12 Mai 2018
"Padre Josimo, sendo pobre, negro e filho de camponeses, terminando os estudos, decidiu voltar a Xambioá para dedicar sua vida à causa dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Denunciou os grileiros da terra, a opressão dos latifundiários contra os lavradores e defendeu os direitos do povo, conscientizando-os sobre sua força", escreve Michele Corrêa, graduanda em Filosofia na UFPel, militante da Pastoral da Juventude (PJ) e do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), em artigo publicado por Sul21, 10-05-2018.
“O discípulo não é maior do que o Mestre. Se perseguiram a mim, hão de perseguir vocês também. Tenho que assumir. Agora estou empenhado na luta pela causa dos pobres lavradores indefesos, povo oprimido nas garras dos latifúndios. Se eu me calar, quem os defenderá? Quem lutará a seu favor? Eu pelo menos nada tenho a perder. Não tenho mulher, filhos e nem riqueza sequer, ninguém chorará por mim. Só tenho pena de uma pessoa: de minha mãe, que só tem a mim e mais ninguém por ela. Pobre. Viúva. Mas vocês ficam aí e cuidarão dela. Nem o medo me detém. É hora de assumir. Morro por uma justa causa. Agora quero que vocês entendam o seguinte: tudo isso que está acontecendo é uma consequência lógica resultante do meu trabalho na luta e defesa pelos pobres, em prol do Evangelho que me levou a assumir até as últimas consequências. A minha vida nada vale em vista da morte de tantos pais lavradores assassinados, violentados e despejados de suas terras. Deixando mulheres e filhos abandonados, sem carinho, sem pão e sem lar. É hora de se levantar e fazer a diferença! Morro por uma causa justa.” — Padre Josimo
Fui educada em família católica, com forte testemunho junto às Comunidades Eclesiais de Base durante anos 80 em minha diocese, neta de sindicalista, cresci ouvindo o relato de mártires cristãos que entregaram a vida na defesa da vida dos pobres e oprimidos pelos rincões do Brasil, entre eles Padre Josimo. Minha vida sempre foi norteada pelos princípios cristãos que recebi no seio da minha família, assim em 2013, quando conclui o ensino superior senti o forte chamado ao trabalho pastoral, senti que precisava me engajar na luta por uma sociedade mais justa que garanta o direito dos pobres, especialmente, os negros e negras, os indígenas e camponeses e camponesas oprimidos pelo latifúndio.
Assim, na caminhada pastoral, em 2016, para ser mais exata, em maio de 2016, as véspera da memória do Martírio de Padre Josimo, tive a especial oportunidade de ouvir a história de vida e testemunho de Pe. Josimo contada por um Frei Franciscano, o qual se referiu a Padre Josimo, como um padre negro, evidenciando que toda a vida e testemunho de Josimo foi pautado por se reconhecer como negro, e o frei foi relatando a história de formação de Josimo junto ao Seminário Franciscano em Petrópolis, Rio de Janeiro, seu nascimento em Marabá no Pará, de família humilde, filho de uma lavadeira que o teve à beira do Rio Araguaia, em 1953, ainda criança, viu sua família mudar-se para a cidade de Xambioá, no Tocantins. Aos 11 anos partiu para Tocantinópolis para estudar em um seminário. De lá rumou para Brasília, depois para Aparecida (SP) até estudar no seminário franciscano em Petrópolis (RJ).
Padre Josimo, sendo pobre, negro e filho de camponeses, terminando os estudos, decidiu voltar a Xambioá para dedicar sua vida à causa dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Denunciou os grileiros da terra, a opressão dos latifundiários contra os lavradores e defendeu os direitos do povo, conscientizando-os sobre sua força. Foi coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) – no Bico do Papagaio, conhecida por intensos conflitos de disputa de terra. Seu testemunho provocou o ódio dos fazendeiros da região, passando a receber diversas ameaças de morte. Em 10 de maio de 1986 (dia das mães), na cidade de Imperatriz, no Maranhão, padre Josimo foi covardemente assassinado com dois tiros pelas costas quando subia a escadaria do prédio onde funcionava o escritório da CPT.
Então, percebi que nunca tinha me atentado de que Padre Josimo era negro, um negro que mesmo longe dos seus, do seu povo, pobre, oprimido, não os esqueceu. Quando chegado o tempo propício, retornou para junto de sua gente, para lutar ao lado dos seus, pelos seus e com seus. Assumir-se como negro e lutar por justiça social em um país onde homens, jovens, negros e de baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas no País é um sinal profético que não pode ser abafado. Segundo o Atlas da Violência 2017, construído sob a responsabilidade do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública a população negra corresponde a maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios.
Fazer memória do testemunho de fé e vida de padre Josimo é levar luz à vida de tantos oprimidos mergulhados na escuridão do medo e da insegurança, resgatar a dignidade de nossos irmãos e irmãs negras e negros, lutadores e lutadoras, campesinos e campesinas, quilombolas e indígenas forjados na luta por pão, teto e trabalho.
Josimo, um padre negro que amou tanto seu povo, a ponto de levar até as últimas consequências o mandamento de Jesus, “O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês. Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos” (Jo 15, 12-13). Entregou a vida, santificou o nome de Jesus e se tornou semente de outros lutadores, não calaram sua voz nem sufocaram seu testemunho. A luta contra o latifúndio, a opressão, a luta por pão e dignidade para os camponeses continua. Josimo está vivo, presente na caminhada!
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Josimo: o padre negro que amou seu povo ao ponto de entregar sua vida por ele - Instituto Humanitas Unisinos - IHU