25 Fevereiro 2018
O teólogo italiano Andrea Grillo, em seu blog Come Se Non, 22-02-2018, publicou a segunda intervenção de Ghislain Lafont sobre uma “nova teologia eucarística”.
Neste novo texto, afirma Grillo, Lafont “identifica o espaço para uma nova teologia eucarística em uma ‘desconstrução’ da teologia clássica, para libertá-la de uma leitura muito marcada por uma interpretação do sacramento do altar como ‘remédio para o pecado’. Uma ‘eucaristia no Paraíso’ torna-se a provocação para uma ressistematização do saber clássico sobre a comunhão, sobre o sacramento e sobre o sacrifício. Que não deve ser perdido, mas só pode ser conservado às custas de um profundo e iluminador repensamento”.
Leia também a primeira parte do artigo aqui.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por Ghislain Lafont
Como se sabe, existem dois relatos sobre a criação do ser humano no início do Gênesis. O primeiro segue a ordem cronológica da criação, do caos primitivo à aparição do ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus.
No texto, essa expressão é imediatamente glosada com a menção da diferença sexual: “homem e mulher os criou”. Depois, vem uma dupla bênção de Deus expressada com a palavra. A primeira se traduz concretamente no duplo dom da fecundidade e do senhorio sobre a terra, sobre o mar e sobre todas as criaturas que lá habitam.
A segunda diz respeito à alimentação: ela é comum aos seres humanos e aos animais e diz respeito a todos os vegetais. Pode-se notar aqui que a palavra sobre o alimento limita de certo modo aquilo que, por si só, seria possível ao ser humano: se ele domina a terra e o mar, incluindo aí animais e peixes, no entanto, ele só pode comer aquilo que Deus lhe dá: “as ervas que produzem semente”.
No segundo relato, o homem é criado por primeiro, moldado pela areia do deserto e animado pelo sopro da vida. O homem vivo é colocado por Deus em um jardim maravilhoso e ouve novamente uma palavra que diz respeito à sua alimentação: ele pode comer dos frutos de todas as árvores do jardim (o que não o faz sair do mundo vegetal), mas com exceção de uma delas, da árvore do conhecimento do bem e do mal.
Essa exceção é expressada de um modo um pouco dramático: soma-se à proibição de comer uma ameaça em caso de transgressão. Tal ameaça, no entanto, revela ao homem que ele é livre e pode permanecer vivo enquanto observar o mandamento de Deus: liberdade e imortalidade se somam, portanto, a fecundidade e senhorio.
Depois, entra em jogo a solidão do homem. Para remediá-la, Deus cria diversos seres vivos e os leva ao homem, mas estes não resolvem a questão. Eles fazem parte da categoria de seres sobre a qual o homem exerce seu senhorio. Por isso, o “face a face que seja semelhante ao homem” é criado a partir de seu próprio corpo. Em certo sentido, o homem e a mulher são uma só carne, se reconhecem um no outro, e sua tranquila nudez expressa a condição pela qual nada se opõe à sua plena comunicação.
Se retomarmos o conjunto dessa descrição da criação, vemo-la marcada por uma imensa generosidade. Diríamos que é “paradisíaca”: é verdade, e esse paraíso vem de Deus. Mas o fato é que, nesse dom harmonioso, permanece um duplo “ponto cego”, um “buraco negro” que se manifesta no nível da alimentação.
Deus dá o alimento largamente, mas não de forma ilimitada: o alimento permitido é cercado pelo alimento vetado, de modo que, quando o homem e a mulher comem aquilo que germinou no seu jardim, ao mesmo tempo, põem em ação seu senhorio sobre a terra e reconhecem e aceitam a palavra de Deus.
Essa ação natural de se alimentar, portanto, é também “ação simbólica”, ela expressa uma escuta e uma obediência. Esse “ponto cego”, além disso, também toca o próprio Deus: seu mandamento, que definiu para o homem um espaço de liberdade, deixa Deus desarmado perante o uso dessa liberdade; se o homem a transgredisse, Deus nada poderia e sofreria a rejeição da palavra! É claro, Deus é onipotente, mas é uma onipotência que fala e que, portanto, depende de uma resposta.
Nesse sentido, todo alimento tomado pelo homem e pela mulher no paraíso pode ser chamado de “eucaristia”, ou seja, reconhecimento e ação de graças a Deus que dá e que veta, louvor da identidade divina e “sacrifício”, ou seja, aceitação e oferta de um limite posto pela Palavra de Deus.
Sem dúvida, a tentação era necessária para permitir que o homem e a mulher fizessem da sua comida um “sacrifício espiritual”. Com efeito, a tentação divide e opõe aquilo que estava unido. Satanás se dirige a apenas um membro do casal, propõe uma explicação que divide o homem de Deus: Deus seria ciumento e, portanto, desprezando sua palavra, o homem poderia chegar à sua verdadeira estatura, o de um deus. Portanto, palavra contra palavra, e aqui o homem compreende o que é sua liberdade: dizer com uma ação a identidade que reconhece a Deus e a si mesmo. Estamos no limiar da tragédia que Santo Agostinho expressa em termos de amor: amor de Deus ou amor de si?
Compreende-se, então, que, mesmo no estado de inocência, “o amor já está sempre ferido”: a economia do amor é a de uma preferência, e a expressão dela implica uma certa perda que, de acordo com a expressão de Newman, é um ganho, loss and gain. Consentir com o limite para se reencontrar no encontro.
