Neste espaço se entrelaçam poesia e mística. Por meio de orações de mestres espirituais de diferentes religiões, mergulhamos no Mistério que é a absoluta transcendência e a absoluta proximidade. Este serviço é uma iniciativa feita em parceria com o Prof. Dr. Faustino Teixeira, teólogo, professor e pesquisador do PPG em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora – MG.
Um pouco sobre a alma
Às vezes temos uma alma.
Ninguém a tem o tempo todo
e para sempre.
Dia após dia,
ano após ano
podem se passar sem ela.
Às vezes ela só se aninha
por mais tempo
nos enlevos e medos da infância.
Às vezes só no espanto
de estarmos velhos.
Raramente nos assiste
em tarefas maçantes
como mover armários,
carregar malas
ou percorrer uma distância com o sapato apertado.
Quando é para preencher formulários
ou picar carne,
costuma tirar folga.
De mil conversas nossas
participa de uma,
e mesmo assim nem sempre,
pois prefere o silêncio
Quando nosso corpo começa a doer,
sai de fininho do seu plantão.
É difícil de contentar:
não lhe agrada nos ver na multidão,
nem nossa luta por uma vantagem qualquer,
nem o matraquear dos negócios.
A alegria e a tristeza
para ela não são dois sentimentos diversos.
somente quando estão unidos
se faz presente entre nós.
Podemos contar com ela
quando não temos certeza de nada
e temos curiosidade de tudo.
Dos objetos materiais,
gosta dos relógios com pêndulo
e dos espelhos, que trabalham com zelo
mesmo quando ninguém está olhando.
Não revela de onde vem
nem quando vai sumir de novo,
mas está claro que espera tais perguntas
Parece que,
assim como ela nos é necessária,
também nós
para algo lhe somos necessários.
Fonte: Wislawa Zsymborska. Para o meu coração num domingo. São Paulo: Companhia das Letras, 2020, p. 241 e 243
Wislawa Szymborska (Foto: Juan de Vojníkov | Wikimedia Commons)
Wisława Szymborska (1923 - 2012): Conhecida como a "Mozart da poesia", foi uma escritora, crítica literária e tradutora polonesa. Ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura de 1996, possui cerca de 250 poesias publicadas, com as quais, segunda ela, objetivava "buscar o sentido das coisas". Além disso, Wisława foi chamada de “poeta da consciência do ser”. No Brasil suas obras foram publicados individualmente em jornais e revistas ao longo dos anos. Uma coletânea, intitulada Poemas, com 44 textos, foi publicada em 2011 pela Companhia das Letras. Em 2016 a editora lançou a obra Um amor feliz, e, no ano passado, a editora lançou a terceira coletânea de poemas, Para o meu coração num domingo.