15 Março 2018
“O certo é que, em 2000, Theotonio voltou a expor a teoria da dependência, demonstrando sua vigência e o erro dos que a descartaram da interpretação de uma das causas da pobreza latino-americana, pela transferência de mais-valia dos capitais globais nacionais dos países subdesenvolvidos para os mais desenvolvidos (questão que tratamos extensivamente em nossa obra “16 teses de economia política”)”, escreve Enrique Dussel, filósofo, em artigo publicado por La Jornada, 05-03-2018. A tradução é do Cepat.
Deixou-nos um grande intelectual latino-americano, que com outros críticos, nos anos 1960, lançou um dos grandes achados da cultura latino-americana que se expandiu globalmente, junto ao boom literário e a teologia da libertação, a denominada teoria da dependência. Theotonio dos Santos, que alguns meses atrás nos visitou na universidade em Toluca, seguindo os passos, entre outros, de Mauro Marini, definiu os termos dessa teoria que esteve na moda até 1975 aproximadamente, quando no importante congresso de sociologia de Quito foi declarada não marxista, por não ter espaço teórico no pensamento marxista, opinião, por exemplo, de Agustín Cueva.
O certo é que, em 2000, Theotonio voltou a expor a teoria da dependência, demonstrando sua vigência e o erro dos que a descartaram da interpretação de uma das causas da pobreza latino-americana, pela transferência de mais-valia dos capitais globais nacionais dos países subdesenvolvidos para os mais desenvolvidos (questão que tratamos extensivamente em nossa obra “16 teses de economia política”). Theotonio não se conduzia pelas modas, era quem as criava e as estabelecia, e por isso a teoria da dependência permanece sob o tema da globalização e a descolonização necessária da economia latino-americana.
Com efeito, os criadores, os inovadores, não se conformam às modas passageiras, porque as modas desaparecem logo. Os criadores não seguem as modas, mas, ao contrário, as fixam ao descobrir novos aspectos essenciais da realidade presente, que, de passo, se encontra sob as modas futuras.
Da mesma forma, há intelectuais que opinam que a descolonização epistemológica (que Nelson Maldonado-Torres chama de giro descolonizador) é uma moda que esperamos que passe logo. Ainda que sejam colegas amigos e críticos, queremos lhes expressar que nem a teoria da dependência passou, nem tampouco a descolonização epistemológica é uma moda passageira. Os que, sim, opinam são os que podem ou não adotar uma moda, mas não são os que descobrem criativamente hipóteses de trabalho que correspondem a aspectos reais de profundidade, sob as aparências, e por isso não são modas e menos passageiras, mas, ao contrário, pressupostos epistemológicos de longo prazo.
A teoria da dependência e a descolonização epistemológica, que estão modificando as perguntas, o questionamento, o currículo das ciências sociais e os campos de estudos das universidades em todo o mundo, organizando-se ainda como secretarias ou ministérios nos estados do sul global, que colocam em crise o conceito de modernidade, de eurocentrismo, de capitalismo, longe de ser uma moda, estão dando seus primeiros frutos crítico-teóricos. Talvez a partir da Europa o panorama seja diferente, mas não a partir da América Latina. E ambos pressupostos teóricos se articulam reciprocamente.
Disse que a teoria da dependência estudou a transferência de mais-valia dos capitais globais nacionais dos países subdesenvolvidos (ou seja, na terminologia de K. Marx: com composição orgânica inferior) para capitais nacionais dos países mais desenvolvidos. O conceito de desenvolvimento é estritamente de Marx (inspirando-se em Hegel) e não se trata de algo estranho ao pensamento de Marx de inspiração burguesa. Se a exploração vertical do capital sobre o trabalho foi longamente exposta por Marx no tema da acumulação de mais-valia como capital, a exploração horizontal de um capital (mais desenvolvido) sobre outro (menos desenvolvido), na concorrência do mercado mundial, foi igualmente sugerida por Marx.
Hoje, o México sofre uma transferência gigantesca do sul global ao norte mais desenvolvido nas más chamadas reformas estruturais. A teoria da dependência e a descolonização prática e epistemológica demonstram essa transferência e estão justificando governos que se opõem ao neoliberalismo que empobrece nossas nações. Pensar que são modas passageiras é escutar o canto das sereias que os meios de comunicação propagam, a midiocracia.
Hoje, é necessário conhecer e justificar teoricamente as explicações mais coerentes que mostram as causas estruturais da pobreza no México e na América Latina, e não opinar que são meramente modas passageiras que é bom que desapareçam no curto prazo, por um falso prurido de não estar com as massas que seguem modas, e se manter na caixa de cristal com as mãos limpas (que J. P. Sartre tanto criticava na esquerda de seu tempo). E é esse medo das mãos sujas o que paralisa os intelectuais que tentam, por todos os meios, que não se pense que colaboram com projetos ambíguos populistas (chamados bonapartistas pelo partido de esquerda do passado, confundindo com E. Laclau o popular com o populismo). Eles estão em projetos de longo alcance, limpos de ambiguidades, embora também distantes da história empírica cotidiana e protegidos pela distância por se situar nos céus puros das ideologias revolucionárias impossíveis nos fatos.
Theotonio pertenceu à esquerda que sujava as mãos junto ao povo brasileiro, após o longo exílio no Chile e no México. Foi um autêntico intelectual orgânico nas lutas populares do grande país da América do Sul, que não tocará ver novamente Lula como presidente, para dar dois passos à frente novamente, após o passo para trás que está dado na história recente de nossa América.
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Theotonio dos Santos e a moda nos intelectuais. Artigo de Enrique Dussel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU