30 Novembro 2017
"Daí o desafio de escolher os candidatos e depositar o voto da urna. Se é verdade que o verdadeiro poder passa pelo FMI, pelo Banco Mundial e pelos Bancos Centrais dos países mais poderosos, também é certo que se deixamos de escolher, eles sentir-se-ão livres para continuar e as coisas só farão piorar. É reduzida a margem de manobra de nossos representantes políticos", escreve Alfredo J. Gonçalves, padre carlista e assessor das Pastorais Sociais.
Vale acender uma pequena chama de luz sobre a força e a fragilidade da vontade popular no processo eleitoral. O fato é que o voto que você depositará na urna nas eleições de 2018, na verdade, agitará as águas superficiais da política, mas deixará praticamente intactas as correntes subterrâneas da economia. Criará algumas ondas visíveis que logo morrerão na praia. Pouco servirá para mexer nos fios invisíveis que tecem a dinâmica e a complexidade do sistema econômico e financeiro. Parafraseando Blaise Pascal, a economia tem razões que a própria política desconhece.
Dizendo de outra forma, os políticos eleitos, nos mais diversos lugares e instâncias, acabam sendo reféns do xadrez econômico, seja em nível nacional quanto internacional, ou globalizado. Todo político depende do “humor do mercado”: quando o mercado está mal humorado, pode puxar-lhe o tapete sob os pés; quando está bem humorado, pode voar acima de seu alcance. Os ventos do mercado, além de não conhecerem fronteiras, costumam ser caprichosos quando se trata de conduzir a bom porto os países como frágeis embarcações. O humor do mercado tornou-se o fiel da balança da prática política. Seus indicadores não perdoam nem poupam os desatentos: como anda o índice da bolsa de valores, a taxa de juros, o câmbio do dólar, a inflação ou deflação, o crescimento do PIB, e por aí afora?
Mas onde o poder, sequestrado pelo mercado, é mais perverso e desigual, sem dúvida, é na captação e distribuição dos recursos. Ou na produção e consumo dos bens do progresso técnico, das mercadorias. Aqui não raro os políticos, além de reféns, podem se tornar capatazes ou cúmplices das injustiças e da manutenção da pirâmide social. Cúmplices e capatazes porque possuem o rabo preso às maquinações e artimanhas para driblar a receita federal. Conhecem o jogo obscuro e tortuoso da evasão de divisas. Capatazes e cúmplices do grande capital quando se prestam à criação de um sistema de captação de taxas e impostos que penaliza na fonte os trabalhadores e trabalhadores. Ou fiscaliza com todo rigor e pontualidade os micro, pequenos e médios empreendedores. Mas tende a deixar imunes e impunes os milionários ou bilionários da produção, do comércio e das finanças. Isso para não falar da corrupção!
Na metáfora brasileira, o “leão do fisco” ruge para amedrontar os fracos. Diante dos fortes, porém, põe o rabo entre as pernas e silencia. “A justiça, como as serpentes, só morde os descalços”, dizia o escritor e poeta uruguaio Eduardo Galeano. A elaboração e interpretação das leis beneficia, primeiro, quem as fez; depois, quem se dispõe ajudar a manter a cadeira cativa na Câmara e no Senado, no poder executivo e no judiciário, ou em cargos de grande rendimento ou influência.
Daí o desafio de escolher os candidatos e depositar o voto da urna. Se é verdade que o verdadeiro poder passa pelo FMI, pelo Banco Mundial e pelos Bancos Centrais dos países mais poderosos, também é certo que se deixamos de escolher, eles sentir-se-ão livres para continuar e as coisas só farão piorar. É reduzida a margem de manobra de nossos representantes políticos. Mas, sempre que pressionados pela mobilização das ruas e por grupos e movimentos sociais organizadas, é a única que pode abrir algumas brechas nos altos muros da discrepância socioeconômica em vigor. Degrau a degrau, a força das urnas e sua repercussão na política, fortalecida pela energia das ruas, descortina horizontes alternativos.
Resta a pergunta: em quem votar concretamente. Aqui entram em cena uma série de elementos: origem e vida do candidato, trajetória política, opção partidária, projetos e programas por ele defendidos, causas que abraça ou deixa de abraçar, certa liberdade de ação, permanente contato com as bases, transparências nas contas públicas, prestação de contas – enfim, critérios mais que pessoas. As pessoas podem mudar, mas os critérios permanecem. No final das contas, a meta é uma prática política que esteja em condições de subordinar o jogo da economia. O que produzir? Como produzir? Para quem produzir? Quais as prioridades elementares e urgentes da nação? São algumas das perguntas a serem colocadas sobre a mesa. O importante, mais do que simplesmente participar, é o poder de deliberar, de decidir. Numa palavra, o poder do voto e da urna dependem da incidência de quem levanta a voz nas ruas.
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Democracia participativa não é sinônimo de democracia deliberativa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU