20 Julho 2018
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 16º Domingo do Tempo Comum, 22 de julho (Mc 6, 30-34). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os discípulos, tendo retornado da missão, merecem ser chamados de “enviados”, “missionários”, por isso Marcos os define como “apóstolos” (apóstoloi): discípulos de Jesus que se tornaram seus enviados.
Eles, então, retornam a Jesus, aquele que os tinha enviado e habilitado à missão, voltam para a fonte, voltam para aquele que os havia chamado “para que ficassem com ele”, além de “para enviá-los a pregar” (Mc 3, 14). Eles “contaram tudo o que haviam feito e ensinado”: ações e palavras que tinham sido mandadas por Jesus, mas que, acima de tudo, os apóstolos tinham aprendido a assumir estando com ele, envolvidos na sua vida, vivendo com ele, o seu rabi, mestre e profeta.
Sabemos de que era feito o seu serviço: o anúncio do Reino de Deus que vem, da necessária conversão e de uma prática de humanidade autêntica que se manifestava no encontro com as pessoas, na acolhida a elas, em lhes dar confiança, despertando a sua fé, na esperança junto delas, em libertá-las, tanto quanto possível, de opressões diversas devidas à presença do Mal operante no mundo.
Marcos não diz que os enviados fizeram coisas extraordinárias, milagres, porque fizeram aquilo que era suficiente em obediência ao mandato de Jesus.
Eis, portanto, os discípulos-apóstolos reunidos em torno de Jesus, que, como autêntico pastor da sua comunidade, escuta o que viveram e experimentaram na missão. Há um verdadeiro diálogo entre Jesus e os enviados (descrito mais detalhadamente em Lc 10, 17-20), no qual são evidenciadas fadigas e alegrias, resultados e fracassos daquela missão na Galileia precursora da missão a todos os povos por parte daqueles que Jesus ressuscitado enviaria.
Os apóstolos estão cansados, e Jesus, que foi informado da notícia da decapitação de João, seu rabi, na sua tristeza, decide se distanciar da pregação que o envolvia e o fatigava. Então, ele diz aos Doze: “Venham à parte, só vocês, para um lugar deserto (kat’ idian eis éremon tópon), e descansem um pouco”. Jesus os chama mais uma vez a segui-lo, para “estar com ele”, para compartilhar com ele a oração ao Pai, para aprofundar a vocação e a missão, para descansar. É um convite cheio de ternura, de solicitude para com os discípulos, mas também é uma necessidade para Jesus: ele deve fazer discernimento sobre a sua missão, especialmente agora que João Batista, com a morte violenta sofrida, se torna precursor também do seu futuro.
Marcos também anota que aqueles que buscavam Jesus e vinham ao seu encontro eram tão numerosos que os discípulos, engajados em organizar esses encontros pessoais com Jesus, nem sequer tinham o tempo para preparar o que comer e o que dar de comer. Sim, também para Jesus, assim como para cada um de nós, às vezes é preciso ter a coragem e a força de se distanciar daquilo que se faz, é preciso sair da agitação das multidões, do barulho das multidões, daquele turbilhão de ocupações que correm o risco de nos sobrecarregar. Trabalhar, envolver-se seriamente com toda a própria pessoa é necessário e é humano, mas também o é a dimensão da solidão, do silêncio, da quietude. Se nós sentíssemos no nosso coração este chamado: “Foge, faz silêncio, busca a quietude” (Ditos dos Padres do Deserto, Série Alfabética, Arsênio 2), certamente estaríamos mais dispostos a encontrar um “lugar deserto”, um espaço solitário para pensar, meditar, escutando o silêncio, o nosso coração, a voz de Deus que tenta falar conosco no nosso íntimo mais profundo. Sem cumprir essa exigência, cai-se na superficialidade, dispersa-se, acaba-se vivendo sem saber para onde se vai.