Por isso, eu acho que, no Éden, houve a proposta de uma Eucaristia, “sacramento e sacrifício”, de acordo com os termos mais clássicos: o alimento tomado, enquanto nutre realmente, também expressa um reconhecimento no sentido profundo desse termo (sacramento) para com Deus e para com sua palavra; ele implica, ao mesmo tempo, uma oferta que envolve a renúncia à autonomia absoluta, para estabelecer a comunhão (sacrifício).
Esse tema de uma liturgia “eucarística” no mundo da inocência primitiva me parece bastante estranho à tradição teológica. Nela, a sacramentalidade parece ligada, em geral, à realidade do mundo pecador e redimido, pelo fato de que ela significa e realiza a redenção cumprida na dor por Cristo. Ela põe à disposição dos fiéis a reparação das distorções causadas no mundo, no espírito e no corpo dos homens, após a rejeição original oposta a Deus.
Antes do pecado, em vez disso, vigorava uma harmonia orgânica e hierárquica. O Deus onipotente e eterno criou todas as coisas com sabedoria e promulgou uma lei justa e coerente com seu desígnio inicial. O homem, a mais alta das criaturas, também é perfeito: nele, as realidades superiores, que são da ordem do espírito e, portanto, imateriais, dominam as inferiores e materiais, e não dependem delas de modo algum. Por isso, no que diz respeito tanto ao conhecimento quanto à graça, uma mediação sacramental, que dissesse respeito necessariamente ao corpo, seria desordenada e inútil (cf., por exemplo, a Summa Theologiae de São Tomás, III, 61, 2).
O homem, perfeitamente equilibrado em origem, em harmonia pré-estabelecida com a lei de Deus, com efeito, deveria ter obedecido à lei, da qual teria compreendido imediatamente o vínculo com a vida eterna. Nesse plano da inteligibilidade, de uma perfeita racionalidade, a desobediência, em um sentido incompreensível, é injustificável, pois tudo estava disposto para a perfeição. No entanto, ela ocorreu. Portanto, será preciso que o próprio Filho de Deus venha na carne ferida e faça o gesto perfeito da obediência à vontade de Deus. Isso restaurará a ordem rompida. Então, haverá lugar para os sacramentos, que significam essa obediência de Cristo, pondo-a à disposição do homem, de modo significativo e eficaz.
Parece-me que essa problemática da teologia clássica sobre a sacramentalidade não consegue dar todo seu valor ao aspecto intrinsecamente relacional da palavra. Tal teologia se fundamenta na onipotência da palavra do Deus infinito; ora, a palavra onipotente é criadora: ela não experimenta nenhum “face a face”, não se dirige a ninguém. Ela é absolutamente performativa: ipse dixit et facta sunt, “ela diz e é feito”.
Se, depois, essa palavra se dirige a um destinatário, ela é algo semelhante a um imperativo categórico: quer se obedeça ou não se obedeça a essa lei sem fundamento, importa apenas a onipotência daquele que fala. Mas, no relato do Gênesis, não parece ser assim: a palavra dirigida, mesmo sendo divina, não é onipotente de modo absoluto. Mesmo que tome a forma de um mandamento formal, ela precisa ser ouvida e compreendida por quem ouve, que decide sobre sua própria resposta.
A escuta, por sua vez, pressupõe o reconhecimento da autoridade daquele que fala; ela também inclui – pelo menos implicitamente – a consciência que aquele que ouve tem de si mesmo: “É justamente ele quem se dirige a mim, e sou precisamente eu que respondo”.
Compreende-se, então, que a tentação de Satanás não diz respeito imediatamente ao ato a ser feito (comerá? Não comerá?), mas às duas identidades: a de Deus (é justo ou enganador?) e a do homem (é ou não é como um deus?). Dentro disso, não há pecado algum, mas o caso sério de uma troca de palavras.
A decisão diante da tentação implica, então, aquilo que eu chamei antes de sacramento e sacrifício: comer ou não comer significa e realiza a relação entre as duas identidades, divina e humana; a verdade das duas identidades não é descoberta senão mediante a aceitação de um limite, portanto, de uma negação. E o resultado desse sacramento é a resposta à pergunta: quem é Deus? Quem é o homem? E o estabelecimento da verdadeira relação entre homem e Deus.
Se tudo o que precede está certo, vê-se que há lugar para uma “nova teologia eucarística”, governada não pela economia da reparação do pecado, mas sim pela consideração do simbolismo constitutivo do Mistério de Deus em relação ao homem (dentro do qual certamente se deverá inserir o mistério da Redenção).
Poder-se-ia imaginar que a abordagem a se seguir deve ser, ao mesmo tempo, uma espécie de “desconstrução” da teologia clássica e uma “construção” da teologia nova. Por desconstrução, não entende destruição, mas análise dos elementos, explicação de sua articulação, identificação dos benefícios e denúncia das insuficiências.
Pouco a pouco, poderia nascer a partir disso uma reconstrução sobre a nova base do simbolismo original, mas que conserve os elementos da teologia clássica, colocando-os diversamente.
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Nova teologia eucarística: uma eucaristia no paraíso? Artigo de Ghislain Lafont (parte 2) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU