16 Outubro 2018
No recente congresso anual do Partido Trabalhista, causou exaltação um modelo econômico inesperado: o do município de Preston, em Lancashire, noroeste do Reino Unido. O líder trabalhista Jeremy Corbyn e seu número dois, John MacDonnel, qualificaram o Preston Model de inspiring, “fonte para uma solução radical” aos estragos da austeridade conservadora e a globalização. Aqui, segue a história deste modelo que empolga um dos partidos socialdemocratas mais exitosos da Europa.
A reportagem é de Marcelo Justo, publicada por Página/12, 15-10-2018. A tradução é do Cepat.
O Preston Model faz parte do Novo Municipalismo que não se limita a recuperar o papel do Estado, mas que se abre a uma pluralidade de caminhos que incluem cooperativas, seguros, uniões creditícias e mercados populares. “Aproveitamos a experiência de Cleveland, nos Estados Unidos, da Romania, na Itália, de Mondragón, no País Basco, do município de Catalunha. Estamos usando o poder municipal para dar prioridade ao local em vez de basear o crescimento nas grandes corporações e multinacionais”, disse ao Página/12 Matthew Brown, líder do município.
Capital do condado de Lancashire, com 124.000 habitantes, Preston se industrializou no século 19, com o algodão, e se desindustrializou nos anos 80 e 90, com o Thatcherismo. Os paralelos desta história com a de outros lugares do mundo, incluindo a Argentina, chamam a atenção. A primeira estratégia municipal para encher o vazio da desindustrialização foi um modelo econômico baseado em uma “chuva de investimentos” que nunca ocorreu. Perdeu-se muito tempo, muitas vidas foram impactadas”, destacou Brown a este jornal.
A “chuva de investimentos” se centrava em um projeto de regeneração da cidade estimado em uns 700 milhões de libras (900 milhões de dólares), que implicava o uso de 37 hectares de terra municipal e a construção de um enorme centro comercial com um complexo de cinemas, restaurantes, negócios, terminal de ônibus e um grande mercado. Duas grandes multinacionais, Grosvenor e Lend Lease Corporation, eram responsáveis pelo projeto, que incluía grandes linhas de supermercados e lojas britânicas.
O estouro financeiro de 2008 e o programa de austeridade dos Conservadores, em 2010, acabaram com esta via imobiliário-financeira. Em 2011, Preston estava outra vez em meio ao nada. Em um índice comparativo de 322 municípios ingleses, encontrava-se no 42º lugar em termos de índices de pobreza, desemprego, exclusão financeira e expectativa de vida.
Nas eleições municipais de 2012, o manifesto de Brown, defendendo um novo localismo, foi a gota no deserto que o levou a liderar o município. “Tratava-se de partir de nossas próprias forças, de imprimir uma lógica diferente aos megaprojetos. Às grandes corporações interessa o lucro de um projeto para potencializar sua rentabilidade em outros lugares. O impacto na economia local não figura entre suas prioridades”, destaca Brown.
Com este novo prisma e a usina de ideias do Centre for Local Economic Strategies (CLES) se identificaram as “âncoras” (anchors) que deveriam sustentar um novo modelo. Nos tempos de cortes orçamentários do governo central, os contratos públicos do município e do condado, do setor educacional – da escola primária à universidade -, dos hospitais e a polícia, se tornaram essas “âncoras” que podiam estimular o funcionamento de cooperativas, o comércio e as PYMES locais. O serviço de catering de escolas e hospitais, o fornecimento de obras de infraestrutura, não geravam muita riqueza na economia local”, destaca Brown.
Em 2015, o condado de Lancashire abriu a licitação para o fornecimento de alimentos nas escolas. A dimensão ultrapassava a capacidade das companhias locais, razão pela qual o processo de licitação se dividiu em nove parcelas: licitação para o fornecimento de recheio para os sanduíches, do copo de leite, o iogurte, o queijo, etc. Esta mudança favoreceu a participação de microempreendimentos locais que usavam os produtos lácteos da região.
O CLES estima que em 2013 os seis principais organismos públicos de Preston tinham injetado o equivalente a uns 130 milhões de dólares na cidade e uns 330 milhões no condado. Em 2017, a soma havia se triplicado no caso da cidade e duplicado no caso do condado. “Não é questão de entrar nas falsas dicotomias. Sempre é importante atrair investimentos, mas, em nível municipal, o importante é como fazer para que toda a atividade econômica pública beneficie diretamente a região”, destacou ao Página/12 Neil McInroy, diretor do CLES.
Este “localismo” está oferecendo um novo modelo para cidades e povos com uma densidade populacional similar a Preston, localidades com frequência abandonadas na mão de deus no atual capitalismo cada vez mais concentrado nos grandes centros urbanos. Um projeto coordenado do município com o condado de Lancashire e o Fundo de Pensão regional está se traduzindo em um investimento de 400 milhões de dólares para construir 17.000 casas e gerar 20.000 empregos locais: 3.000 moradias já estão terminadas.
O novo mercado municipal tornou mais barato o custo dos produtos e criou novas oportunidades para microempreendimentos. “Estamos fomentando as Uniões Creditícias locais que estão substituindo os usurários que aproveitavam a crise para cobrar juros exorbitantes. Estamos analisando a libra de Bristol, uma moeda local que é utilizada para estimular o consumo com companhias independentes da cidade. Queremos criar um banco comunitário sem fins lucrativos, baseado no modelo alemão, para desenvolver as Pymes locais. Contudo, o potencial não é apenas econômico. É também participativo, democratizado. O velho modelo não serve. É preciso inventar um novo”, apontou Brown a este jornal.
Em tempos de Trump-Macri-Bolsonaro-Salvini (Itália)-Orbán (Hugria), é preciso aguçar a imaginação para encontrar alternativas em nível micro e macro. Neste sentido, os problemas da esquerda não mudaram. Em uma nota que publiquei na BBC Mundo, em agosto de 2016, os editores sintetizaram o dilema no título: Por que a esquerda não se beneficiou com a crise econômica mundial? (e a direita sim). No artigo, Costas Lapavitsas, ex-deputado do Syriza na Grécia, intelectual de SOAS na Universidade de Londres e autor de O capitalismo financeirizado. Expansão e crise, sustentava que a esquerda ainda não havia se recuperado da derrota sofrida no século XX, mas aventurava que tudo ainda estava em jogo. “Hoje, o neoliberalismo continua sendo a ideologia dominante em todo o planeta, mas é uma ideologia que irá se quebrar por sua própria rigidez. A esquerda precisa estar pronta para a próxima crise. Não pode repetir o erro de 2008”, destacou. Com Jair Bolsonaro à vista, a advertência está mais vigente que nunca.
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Reino Unido. O modelo Preston que inspira Corbyn - Instituto Humanitas Unisinos - IHU