Mas essa tentativa de fugir da multidão e de encontrar solidão e repouso fracassa: a multidão que, há dias, segue Jesus prevê seus movimentos e, a pé, alcança antes dele aquela margem deserta do lago. Então, quando Jesus, ao desembarcar, a vê e a observa com cuidado, não é tomado pela satisfação do sucesso, pelo fato de que tantas pessoas o buscam e o encontram, mas é movido por uma compaixão visceral (verbo splanchnízo). Suas entranhas se comovem como as de Deus para com o seu povo oprimido (cf. Os 11, 8); ele se comove e sofre com um frêmito causado somente pelo amor por aquelas pessoas. Sim, são pessoas incrédulas, que buscam Jesus com ambiguidade e interesses não transparentes, mas, para Jesus, merecem compaixão. São “ovelhas sem pastor”, não tem ninguém que lhes dê de comer, ninguém que cuide deles, ninguém que lhes dirija a palavra para apoiá-las no duro ofício de viver e ninguém que as apoie nas suas dúvidas e contradições. Jesus se enternece e revive a compaixão de Moisés quando vê seu povo sem pastor (cf. Nm 27, 17) e a compaixão dos profetas que sofrem ao ver o povo de Deus disperso e oprimido pelos maus pastores (cf. 1Re 22, 17 ; Ez 34, 5; Zc 10, 3-12).
Portanto, só resta a Jesus ser um “pastor bom” (Jo 10, 11.14) daquela multidão: ele obedece prontamente e faz o que Deus, seu Pai, quer que ele faça em seu nome, como Filho enviado ao mundo. Jesus, então, lê a fome daquela gente, fome da qual talvez não estejam plenamente conscientes, fome da Palavra: querem que Jesus ensine, isto é, “fale a Palavra para eles”, como Marcos diz em outro lugar (cf. Mc 2, 2; 4, 33). O decisivo é que Jesus esteja presente e fale, porque ele é a Palavra de Deus (cf. Jo 1, 1.14). Jesus faz isso por um longo tempo, como se estivesse sob um jugo: o jugo da misericórdia que o leva a essa compaixão, a essa fadiga, a essa palavra dirigida àqueles que despertam nele sentimentos de ternura. Ele tivera misericórdia dos apóstolos que voltaram cansados e os chamara ao repouso, e agora tem misericórdia das multidões e interrompe seu próprio repouso. Somente a compaixão misericordiosa o guiava e determinava seu comportamento e suas ações durante a sua itinerância. A multidão que impede Jesus de realizar o seu projeto bom e urgente de repouso necessário não causa nele incômodo, reações de impaciência, mas lhe oferece uma oportunidade para participar dos sentimentos de Deus que tem compaixão do seu povo sem pastores.
Esse é um grande ensinamento para nós: em cada um de nossas decisões, em cada um de nossas escolhas necessárias e boas, o que deve ter o primado é a misericórdia. Se cada uma de nossas escolhas e cada uma de nossas ações não obedecem, acima de tudo, a misericórdia, elas não estão conformes aos “sentimentos que havia em Cristo Jesus” (Fl 2, 5): sentimentos humanos, mas, profundamente, sentimentos de Deus, aquele que é Santo e mostra a sua santidade no meio do seu povo com a compaixão, escolhendo que em seu coração a misericórdia reine sobre a justiça (cf. Os 11, 7-9).
Acima de tudo, os pastores de comunidades deveriam se interrogar muito sobre essa disponibilidade a dar a precedência às demandas da comunidade em relação às suas escolhas e às suas iniciativas, mesmo que boas. Deveriam se perguntar se, neles, a misericórdia, isto é, o amor visceral de compaixão, é sempre imanente ao “cumprir toda a justiça” (cf. Mt 3, 15).
Que não se esqueça: no cristianismo, não há cumprimento da justiça e da misericórdia, mas apenas misericórdia no cumprimento da justiça ou cumprimento da justiça na misericórdia.
Antes de dar o pão, Jesus dá a Palavra, para saciar os homens e as mulheres que o seguem. Mas logo também lhes dará o pão, porque a sua ternura não diz respeito apenas à sede de Palavra daquelas pessoas, mas também à sua fome de pão.
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A ternura do pastor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU