05 Junho 2020
A polícia tailandesa impediu uma manifestação no dia do aniversário do massacre da Praça Tiananmen que ocorreria em frente à embaixada chinesa em Bangcoc. Netiwit Chotiphatphaisal, o jovem organizador do evento, porém, não aceitou isso passivamente.
A reportagem é de UCA News, 04-06-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um grupo de jovens ativistas, liderados por Netiwit, solicitou uma permissão no início desta semana para que pudessem realizar uma vigília à luz de velas em memória das vítimas da sangrenta repressão por parte das forças de segurança chinesas no dia 4 de junho de 1989. No entanto, a polícia se recusou a conceder a permissão, citando temores sobre a disseminação do coronavírus.
O jovem ativista desprezou essa desculpa. “Eu fui à delegacia de Huai Khwang para receber um documento oficial afirmando que os nossos eventos ‘A Tailândia não é Colônia da China’ e ‘Protejam o Rio Mekong’ não seriam permitidos. Nós planejávamos segurar cartazes para comemorar os protestos da Praça Tiananmen de 1989”, disse Netiwit, 23 anos, à UCA News.
Mapa do Rio Mekong, sudeste asiático. Fonte: SCMP
“Este ano marca o 31º ano depois que centenas e talvez milhares de cidadãos e estudantes foram assassinados pelo Exército chinês.”
No início de junho de 1989, protestos em massa eclodiram na Praça Tiananmen, em Pequim, contra o repressivo governo comunista do país, que respondeu com uma força esmagadora. Uma sangrenta repressão no dias 3 e 4 de junho viu centenas de manifestantes, a maioria estudantes e jovens, serem assassinados pelas forças de segurança.
Algumas testemunhas oculares estrangeiras à época, incluindo o embaixador britânico Sir Alan Donald, estimaram o número de mortos em vários milhares, talvez de até 10.000 pessoas.
Pequim sempre subestimou a repressão, dizendo que era necessário restabelecer a ordem contra “rufiões” e “elementos criminosos”. Os cálculos oficiais indicam um número de mortos entre 200 e 300, incluindo dezenas de soldados supostamente mortos por manifestantes armados.
O evento continua sendo um divisor de águas na história chinesa moderna, ao mostrar os extremos a que o Partido Comunista do país pode ir para deter o poder. Em junho passado, Netiwit e um pequeno grupo de jovens tailandeses com a mesma opinião foram autorizados a realizar um comício do lado de fora da embaixada chinesa. Segundo o jovem ativista, a decisão deste ano da polícia de não deixar que os protestos ocorram deveria levantar preocupações.
Estudante da Universidade Chulalongkorn de Bangcoc, Netiwit é há anos um crítico franco da junta militar da Tailândia, que derrubou um governo eleito com um golpe em 2014 e continua no poder após eleições parlamentares parcialmente livres ocorridas no ano passado.
Ativista Netiwit Chotiphatphaisal em frente à embaixada chinesa em Bangoc, com uma caixa de biscoitos comemorativos, produzida com seus colegas em rezão do brutal massacre do governo comunista contra os manifestantes pró-democracia na Praça Tiananmen, em Pequim, 1989. Foto: Netiwit Chotiphatphaisal
Desde que tomou o poder, o governo aliado aos militares da Tailândia abandonou largamente as relações do país com o Ocidente em favor de laços mais estreitos com a China. Ao contrário da União Europeia e dos Estados Unidos, Pequim está disposta a fechar os olhos aos abusos de direitos em prol de benefícios diplomáticos e econômicos. A Tailândia também precisa dos milhões de turistas chineses que ajudam a sustentar seu vital setor de turismo.
No entanto, os laços mais estreitos com Pequim têm um custo. A China tem sido amplamente criticada pelos tailandeses por uma calamidade ambiental causada no Mekong, que viu o nível da água do icônico rio cair para mínimos históricos no ano passado.
Ambientalistas locais apontaram um dedo contra as enormes barragens hidrelétricas da China construídas no rio. Pequim descartou todas as preocupações ambientais sobre as barragens da China, citando a seca como a razão dos baixos níveis de água do rio.
As populares opiniões sobre a China, especialmente entre os jovens tailandeses, despencaram, principalmente após a pandemia da Covid-19, que se originou em Wuhan.
Em abril, uma disputa online de uma semana de duração eclodiu entre os internautas tailandeses e chineses depois que um conhecido ator tailandês e sua namorada pareceram expressar apoio à independência de Hong Kong e Taiwan – dois territórios que Pequim considera como parte da China. Insultos foram trocados liberalmente entre os campos de guerra de jovens internautas.
A rixa “é um indicador de como os jovens tailandeses veem a China de maneira diferente de como ela quer ser vista”, disse o professor Sitthiphon Kruarattikan, diretor do Instituto de Estudos do Leste Asiático da Universidade Thammasat em Bangcoc, em um fórum realizado pelo clube de correspondentes estrangeiros de Bangcoc no mês passado. “Isso pode refletir como a China não tem sucesso o suficiente no cultivo de um poder sabe ou na conquista de corações e mentes” em países como a Tailândia.
Apesar das reservas generalizadas entre os jovens tailandeses em relação à China e suas políticas, Pequim tem uma forte influência sobre as autoridades tailandesas. Netiwit diz que, quando solicitou uma permissão para realizar uma manifestação do lado de fora da embaixada chinesa de Bangcoc, foi informado pela polícia de que a embaixada era contra a ideia. “Esse é um protesto [planejado] na Tailândia. Que direito uma embaixada estrangeira tem para impedi-lo?”, perguntou o jovem ativista.
Incomodados com a recusa da polícia em deixar que a sua vigília à luz de velas ocorresse, Netiwit e seus companheiros manifestantes decidiram se engajar em outra forma. de protesto no aniversário do banho de sangue da Praça Tiananmen.
Eles fizeram “biscoitos comemorativos” na forma de um pagode chinês com a data de 1989 e distribuíram 89 deles aos transeuntes em frente à embaixada e na Chinatown de Bangcoc, junto com publicações nas mídias sociais sobre a sua iniciativa.
Eles também procuraram dar alguns dos biscoitos para a equipe da embaixada. “Esperávamos que eles comessem os biscoitos com remorso pelas violações dos direitos humanos na China”, disse Netiwit em uma postagem no Facebook.
“A China deveria aprender com o massacre de Tiananmen e parar de oprimir os tibetanos, os uigures e as pessoas de Hong Kong. Também deveria parar de construir barragens que destroem o Rio Mekong.”
O jovem ativista diz que comemorar o massacre de Tiananmen é uma obrigação moral: “Temos que comemorar esse evento, para que a repressão do Estado chinês não seja esquecida”, explicou Netiwit.
“O governo chinês ainda está reprimindo em lugares como Hong Kong”, acrescentou. “Também está se alinhando com os ditadores na África ou mesmo com a junta aqui na Tailândia.”
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Ativistas tailandeses mostram criatividade ao marcar o aniversário do Massacre de Tiananmen - Instituto Humanitas Unisinos - IHU