07 Agosto 2019
“Desde que Donald Trump e sua esposa imigrante desceram a escada rolante da Trump Tower para anunciar sua candidatura presidencial em junho de 2015, o país foi bombardeado com um ataque de discursos de ódio que emana desse presidente.”
Reproduzimos aqui o editorial do jornal National Catholic Reporter, 06-08-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Segundo o editorial, "quando um assassino em massa usa a mesma linguagem que o presidente, isso se torna uma questão moral. Agora é imperativo chamar aqueles que ignoraram ou defenderam o indefensável durante muito tempo. Aqueles católicos que alimentaram esse mal devem ser chamados a prestar contas".
"Estes tempos exigem um exame de consciência massivo para aqueles que fomentaram esse tipo de liderança - conclui o editorial. Isso inclui bispos e padres, assim como leigos católicos, particularmente aqueles que fazem parte desse governo, e aqueles fiéis que não sentem nenhuma vergonha nesses incessantes ataques contra migrantes e outros, a maioria dos quais são coirmãos católicos".
A posse do presidente Donald Trump incluiu um discurso furioso sobre o crime urbano nos Estados Unidos, mesmo quando a maioria das cidades estadunidenses viveram uma queda acentuada no número de assassinatos e na violência nas últimas duas décadas.
“Essa carnificina americana para aqui, e para agora”, disse ele. Isso foi em janeiro de 2017.
Agora, aquela carnificina voltou com sede de vingança.
Alguns argumentam que os estadunidenses são insensíveis aos tiroteios em massa desde Columbine, ainda em 1999. Os ataques violentos – Las Vegas, Parkland, Gilroy –, dizem eles, começou a se fundir em nossas cabeças coletivas e a perder um significado particular.
Alguns olham para a moralização generalizada em busca de uma explicação. O problema, dizem eles, são os videogames. No entanto, os jovens japoneses e sul-coreanos adoram os videogames tanto quanto seus coetâneos norte-americanos, mas esse tipo de ataques raramente ocorre em qualquer um desses países.
Ou se trata do secularismo invasivo. Mas o norte da Europa talvez seja a região mais secular da Terra, e eles raramente sofrem tais horrores.
Ou se trata da saúde mental. Mas os norte-americanos realmente são mais propensos a graves transtornos mentais do que as outras pessoas?
Há uma grande diferença: os jovens estadunidenses, quase sempre do sexo masculino, podem encontrar o tipo de poder de fogo para expressar essa raiva mortal.
A questão do fácil acesso às armas de guerra é um denominador comum desde Columbine. Mas a carnificina estadunidense do último fim de semana em El Paso, Texas, e em Dayton, Ohio, é diferente. Os presidentes Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama viram seus papéis como pregadores nacionais de luto e consolo em tempos de crise. Clinton depois de Oklahoma City, Bush depois do 11 de setembro, e Obama depois do massacre da igreja em Charleston elevaram-se nessas ocasiões com palavras de conforto das formas mais eloquentes que esses três homens puderam congregar.
Desta vez é diferente. Nunca tivemos uma liderança política em relação à qual os assassinos em massa pudessem citar a própria retórica que emana da Casa Branca para justificar seu mal.
Desde que Donald Trump e sua esposa imigrante desceram a escada rolante da Trump Tower para anunciar sua candidatura presidencial em junho de 2015, o país foi bombardeado com um ataque de discursos de ódio que emana desse presidente.
Naquele anúncio de campanha, para que não nos esqueçamos, o candidato Trump declarou os imigrantes mexicanos como estupradores e assassinos, com um aparte sarcástico de que talvez alguns deles sejam pessoas boas. Querem continuar? A ladainha é muito familiar: o pedido para que quatro congressistas mulheres voltem de onde vieram. Uma nasceu em Cincinnati, que, da última vez que verificamos, localiza-se nos EUA; outra no Bronx, não muito longe do local de nascimento do presidente.
Mais grotescamente, quando um valentão em um de seus comícios na Flórida ecoou uma multidão de linchadores, conclamando que os imigrantes deveriam ser fuzilados, Trump só pôde fazer pouco caso do comentário. Apenas algumas semanas depois, um jovem revoltado incorporou aquele espírito demoníaco e viajou centenas de quilômetros até um lugar onde ele sabia que haveria muitos mexicanos.
Era El Paso. A situação em Dayton permanece mais obscura. Se esse horror será consignado às ações de outro indivíduo mentalmente desordenado, ou se foi parte de um quadro mais amplo de ódio, isso ainda não havia sido determinado até a publicação deste texto.
A dose dupla de atrocidade do fim de semana passado foi diferente, particularmente o que sabemos sobre El Paso. Quando um assassino em massa usa a mesma linguagem que o presidente, isso se torna uma questão moral. Agora é imperativo chamar em causa aqueles que ignoraram ou defenderam o indefensável durante muito tempo. Aqueles católicos que alimentaram esse mal devem ser chamados a prestar contas.
Nós não pedimos que se proíba a Comunhão. Como diz o Papa Francisco, a Eucaristia não é uma recompensa para os santos, mas sim uma ajuda para os pecadores. Mas estes tempos exigem um exame de consciência massivo para aqueles que fomentaram esse tipo de liderança. Isso inclui bispos e padres, assim como leigos católicos, particularmente aqueles que fazem parte desse governo, e aqueles fiéis que não sentem nenhuma vergonha nesses incessantes ataques contra migrantes e outros, a maioria dos quais são coirmãos católicos.
Desta vez é diferente, e as lideranças da Igreja devem reconhecer isso. Não mais generalizar acusações contra a sociedade e seus excessos. Não mais críticas mornas às políticas imigratórias do governo por parte da Conferência Nacional dos Bispos, explicitadas em comunicados de imprensa higienizados, em que o nome “Trump” nunca aparece, como se esse mal peculiar fosse algum tipo de massa desencarnada.
Temos um líder moralmente falido. Precisamos encontrar nossos líderes em outros lugares, às vezes inesperados.
Uma dessas oportunidades foram as cerimônias do Hall da Fama do Futebol Americano, em Canton, Ohio, no último fim de semana. Lá, Champ Bailey, um dos homenageados, falou em um tom sério naquele que geralmente é um festival mais jocoso.
“Dizemos isto a todos os nossos amigos brancos: quando falarmos sobre os nossos medos para vocês, por favor, escutem”, disse Bailey. “Quando lhes dissermos que temos medo pelos nossos filhos, por favor, escutem. E, quando lhes dissermos que há muitos desafios que nós enfrentamos por causa da cor da nossa pele, por favor, escutem.”
Escutar é um começo para toda a América branca, particularmente aqueles fiéis que, por alguma razão perversa, se deleitavam com o fanatismo desse governo peculiar enquanto ouviam a mensagem do Evangelho todos os domingos. Só então é que o verdadeiro arrependimento pode ter sequência, oferecendo esperança de que essa carnificina estadunidense pare aqui e agora.
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Revisitando a carnificina norte-americana. Editorial do jornal National Catholic Reporter - Instituto Humanitas Unisinos - IHU