10 Abril 2019
“Ustra Vive! Fleury Vive!”. A saudação em homenagem a dois dos símbolos da repressão e tortura durante a ditadura militar foi seguida de aplausos e risos. O lugar em que a cena ocorreu foi o plenário Paulo Kobayashi, da Assembleia Legislativa de São Paulo. Ali, o que era uma sessão para a exibição do filme 1964, o Brasil entre armas e livros, com a presença dos deputados estaduais Douglas Garcia (PSL) e Castello Branco (PSL), transformou-se em desagravo à memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do Destacamento de Operações de Informações (DOI), do 2.º Exército, e ao delegado Sérgio Paranhos Fleury, do antigo Departamento de Ordem Política e Social da Polícia Civil de São Paulo, o Dops.
A reportagem é de Marcelo Godoy, publicada por O Estado de S. Paulo, 10-04-2019.
O filme foi exibido na noite de segunda-feira, 8, e justifica o golpe de 31 de Março de 1964 como ação necessária para “deter o comunismo”. Defende ainda a tese de que, por falha dos militares, o “marxismo cultural” dominou a imprensa, as universidades e a cultura no País, impregnando a Constituição de 1988.
Terminada a exibição, foi formada uma mesa de debate com os parlamentares do PSL, o advogado Renor Oliver – colaborador do site bolsonarista Terça Livre –, o ex-marinheiro José Anselmo dos Santos, o cabo Anselmo, e o ex-delegado Paulo Oppido Fleury, filho de Sérgio Paranhos Fleury.
Garcia disse que as homenagens a Ustra e Fleury não estavam previstas. “O objetivo do evento era exibir o filme.” Afirmou que convidou Fleury e Anselmo para que dessem um testemunho histórico. Sobre as exaltações a Ustra e a Fleury, disse: “As pessoas têm direito à liberdade de expressão”.
Castello Branco também disse que a homenagem não estava prevista. “Não concordo com tudo o que foi dito, mas defendo o direito de expressão de quem disse.” Para ele, se a “esquerda pode enaltecer seus heróis, a direita tem o mesmo direito”. “O mundo da época vivia uma guerra em que todos os meios foram usados por ambos os lados.”
O primeiro a falar no evento foi o deputado Castello Branco, que elogiou o filme e fez um relato sobre seu tio-avô, o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, que de 1964 a 1967 presidiu o País. Em seguida, tomou a palavra o Cabo Anselmo. “Gostaria que houvesse um choque para tratar com firmeza isso (o domínio da esquerda nas universidades).” Mais famoso agente infiltrado da ditadura, Anselmo contou sua teoria de que filósofos da Escola de Frankfurt estavam “por trás” das drogas, como o LSD, espalhadas nas universidades americanas. O cabo trabalhara sob as ordens de Fleury, no Dops.
Logo em seguida, o deputado Garcia anunciou o filho de Fleury. “Estou com medo de anunciar o senhor porque, por elogiar o seu pai, eu estou sendo processado.” Arrancou gargalhadas da plateia de cerca de 90 pessoas. Garcia foi responsável pela montagem do bloco carnavalesco Porão do Dops, proibido pela Justiça em 2018 por fazer apologia à tortura. Ele foi absolvido em dois processos criminais mas ainda responde a uma ação civil sobre o caso.
Paulo Fleury apanhou o microfone e soltou: “Ustra vive! Fleury vive!”. Foi aplaudido. Arrancou gargalhadas ao relatar as peripécias de seu pai. “Minha missão agora é resgatar a imagem de Sérgio Fernando Paranhos Fleury. Quarenta anos (desde a morte do pai, em 1979), tomando porrada, ouvindo absurdos, sendo ofendido e perseguido.” Demitido em 2010 da polícia, Paulo Fleury disse que o pai “foi um dos grandes heróis que defenderam o País”.
Foi apoiado pelo delegado Carlos Alberto Augusto, o Carteira Preta, outro veterano do Dops. Carteira Preta foi convidado por Garcia a compor a mesa. “Estamos em uma noite de história”, justificou Garcia. “Tive a honra de trabalhar por sete anos com Fleury. Quero fazer um agradecimento à família Fleury, pois trabalhei com um delegado de polícia homem. E agradecer ao Anselmo pela ajuda que eles nos deu.” Também foi aplaudido. “Ustra foi um herói.”
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Sessão de filme sobre 64 vira ato de desagravo à repressão militar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU