois "ministérios" às mulheres - serviços prestados durante a celebração litúrgica: o leitorado e o acolitado. Até aquele momento, eram confiados apenas aos homens, embora se tratasse de "ministérios leigos".
Os motivos de Francisco são claros: fazer desaparecer toda discriminação contra as mulheres, deixando apenas a diferença entre os leigos batizados, homens e mulheres, e o clero. O esforço é certamente louvável, mas resta o fato de que, na Igreja Católica, o clero é composto sempre por homens. Este é precisamente o ponto sensível, que não é superado. E não se trata apenas de celebrar a missa e os outros sacramentos. Na Igreja Católica, o sacramento da ordem não permite apenas de tratar com a parte "sagrada"; confere também - e de maneira exclusiva - a missão de governar e ensinar, ou seja, de estabelecer normas.
Celebrar, governar, ensinar são as três tarefas reservadas exclusivamente aos homens. O que resta para as mulheres? O direito de "acompanhar as decisões" daqueles senhores. E é o que acontece com Nathalie Becquart, que se encontra como "segunda".
Claro, no mundo profano, as mulheres têm ainda mais dificuldades para se tornar o número um, mas no final elas conseguem. Ursula von der Leyern é, por exemplo, Presidente da Comissão Europeia. No catolicismo, as mulheres estão condenadas a permanecer em segundo lugar pela eternidade? O Papa João Paulo II afirmou isso em 1994, defendendo que a questão não depende da Igreja Católica que - segundo ele - “não tem de forma alguma a faculdade para conferir a ordenação sacerdotal às mulheres” - mas do próprio Deus.
O Papa Francisco é obrigado a respeitar um entrave instituído por um papa, além do mais canonizado?
A intenção de João Paulo II era justamente fechar a porta o mais firmemente possível. Mas, afinal, o Papa Francisco realmente deseja reabri-la? Fazer a pergunta significa questionar-se sobre o pontificado de Francisco. Vemos passos bem pequenos. É claro que o homem, graças a seu carisma particular, deu um novo polimento à função pontifícia. A sua preocupação constante com os mais pobres e frágeis, por um lado irrita muitos católicos "conservadores", por outro lhe garante grande estima fora ou nas margens da Igreja, onde muitos veem expressa a verdade evangélica.
Mas o Papa Francisco realmente espera mudanças profundas na atual organização da Igreja? Pode-se até duvidar. O Sínodo sobre a Amazônia havia decidido a favor da ordenação dos homens casados, mas o papa não seguiu essa indicação. Uma comissão trabalha com a hipótese de ordenar mulheres diáconas; parece que seus trabalhos ficam atolados e nada sairá disso. Quando o papa é questionado se pretende nomear mulheres cardeais - para isso, seria suficiente para ele revitalizar a velha tradição dos cardeais leigos como Mazarin - ele se safa com um "jogo de palavras" dizendo que as mulheres não deveriam ser "clericalizadas", como se fosse necessário proteger as mulheres de um mal que os homens podem sofrer.
Infelizmente, apesar de suas grandes qualidades humanas, Francisco não parece ter percebido a situação. Os pequenos passos representados pelo motu proprio ou pela nomeação de Nathalie Becquart são péssimas dissimulações que não conseguem ocultar a profunda misoginia estrutural do catolicismo e da sua organização fortemente patriarcal e machista. Lucetta Scaraffia, que havia criado o suplemento mensal feminino do Osservatore Romano, descreveu a terrível grosseria dos hierarcas do Vaticano em relação às mulheres; ela tinha visto isso muito de perto. No Vaticano, padres, bispos e cardeais acham normal serem servidos por religiosas, algumas das quais são tão instruídas e detentoras de diplomas ou títulos quanto eles.
O desprezo pelas mulheres coloca em perigo o catolicismo, porque, independentemente do que pensem aqueles senhores com suas mitras, perder as mulheres é perder o futuro. Não existe geração espontânea, nem no catolicismo nem em qualquer outro lugar. O pontificado de Francisco não é revolucionário, é apenas reformador. No entanto, ainda há um motivo para esperança. Os telhados de vidro são como os para-brisas dos automóveis: basta uma batida para que, mais cedo ou mais tarde, estourem.
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“O desprezo pelas mulheres coloca em perigo o catolicismo”. Artigo de Christine Pedotti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU