09 Fevereiro 2018
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 6º Domingo do Tempo Comum, 11 de fevereiro (Mc 1, 40-45). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No evangelho deste domingo, lemos um relato que tem um início repentino, sem especificação de tempo e de lugar, um relato que facilmente nos parece atual, situável aqui e agora: é o encontro entre Jesus e um homem que sofre de lepra.
O leproso era então e ainda é um doente repugnante, a ponto de ser qualificado como um homem morto. Para um judeu, além disso, a lepra era sinal de um castigo preciso de Deus, uma doença mediante a qual haviam sido afetados, pelos seus pecados, a irmã de Moisés, Miriam (cf. Nm 12, 9-10), o servo do profeta Eliseu (2Re 5, 27) e outros pecadores. Grande é o horror, terrível é a reação diante dessa doença que devasta, até a putrefação da carne, o rosto e o corpo dos doentes.
Sendo a lepra contagiosa, ela exigia que o doente fosse excluído da convivência, segregado em algum lugar deserto e reconhecível pelo grito que devia emitir quando visse alguém se aproximar dele: “Sou impuro! Sou impuro!” (Lv 13, 45-46).
Um leproso, então, parecia ser uma pessoa sem possibilidade de relação e de comunhão, nem com Deus nem com as pessoas. Não era apenas um doente, mas também um “impuro”, como um cadáver. Tocar uma pessoa nessa condição significava excluir-se de qualquer ato religioso. Só era possível se aproximar do leproso após o desaparecimento, nele, dos sintomas do mal e após sua “purificação”: esta devia ser reconhecida por um sacerdote, que, com um ato religioso, podia reintegrar a pessoa na comunidade dos fiéis.
E eis o encontro entre Jesus e um leproso que vem até ele, ajoelha-se diante dele e lhe suplica: “Se queres, tens o poder de curar-me!”. Não sabemos nada desse homem, nem podemos avaliar sua vida e sua fé. Certamente, ele tem confiança em Jesus, que lhe parece confiável; ele é atraído por Jesus como por um homem que pode fazer algo por ele. Com audácia, mais do que com fé, portanto, ele se aproxima daquele homem que merece escuta, confiança, talvez até adesão.
E Jesus, diante dele, tem uma reação: justamente porque o olha e sabe o que significa essa doença, precisamente porque sente o fedor das suas chagas e vê seu rosto contorcido, seu corpo devastado, “sente cólera” (orghistheís), enfurecido pela intolerabilidade do mal e do destino que pesa sobre esse homem.
Sim, Marcos nos narra um Jesus colérico, que, precisamente por ser capaz de paixão, tem uma reação de cólera; ele nos descreve como Jesus acha intolerável tal situação para um homem que é seu irmão, homem como ele, igual a ele na dignidade de pessoa humana.
Mas prestemos atenção às palavras de Jesus. Em resposta à súplica do outro, ele não responde: “Eu quero e te curo!”, mas: “Eu quero: fica curado!” (divino passivo). Jesus dá lugar para aquele que purifica, Deus: não pretende ocupa-lo, mas proclama seu desejo e sua vontade de que aquele homem não precise mais ser separado, mas possa ser curado, purificado.
O evangelista, porém, não sabia que, usando algumas expressões que testemunham a humanidade verdadeira e concreta de Jesus, podia despertar estupor, oposição e julgamento sobre o próprio Jesus. De fato, especialmente entre os homens religiosos, sempre há almas mefíticas, tão voltadas a uma santidade formal que se escandalizam com a paixão de Jesus e com sua cólera. Esses religiosos estão sempre em cena. Para eles, Jesus, primeiro, deveria ter pensado no que a Lei prevê e, depois, mostrar seu sentimento de acordo com aquilo que a Lei manda.
Mas, em vez disso, Marcos, querendo mostrar de modo claro e compreensível os comportamentos de Jesus, diz aquilo que para alguns não é suportável: Jesus sente cólera, aqui como em outros lugares (cf. Mc 3, 5: diante dos fariseus; 10, 14: diante dos seus discípulos). Sim, Jesus sente cólera, porque sabia viver o conflito e se rebelar contra o mal, a doença, a situação de escravidão e de segregação que deixada aquele homem como morto. Não era algo justo, e eis então a cólera de Jesus!
Alguns escribas, porém, pensaram em corrigir essa expressão, que, em alguns manuscritos, se tornou: “cheio de compaixão” (splanchnistheís; cf. Mc 6, 34 e 8, 2: diante das multidões). Assim, as pessoas de baixa frequência de sentimentos ficaram satisfeitas com isso...
Na verdade, também na expressão “sentiu cólera”, havia a paixão da compaixão, mas com essa correção, que a versão italiana [e brasileira] segue, o comportamento de Jesus pareceria talvez mais aceitável, mas menos capaz de expressar seus sentimentos.
Naquele ataque de ira, Jesus toma a mão daquele homem, toca-o, entrando assim em relação ou, melhor, em comunhão com ele. Mão leprosa na mão de Jesus, contato vetado pela Torá, toque em uma carne julgada como demoníaca, e seu gesto é acompanhado pela palavra: “Eu quero: fica curado”.
“No mesmo instante – anota Marcos – a lepra desapareceu e ele ficou curado”: aquele leproso está curado, sua confiança em Jesus obteve o resultado esperado, sua oração de compaixão foi ouvida. Ele não é mais um excomungado; antes, é uma pessoa que entrou em plena comunhão com Jesus, que eliminou aquele mal tão horrível e excludente.
Essa deveria ser a atitude do cristão em relação aos doentes e aos pecadores, quando o cuidado e a misericórdia se tornam mão na mão, olho no olho, rosto no rosto, um beijo como o que Francisco de Assis soube dar ao leproso como sinal do início de outra visão e, portanto, de outra vida.
Jesus também diz: “Vai, mostra-te ao sacerdote e oferece, pela tua purificação, o que Moisés ordenou, como prova para eles”. Ele recorda as prescrições da Lei, pede que o doente purificado as observe, mas também se preocupa que seja dado o testemunho aos sacerdotes e aos funcionários do templo.
Essas “observâncias” não seriam necessárias, porque a ação purificadora de Deus ocorreu com eficácia, mas Jesus insiste nelas, para que também no templo se saiba a novidade trazida por ele com sua pregação e sua ação.
Mas, depois da cura, eis ainda um Jesus que não gosta das pessoas “religiosas” que se alimentam apenas de mel. O texto diz que Jesus, “livrando-se dele, o mandou logo embora”. Ocorrida a libertação, Jesus não fica ali recebendo elogios, pedindo que se olhe e se constate sua ação: de fato, ele nunca é tentado pelo narcisismo que espera o reconhecimento pelo bem feito e, às custas de parecer rude e indelicado, desdenha e expulsa aquele homem curado por ele, advertindo-o de não dizer nada a ninguém.
Jesus não quer ser reconhecido como alguém que faz milagres, não quer que o aclamem por ações prodigiosas e, acima de tudo, quer que o segredo sobre sua identidade de Messias seja revelado e proclamado quando ele estiver pendurado na cruz. Só então será lícito, aos que entenderam Jesus, dizer que ele era bom, que era justo (cf. Lc 23, 47), que era o Filho de Deus (cf. Mc 15, 39, Mt 27, 54).
Jesus é discreto diante das pessoas, fica em silêncio e pede para fazer silêncio para não despertar o aplauso, conhece a arte da fuga aos lugares desertos para escapar do fácil consenso dos outros; mas também sente cólera, ofende-se visivelmente diante do sofrimento, da mentira, do desconhecimento da verdade, da preguiça e da covardia das pessoas. E assim, de todas as cidades, vêm procurar, ver, rezar a Jesus. Sucesso? Sim, mas sucesso do qual Jesus sabe se defender, porque está ciente de que aquilo que ele cumpre, ele realiza apenas emprestando olhos, mãos, voz ao Pai, a Deus que o enviou.
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Jesus também se enfurece - Instituto Humanitas Unisinos - IHU