27 Julho 2018
"Para cada ato de rebeldia contra Humanae Vitae desde 1968, houve outro a favor", escreve Inés San Martín, jornalista, em artigo publicado por Crux, 26-07-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Este domingo marca o 50º aniversário da apresentação da sétima e última Encíclica do Papa Paulo VI, Humanae Vitae. Talvez o mais contestado documento papal na história moderna. Ela foi tanto aplaudida como amargamente criticada por defender corajosamente o ensino da Igreja sobre contracepção na época da revolução sexual.
Chamada de “On the regulation of Birth" (Sobre a Regulação da Natalidade), mais conhecida por seu título em latim, o documento atingiu o final dos anos 1960 como um terremoto. Tanto que Paulo VI, claramente chateado pela reação negativa generalizada, não publicou outra Encíclica nos dez anos restantes de seu pontificado.
Tremores, tanto dentro como fora da Igreja, desencadeados por Humanae Vitae ainda estão sendo sentidos hoje.
Mesmo fora dos limites da Igreja, existem forças políticas e sociais exigindo que o atual Papa renuncie ao ensino da encíclica. Há duas semanas, por exemplo, o Secretário de Desenvolvimento Internacional da Grã-Bretanha visitou o Vaticano e insistiu aos oficiais da Igreja que tornassem mais fácil o acesso à contracepção para as jovens.
Vozes dissidentes dentro do catolicismo também são abundantes, com bispos, padres e leigos pedindo muitas vezes por uma mudança no ensino. Uma enquete de 2014 da Univision, por exemplo, mostrou que 79% dos católicos rejeitam o ensinamento da Igreja sobre a contracepção artificial.
Mas não há nada de novo aqui: a oposição remonta já ao ano da publicação de Humanae Vitae, quando sete conferências de bispos católicos de todo o mundo contestaram a Encíclica.
Liderando o ataque estavam os bispos canadenses, que em setembro de 1968, dois meses após a Encíclica ser lançada, produziram um documento conhecido como a 'Declaração de Winnipeg'.
A Declaração tem sido interpretada como se fornecesse uma brecha na qual os católicos poderiam se sentir autorizados a fazer uso do controle de natalidade, quando diz que "certo número de católicos" acha "extremamente difícil ou mesmo impossível, fazer seu todos os elementos desta doutrina."
Central para o debate, de acordo com os bispos canadenses, foram o papel e a importância da liberdade de consciência religiosa.
Os canadenses não estavam sozinhos. Os bispos belgas escreveram que se alguém, com um "julgamento fundamentado", chega a uma conclusão sobre contracepção diferente da apresentada na Encíclica, não deve "ser considerado como um católico inferior."
Avancemos 25 anos de publicação de Humanae Vitae para as bodas de prata da Encíclica e as vozes contrastantes dentro da Igreja ainda estavam lá.
Em maio de 1992, em um debate publicado pela revista mensal italiana Jesus com o então cardeal Joseph Ratzinger à frente do escritório doutrinal do Vaticano, hoje emérito Bento XVI, o falecido cardeal Franz König de Viena, na Áustria, famosamente descreveu a Encíclica como a "irritante distinção entre contracepção artificial e a natural."
Ainda assim, para cada ato de rebeldia contra Humanae Vitae desde 1968, houve outro a favor. Um documento lançado pelos bispos da Escócia em outubro de 1968 é uma vibrante defesa de quatro páginas que, infelizmente, não se acha on-line.
Eles começam abordando a "surpresa e confusão" causada pela crítica e pela oposição que o documento encontrou entre os fiéis.
"Não pode haver dúvidas de que o Papa fala nesta ocasião como o Vigário de Cristo e em virtude do seu escritório como supremo pastor e professor", escrevem os bispos escoceses. "Portanto, seu ensino pede aceitação."
Os bispos reconheceram o papel da consciência, e que as pessoas têm o “direito e o dever de seguir” isso. No entanto, o "homem não é uma lei para si mesmo; sua consciência não é completamente independente. O papel da consciência é de fato para avaliar se as nossas ações são moralmente boas ou más. Mas estes julgamentos devem se basear em princípios sólidos de certo e errado."
E o debate continua.
Por um lado, bispos americanos como o cardeal Donald Wuerl de Washington e arcebispo Jose Gomez de Los Angeles têm defendido recentemente a Humanae Vitae, dizendo que ela deveria ser entendida como uma "profecia" e uma "promessa".
Em uma série de tuítes, Gomez disse que olhando para trás se pode entender que o mundo "não estava pronto" para Humanae Vitae em 1968, pois foi um "tempo de novas ideias sobre a liberdade humana, amor e novas atitudes para com as tradições e a autoridade."
De acordo com Gomez, muito do que Paulo VI alertou há 50 anos posteriormente aconteceu: "Do divórcio desenfreado, infidelidade e pornografia, para bebês de proveta, aborto generalizado, ‘inverno demográfico’ e a total confusão sobre gênero, sexualidade, e sobre a pessoa humana que vemos hoje em nossa sociedade."
Gomez, em seguida, disse que o mundo não sabia o quanto precisava da Encíclica, nem como se precisa muito mais dela atualmente.
Também é uma promessa, argumentou, pois o documento é uma "carta sobre a felicidade e amor. Papa Paulo escreve do 'Projeto amoroso de Deus' - o caminho que Ele põe diante de nós que nos levará para encontrar a felicidade. O amor casado faz parte desse plano."
Wuerl abordou o aniversário da assinatura do documento no dia 25 de julho, (foi lançado, contudo, no dia 29) - com uma postagem nas mídias digitais.
"Nesta idade moderna, em que a atividade sexual é muitas vezes vista como lazer e sem consequência, a mensagem de Humanae Vitae é um sinal de contradição para o mundo e um desafio para alguns", escreveu ele.
No entanto, acrescentou, "ela se volta para nossa compreensão básica de dignidade e do papel do ser humano, masculino e feminino, no plano de Deus."
Em seu post, Wuerl fala sobre os comentários feitos pelos sucessores imediatos de Paulo VI até Bento XVI, todos em apoio da Humanae Vitae e seu ensino.
Apesar de hoje ser mais raro ouvir cardeais ou arcebispos desafiando abertamente o documento, não quer dizer que os críticos na hierarquia tenham desaparecido, de acordo com o padre jesuíta Tom Reese, que recentemente escreveu sobre isso no Religion News Service.
Observando que muitos hoje dizem que o documento foi profético em sua convicção de que "contraceptivos levam à separação do sexo da procriação e, portanto, à infidelidade conjugal, desrespeito para mulheres, confusão de sexo e casamento gay", Reese disse que a controvérsia nunca foi sobre o documento como um todo, mas a proibição "do uso de contracepção artificial."
Implicar que a contracepção causou todos estes "problemas", argumentou, "é um absurdo, um insulto para todas as boas pessoas que usaram contraceptivos em algum momento de suas vidas."
De acordo com Reese, "é provavelmente impossível para [a Igreja] simplesmente admitir que isso simplesmente seja errado. A Igreja não é muito boa nisso". Ela poderia ainda dizer que o aborto "é um mal muito maior, e qualquer um que pudesse estar tentado a fazer um aborto deveria praticar o controle de natalidade."
Em outubro de 2014, quando estava celebrando a missa de beatificação de Paulo VI, Francisco evitou fazer comentário direto sobre Humanae Vitae, ainda que muitos analistas destacaram uma frase de sua homilia como uma referência clara: "De frente para o advento de uma sociedade secularizada e hostil, [o beato Paulo VI] poderia segurar firme, com perspicácia e sabedoria - e às vezes sozinho - o leme da barca de Pedro."
Francisco foi mais direto nas Filipinas em 2015, quando se dirigiu a centenas de famílias em uma arena de esportes local.
"Num tempo em que o problema do crescimento da população era levantado, [Paulo VI] teve a coragem de defender a abertura à vida em família", disse Francisco. "Ele sabia das dificuldades que existem em cada família, e então em sua Encíclica foi muito misericordioso para casos particulares, e pediu aos confessores para serem misericordiosos e compreensivos ao lidar com casos específicos."
"Mas ele também tinha uma visão mais ampla: olhou para os povos da terra e viu esta ameaça de famílias sendo destruídas por falta de crianças. Paulo VI foi corajoso; era um bom pastor e avisou seu rebanho dos lobos que vinham", disse o Pontífice.
O que pode ser tomado como um novo sinal de ratificação, é o fato de que Francisco vai declarar o Papa Paulo VI um Santo em outubro durante o Sínodo dos Bispos sobre a Juventude.
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Tanto antes como agora, Humanae Vitae provoca terremotos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU