09 Setembro 2019
(O artigo que o cardeal Müller não gostará de ler).
Durante os dias 31 de agosto e 1 de setembro, se celebrou o 3º Encontro de “Mujeres Iglesia Chile”, em Concepción (Chile). Sem dúvidas, um acontecimento de suma importância na caminhada da igreja do Chile, submersa em uma crise muito profunda, por muitos motivos já conhecidos. Mais de uma centena de mulheres, leigas e consagradas, que estão convencidas de que “da crise não se sairá sem elas”. E assim é na realidade. Sob influência do Espírito, a “Ruah”, refletiram sobre temas atuais de grande importância para aportar sua visão feminina das coisas com valentia e serenidade. Erraria a igreja do Chile, e a igreja em geral, caso se fizesse de surda as contribuições das mulheres que, sendo maioria na Igreja, ainda não lhes foi concedido protagonismo e responsabilidade para estar à altura dos homens, como lhes corresponde por direito. Se para Deus todos somos todos iguais para além de nosso sexo ou condição, o lógico é que sejamos também na igreja com todas as consequências. Quando vamos superar a mentalidade machista do judaísmo do século I e receber, como um grande dom que é, as contribuições que os carismas femininos podem presentear e enriquecer a igreja de Jesus? Sobretudo, nesses tempos em que é rara a profecia, como em tempos do profeta Samuel, e os carismas estão apagados por um clericalismo desmensurado e uma falta significativa e preocupante de líderes cristãos.
O artigo é de Alejandro Fernández Barrajón, publicado por Religión Digital, 07-09-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Sob a ação do Espírito de Deus, a Ruah, estas mulheres intrépidas se reuniram, vindo de distintos lugares do país, com o desejo de refletir juntas e presentar a sociedade e a Igreja com suas contribuições nos temas mais candentes e difíceis de hoje. Uma bela iniciativa. Assim expressou uma delas ao final do encontro:
“Vou embora com o coração agradecido, sentindo a tranquilidade do sul e o grito de força feminina... mulheres novas que contam suas experiências, construtoras de nova humanidade, mulheres lindas bailando a esperança, mulheres que gritam liberdade”. “Graças ao sopro da Ruah que através de outras mulheres nos mostraram esse caminho que, unido à sabedoria de gerações, foram como um fertilizante para fazer florescer nossos dons”. “Graças à Ruah por tudo que foi vivido em Concepción, supero minhas expectativas em todo âmbito. As ressonâncias são infinitas: de caras, emoções, conteúdos, mostras de sororidade e carinho... ficou gravado, passando do silêncio à palavra, da invisibilidade à visibilidade, da subordinação à responsabilidade”.
As participantes foram mulheres de todos cantos do país, de todas as tendências e ideologias, unidas pela mesma fé e o mesmo propósito: desde um grande amor à Igreja, celebrar a fé e refletir juntas para dar um passo à frente no que se refere à “sororidade” e participação eclesial.
As reflexões partiram de três grandes declarações do credo:
1. “Creio em Deus-Pai”. Com a contribuição da teóloga Carolina del Río, acabaram chamando Deus de “Mãe”!
2. “Creio em Jesus Cristo, o Filho”. Com a iluminação de Krety Sanhueza, descobriram que Jesus havia convocado também no anúncio do Reino discípulas e apóstolas para formar comunidade e compartilhar em comum o anunciado.
3. “Creio no Espírito Santo”. Aqui foi Berni Zambrano quem iluminou o tema para descobrir que é o batismo que nos confere a plena cidadania e sacramentalidade, o mesmo aos homens e às mulheres.
A organização “Mujeres Iglesia Chile” está crescendo muito e já vê a necessidade de se organizar para ser mais efetivas em suas tarefas. Por isso pensou na criação de comunidades regionais que se comprometam a incidir em seus locais de vida e ação para seguir falando e não permitindo que ninguém as silencie, como deve acontecer, a não calar e denunciar o maltrato de alguns clérigos ou leigos clericalizados, que também são abundantes.
A romper a imagem de que a mulher é pecador, reminiscência de Eva. A mulher não é tentação como alguns creem. Desejam crescer na linguagem inclusive na liturgia e em todos os espaços eclesiais. Lutar contra as liturgias sem conteúdo, sem fervor e desencarnadas. Apresentar uma Teologia Feminina para que não se escute somente a Teologia Masculina, que não conta com o que é tipicamente feminino. Evitar uma Teologia unidimensional. Trabalhar para evitar a servidão da mulher ao homem nas tarefas eclesiais. Mais responsáveis e menos submissas à hierarquia. Não calar nenhuma injustiça ou abuso que venham aparecendo na caminhada da vida da comunidade. Evitar que se desvalorize a opinião ou as contribuições das mulheres. Perder o medo a ser julgadas pelas contribuições ou opiniões das mulheres e não aceitar papeis secundários que estigmatizam a mulher como inferior ou ser excluídas da liturgia por homens. Trabalhar para formar parte dos órgãos de decisão da Igreja local. Separar espiritualidade e corporeidade das mulheres.
Porque estão convencidas de que está chegando um tempo novo que é imparável: O tempo de novas linguagens e símbolos que não são somente masculinos, o tempo de fazer da Eucaristia uma celebração onde caibam todos como protagonistas e não somente espectadores, o tempo de uma nova Teologia Feminina, onde se possa escutar o testemunho e as experiências das mulheres, o momento de integrar corpo, mente e coração, o tempo de que as mulheres possam presidir as liturgias, destacar o papel das mulheres na sagrada Escrituras, para que as mulheres possam recuperar seus espaços que lhes foram tirados, mudar os estereótipos de mulheres que aprendemos e seguimos mantendo, sobretudo de Maria Madalena e de Maria, a mãe de Jesus, assumir papéis protagonistas e não sempre secundários, fazer possíveis liturgias circulares onde todos possamos nos escutar, promover com força a solenidade de santa Maria Madalena, um novo e distinto mês de Maria, fazer possível uma rede de apoio a mulheres maltratadas. Tudo isso são desafios que as mulheres têm, para evitar todo tipo de abusos e difundir a mensagem das mulheres no conjunto da Igreja.
O Encontro se fechou com uma bonita liturgia, comungando pão, uvas passas, água, leite e mel, em lembrança e agradecimento pelos frutos da terra.
Em torno da linha dessa discussão desejo compartilhar algumas reflexões:
1. Não podem ser termas fechados assuntos que afetam a caminhada da Igreja e sua credibilidade como uma comunidade viva que deseja responder aos sinais dos tempos. Quando ouço que o tema da ordenação da mulher é um “tema fechado” me pergunto quem o fechou e em virtude de que autoridade a margem da comunidade eclesial que é de onde se assenta a força do Espírito que sopra quando quer e vai onde quer. A igreja não é uma democracia, porém deve sê-la cada dia mais (“O Espírito Santo e nós decidimos”) porém tampouco dever ser uma ditadura. Não é tempo de fechar portas ao Espírito Santo. Muito mais em uma época em que está crescendo, de maneira espetacular, a reflexão sobre esses temas entre os leigos e muitos bispos.
2. O tema do papel da mulher é um tema pendente que precisa ser afrontado o quanto antes, sob o risco de ser considerados uma comunidade ancorada ao passado, pré-histórica e insensível aos direitos humanos.
3. O mesmo acontece com o tema do celibato obrigatório aos clérigos, nos quais ninguém pode impor um carisma que é uma opção livre e pessoal de cada um hoje. Muitos poucos entendem isso hoje. É uma decisão história que precisa ser repensada sem medos.
4. Creio que, assim mesmo, precisa se levantar o tema das vocações ao sacerdócio, que sofre uma grande crise, e teria que buscar soluções alternativas para que o serviço à comunidade cristã esteja garantido. Já há mulheres na América que presidem as liturgias e ninguém coloca as mãos na cabeça, mas sim se valorizam as comunidades esse grande serviço.
5. Não menos importante é o tema dessa formação dos candidatos a presidir as comunidades. É ali onde se gestam as atitudes clericais e onde, por uma escassa formação humana, se gestam possíveis casos de pedofilia. A dimensão humana, psicológica e afetiva é uma grande carência na formação dos últimos tempos.
Enfim, temas para não perder o passo e para abordar em toda a Igreja, seminários, conselhos presbiterais, grupos de catequistas, conselhos paroquiais, conferências episcopais, encontros de consagrados e superiores... porque não temos nada a perder e muito a ganhar. Ao que devemos temer? De pensar?
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As mulheres no Chile se organizam como Igreja em luta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU