24 Novembro 2018
O comentário é do teólogo italiano Roberto Mela, professor da Faculdade Teológica da Sicília, publicado por Settimana News, 30-09-2018. A tradução é de Luisa Rabolini, 16-11-2018.
Confesso que eu esperava há muito tempo um livro como esse. O estudioso bíblico, professo em Udine, Pádua e Milão, é um dos especialistas italianos no apóstolo Paulo mais respeitado e competente, bem como um dos alunos mais destacados e sucessor do inesquecível neotestamentarista Mons. Rinaldo Fabris. Sua escrita é clara, concisa, documentada e atualizada.
Como ele mesmo lembra na introdução (p. 5-8), o seu texto gostaria de buscar uma quase completude, sem se limitar a ser uma biografia de Paulo, ou uma pura introdução às suas cartas ou ao estudo de sua própria teologia. Ele quer integrar todas as três dimensões do grande apóstolo: biografia histórica, introdução literária e conteúdo das epístolas, síntese de sua teologia.
É importante ter em mente que Paulo não escreveu tratados, mas cartas, isto é, instrumentos de comunicação contingentes. Para entender o pensamento paulino é, dessa forma, necessário conhecer as circunstâncias históricas em que as cartas foram concebidas, as causas que lhes deram origem, os objetivos a que Paulo se propunha, as estratégias argumentativas que ele usou para alcançá-los e, finalmente, o conteúdo que ele pretendia transmitir.
Del volume de Romanello mencionarei apenas algumas linhas decisivas sobre alguns pontos discutidos entre os estudiosos, sem me deter sobre o conteúdo das cartas e da teologia paulina, normalmente já bem estudados e expostos.
Nos três primeiros capítulos (p. 9-90), o autor fornece as principais coordenadas históricas, religiosas e sociais necessárias para enquadrar a figura de Paulo. As duas principais fontes são as cartas paulinas e os Atos dos Apóstolos.
Sobre a espinhosa questão da cronologia paulina, o esquema sumário proposto é o seguinte:
cerca de 32-33 Experiência de Damasco;
35-36 Encontro com Kefa em Jerusalém;
49-50 Assembleia de Jerusalém;
50-52 Missão em Corinto; 55 Cativeiro em Éfeso;
57-59 Detenção em Jerusalém e detenção em Cesária;
60-62 Detenção e martírio em Roma.
Paulo nasceu em Tarso na Cilícia de uma família originária talvez de Giscala na Galileia ("informação que [...] deve ser considerada com extrema reserva" (p. 41), trabalha manualmente, tem vários parentes, é um fariseu originário da diáspora, com formação de trabalho em Jerusalém, perseguidor do movimento cristão que ele considerava incompatível com a crença judaica a pregação de um messias crucificado - e, portanto, amaldiçoado por Deus com base na Lei (cf. Dt 21:23) -, "pois o anúncio surpreendente da ressurreição de uma pessoa crucificada envolve uma desmentida de algumas das convicções da Lei a que Israel estava indissoluvelmente ligado"(p.40).
"Perguntar-se desde que geração sua família residisse em Tarso e como ele poderia desfrutar da cidadania romana são questões a que provavelmente nunca poderemos dar respostas" (p. 40).
Como Flávio Josefo, Paulo talvez acabou se casando mais tarde (Josefo fez isso aos trinta anos, algo não usual), mas é "provável que o fariseu Paulo, como Josefo, não tivesse se casado quando jovem, e que, após a experiência do Cristo ressuscitado, tenha permanecido nessa condição, considerando-a um dom de Deus conveniente para a sua missão apostólica" (p. 46).
Paulo "não entendeu o acontecimento de Damasco como conversão-mudança de fé, e ele não renegou com isso seu próprio credo judaico" (p. 56). Ele nunca usou o termo "conversão" em referência a tal evento.
Para Romanello, porém, foi uma "enorme virada que ocorreu em sua fé judaica: continuando a professar a própria fé no único Deus de Israel, Paulo não pode deixar de professar a fé também no Filho, reconhecido igualmente como Senhor” (ibid.) Basta comparar com 1Cor 8.6. Em qualquer caso, "não se pode imaginar uma mudança mais radical do que um perseguidor que se torna um apóstolo" (ibid.).
Paulo se torna apóstolo dos gentios, os primeiros destinatários de seu esforço apostólico e, no final de suas viagens missionárias, é feito prisioneiro de Roma. "Mas se o evento da execução por decapitação de Paulo tem uma base histórica, deveria se concluir que ele foi condenado à morte como cidadão romano após um processo regular, e não nas execuções sumárias de cristãos ordenadas por Nero para desviar a suspeitas populares sobre o incêndio de Roma de julho de 64 d.C., sobre o qual fala o historiador romano Tácito (Anais 15,44,2-5)” (p. 86).
Romanello inclui uma eventual libertação e viagem posterior à Espanha (entre outras coisas, Paulo dá o último adeus aos territórios do Oriente em Mileto: cf. Atos 20,25.38). Tudo isso leva "a maioria a acreditar que o apóstolo Paulo concluiu sua vida terrena depois de dois anos de custódia romana" (p.87).
Se Paulo tivesse sido libertado, Lucas teria dito isso porque daria mais apoio à sua tese do crescimento do movimento cristão de maneira compatível com as estruturas do império romano. Ele não menciona a morte de Paulo porque a disseminação da Palavra chegou a Roma, capital do império que atinge os confins da terra, e porque agora sua história já havia acabado.
Lucas o propõe como modelo para o leitor sob o perfil testemunhal (pregação em Roma, com parrésia e sem impedimentos).
Com o final reticente Lucas questiona o leitor e lhe faz entender que "a anunciação já não é mais agora obra das primeiras testemunhas históricas, mas confiada para a sucessiva geração de crentes, e assim não pode terminar com seu fim" (p. 87).
No c. IV (p. 91-110), muito importante e inovador talvez para alguns leitores, Romanello ilustra o gênero epistolar na antiguidade e sua relação com as cartas de Paulo. Ele descreve a composição destas últimas ao nível do endereçamento inicial e de pós-escrito final e explica a relação que as cartas podem ter com os três gêneros literários da retórica clássica sobre os discursos (p. 102ss).
Na exegese de Paulo já se impôs em nível universal a importância decisiva da análise retórica e literária a fim de compreender corretamente o conteúdo teológico de suas epístolas. Por conseguinte, é essencial conhecer a distinção entre os três gêneros literários de discursos de acordo com a retórica clássica, no que se refere a seu propósito, o tempo de referência e o método seguido.
O gênero deliberativo tem como finalidade a utilidade, o tempo utilizado é o futuro e o método é o de aconselhar ou desaconselhar. Trata-se de persuadir a tomar algumas decisões sobre as práticas a serem realizadas. Outras dimensões, como a justiça e a beleza, podem ser entendidas como subordinadas à utilidade.
O gênero judiciário tem como propósito a justiça, o tempo utilizado é o passado, o método é o de acusar ou defender. Trata-se de uma questão de avaliar se as ações realizadas por indivíduos tenham sido realizadas corretamente ou sejam passíveis de acusação.
O gênero demonstrativo ou epidíctico tem como fim a beleza, o tempo utilizado é o futuro e o método é o de louvar ou culpar. Trata-se de argumentar sobre a beleza no sentido aristotélico, isto é, afim do bem. As cartas de Paulo não são discursos de tipo forenses e, portanto, as regras da retórica clássica devem ser aplicadas a eles cum grano salis. Podem ser seguidas algumas vezes e de modo parcial (cf. o útil diagrama na p.102).
É inegável, no entanto, que não podemos entender a argumentação de Paulo se não soubermos a quem ele se dirige, a audiência que está diante dele, o que ele quer comunicar. Isso só é compreensível quando se atenta ao modo cuidadoso como Paulo argumenta seu discurso, isto é, suas estratégias argumentativas. Deve-se, essencialmente, prestar atenção ao inventio, ou seja, à capacidade de encontrar argumentos persuasivos, à dispositio, ou seja, à ordenação dos argumentos e à estruturação do discurso, e ao elocutio, ou seja, o uso de palavras e frases apropriadas com as quais expressar os próprios argumentos. Paulo usa várias figuras da palavra (quiasmas, paralelismo, inclusão, anáfora, enumeração, litote, antanáclase, etc.).
De importância central para a compreensão da evolução argumentativa das várias cartas paulinas é, em primeiro lugar, identificar a tese fundamental ou propositio principalis que Paulo pretende demonstrar e separar as diversas probationes (de vários tipos), a que recorre para atingir o seu objetivo. Também são importantes a refutatio ou confutatio da tese adversária, o peroratio conclusiva e resumidora (não de caráter exortativo como poderia se pensar ...). Nem mesmo são infrequentes a digressio, a concessio e outros recursos retóricos.
Eu gostaria de citar, por exemplo, as afirmações positivas sobre a Lei presente em Rom 7.12. Elas são expostas como uma concessio e não como uma expressão positiva do pensamento global de Paulo sobre o tema!
Não conhecer o preciso teor retórico do contexto pode ser fatal para a compreensão exegética e teológica das autênticas posições teológicas do Apóstolo...
No c. V (p. 111-198) Romanello descreve uma introdução para as sete epístolas "autênticas" (assim chamadas por outros estudiosos homologoumena): 1 Thess, 1 Cor, 2 Cor, Phil, Philem, Gal, Rom). De cada uma delas o autor ilustra a datação e a ocasião (o que não combina com o propósito!), a composição retórico-literária e o desenvolvimento argumentativo.
As seis cartas da tradição paulina são apresentadas no c. VI (p. 199-268), adotando o mesmo método utilizado para a análise das precedentes: datação e ocasião, composição retórico-literária, desenvolvimento argumentativo. Eles são as epístolas “discutidas” (assim chamados por outros estudiosos Antilegomena): 2 Thess, Col, Eph (que o exegeta Pitta classifica como pertencentes à primeira tradição paulina, mas muitos as chamam de deuteropaulinas); as Cartas Pastorais (1Tim, 2Tim, Tit; classificadas por Pitta como pertencentes à segunda tradição paulina e chamadas por outros de tritopaulinas).
Posteriores a Paulo, as cartas da tradição paulina (melhor evitar o termo "escola"), conservam e atualizam o pensamento do Apóstolo em um contexto já então modificado, relativo a vinte ou trinta anos depois de sua morte. Elas exaltam a validade de seu pensamento atribuindo-o ao de seu mestre Paulo através do fenômeno da pseudepigrafia. Conhecida e praticada nos tempos antigos, que não conhece o direito de autor, não constitui um fenômeno de plágio ou de manipulação dos textos, mas é entendida como obra positiva de preservação e atualização do pensamento do próprio mestre.
Na terceira parte de sua obra (capítulo VII, p. 269-344), Romanello expõe o pensamento teológico paulino. Ele primeiro traça o perfil histórico e canônico, e depois passa para a exposição da cristologia (cristologia em duas etapas - morte e ressurreição - e à sua evolução com a pré-existência), e da unicidade de Deus e sua obra salvífica. Ele então aborda a antropologia e soteriologia, em que o estudioso vê cinco modelos: interpessoal, comercial, cultual, jurídico e participativo. Segue-se o exame da história da salvação e da escatologia, da existência cristã (tríade teológica e ética), da eclesiologia (os cristãos como ekklesia, o "corpo de Cristo", carismas e ministérios), da Escritura e da Lei no pensamento de Paulo.
A bibliografia é apresentada no final de cada capítulo e uma contribuição adicional, distinta de acordo com as várias cartas de referência, no final do volume, como uma ajuda para o aprofundamento (p. 345-352).
Nascido da escola e destinado principalmente a estudantes de teologia do curso institucional, o livro é recomendado por sua exposição séria, didática e atualizada de uma introdução às cartas de Paulo. Elas precisam ser explicadas e compreendidas cada vez mais, tanto para evitar casos dolorosos de mal-entendidos - com relativos juízos tanto mesquinhos como fruto de ignorância - tanto para desfrutar plenamente da profundidade e da paixão do discurso teológico de Paulo, ainda hoje um dos principais expoentes da autocompreensão cristã da fé.
Stefano Romanello, Paolo. La vita – Le lettere – Il pensiero teologico, (Guida alla Bibbia, s.n.), San Paolo, Cinisello B. (MI) 2018, p. 360, € 35,00, ISBN 978-88-922-1638-9.
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Paulo: vida, cartas, pensamento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU