05 Novembro 2020
O exemplo de acolhimento do papa a pessoas LGBT mostra outra face da Igreja", escreve Luís Corrêa Lima padre jesuíta, doutor em História pela Universidade de Brasília – UnB e professor do Departamento de Teologia da PUC-Rio.
As declarações do papa Francisco em favor de pessoas homossexuais e seus direitos humanos são uma resposta à hostilidade que elas enfrentam em muitos lugares. No documentário Francesco, ele diz: "Os homossexuais têm direito de fazer parte da família. São filhos de Deus e têm direito a uma família. Ninguém pode ser expulso da família, e a vida dessas pessoas não pode se tornar impossível por esse motivo. O que precisamos é criar uma lei de convivência civil, pois elas têm o direito de estar cobertas legalmente". E asseverou: "Eu defendi isso".
Há menos de um ano, o Parlamento Europeu aprovou por ampla maioria uma resolução expressando sua preocupação crescente pelo número de ataques a lésbicas, gays, bissexuais, transgênero e intersexuais. Isto ocorre na União Europeia por parte de Estados, funcionários públicos, governos nacionais e locais, bem como por políticos. Dá como exemplo o discurso de ódio em campanhas políticas na Espanha, Estônia, Reino Unido, Hungria, Romênia e Polônia. Nesta última, os parlamentares condenam as zonas chamadas "livres de ideologia LGBTI", onde se repudiam movimentos sociais em favor desta população, bem como ONGs que promovam igualdade de direitos. Também condenam ataques de autoridades públicas aos LGBTI visando escolas pois, segundo o Parlamento, devem ser lugares que reforcem e protejam dos direitos fundamentais de todas as crianças.
A Polônia vive um momento político de hegemonia da ultradireita. Certos direitos são considerados influência estrangeira invasiva e praga que ameaça a identidade nacional. As zonas "livres" já abarcam cerca de 100 municípios e um terço do território polonês. A imprensa italiana as comparou ao conceito nazista de zonas judenfrei (livres de judeus). Neste contexto, surgiu recentemente um documento dos bispos poloneses contra os movimentos LGBT+. Para estes bispos, é inadmissível qualquer interpretação bíblica ou teológico-moral que negue a maldade moral do comportamento homossexual. O ensinamento da Igreja nesta matéria é universal, imutável e infalível. Considerando o sofrimento das pessoas LGBT+, é necessário criar centros de aconselhamento ou clínicas, também com a ajuda da Igreja, para ajudar pessoas que desejam "recuperar sua saúde sexual e sua orientação sexual natural". Ou seja, promover a cura destas pessoas.
Nesta ocasião, um jovem casal gay polonês de cineastas e ativistas, Jakub Kwiencińsk e David Mycek, viajou a Roma a fim de denunciar a difícil situação em seu país. Durante a oração do Angelus, na Praça São Pedro, abriram diante do papa uma bandeira do arco-íris com a inscrição: Help (socorro). Na mesma semana retornaram outras vezes a esta praça, abrindo a bandeira com o mesmo objetivo. Os ativistas contaram que ficaram maravilhados com tantos católicos de diferentes países aproximando-se com palavras de apoio. Ninguém ficou ofendido com o arco-íris. A polícia não os afastou. Quando estiveram sozinhos na praça por mais de uma hora, um sacerdote foi até eles, ofereceu água e ouviu o que tinham a dizer. O que os encorajou a fazer este protesto foram as palavras de Francisco a um jovem chileno: "Juan Carlos, que você é gay não importa. Deus te fez assim e te ama assim". Jakub e David relataram à imprensa que os bispos poloneses os chamam de pedófilos, dizem que são uma enfermidade e que a Covid-19 é um castigo divino pelos pecados dos LGBT+. As autoridades polonesas, inspiradas pelo clero, criaram as zonas livres desta população. E concluíram: "cremos que todas estas ações não concordam com os ensinamentos do papa Francisco, por isso o dizemos para encorajá-lo a agir".
O exemplo de acolhimento do papa a pessoas LGBT mostra outra face da Igreja. Ele já recebeu no Vaticano um transexual e sua companheira, com os quais conversou longa e calorosamente. Ao final, deixou-se fotografar na companhia de ambos. Francisco até encaminhou doação de alimentos a um grupo de transexuais em Roma que vive da prostituição. A pandemia havia lhes afastado os clientes, deixando-os em situação de penúria.
Jakub e David tiveram um protagonismo muito importante, dirigindo-se publicamente ao papa como um aliado, não como um inimigo. Na Praça de São Pedro, lugar tão central e emblemático do mundo cristão católico, encontraram acolhida de fiéis e ocasião de ecoar seu apelo profético. As palavras do pontífice no documentário Francesco vêm em seu socorro, contra todos os que dentro ou fora da Igreja querem tornar a vida dos LGBT impossível. Estas vidas importam. Oxalá não falte coragem, criatividade e ousadia para defendê-las.
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Para Francisco, vidas LGBT importam - Instituto Humanitas Unisinos - IHU